PRÉ-MODERNISMO : LIMA BARRETO (continuação 2)

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O BRASIL NO ESPELHO
Pesquisa desenvolvida no IEL mostra como as obras de Lima Barreto refletem as mazelas do país
Manoel Freire Rodrigues, autor da tese: “O Brasil que Lima Barreto denunciou ainda não desapareceu”  

    A revolta e a melancolia presentes na obra do escritor Lima Barreto são reveladoras das contradições que marcaram a vida brasileira no início do século 20. A interpretação é da tese de doutorado de Manoel Freire Rodrigues, defendida recentemente no Instituto de Estudos
da Linguagem (IEL) da Unicamp, sob orientação do professor Antonio Arnoni Prado. De acordo com o pesquisador, o desencanto demonstrado pelo autor em relação à própria trajetória pessoal, à política e à realidade social do seu tempo contribui para entender melhor a constituição do país, pois serve de contraponto ao relato histórico oficial. “Um aspecto interessante nos textos de Lima Barreto é a sua atualidade. Neles, o escritor fala de problemas que nos preocupam até hoje, como o preconceito, a desigualdade social, a corrupção na política ou a degradação ambiental”, afirma o pesquisador.
    Freire começou a trabalhar com a obra de Lima Barreto no mestrado, defendido na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), orientado pelo professor Marcos Falchero Falleiros. Na ocasião, ele fez uma análise do romance Triste fim de Policarpo Quaresma. Desta vez, ele ampliou a investigação para quatro publicações, sendo dois romances (Recordações do Escrivão Isaías Caminhas e Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá), o Diário íntimo do escritor e um conjunto de crônicas e artigos publicados originalmente na imprensa.      
   “No trabalho, eu procurei construir o perfil do narrador, que no caso via o Brasil com um olhar profundamente desiludido e melancólico. Os textos demonstram uma coerência muito grande de Lima Barreto no que se refere à postura que ele tinha, como observador privilegiado do seu tempo, diante da vida e do mundo”, explica o autor da tese.
    Nos textos de  Diário íntimo, por exemplo, Lima Barreto fala das experiências pessoais com tristeza e dor. As narrativas, que possivelmente não se dirigiam a um leitor imediato, visto que foram publicadas muito tempo depois da morte do escritor, tocam em temas como preconceito e exclusão. Ele faz, ainda, confissões amarguradas acerca da hostilidade da sociedade em geral e do segmento literário em particular. “Nos textos, Lima Barreto também aborda com desgosto e mágoa os problemas de convívio que tinha em sua casa e registra depoimentos ora resignados, ora revoltados sobre esses e outros assuntos”, aponta Freire.
    Quanto aos dois romances tomados para análise, prossegue o pesquisador, os textos surgem com tons autobiográficos. Em ambos os livros, há a presença de personagens que apresentam trajetórias e características parecidas com as de Lima Barreto.
   Freire lembra que o escritor, que era mulato, sofreu com o preconceito de cor e com as dificuldades impostas àqueles que pertenciam a famílias humildes. Em Isaías Caminha, não
por acaso, a personagem principal, um mestiço, sai de uma cidade do interior com destino ao Rio de Janeiro, então capital da República, para estudar Medicina. Na mala, além de alguns
poucos pertences, leva uma carta escrita por um coronel da sua região recomendando-o a um deputado. O político simplesmente não o atende.
   Sozinho na cidade grande, o jovem sente-se perdido. “A narrativa vai se fazendo por meio das decepções e derrotas da personagem. No texto, fica evidente o preconceito do qual ela é vítima.    
    Em uma passagem, por exemplo, o jovem é recusado para realizar um trabalho braçal em uma padaria simplesmente por conta da sua cor”, destaca Freire.   Em Gonzaga de Sá, Augusto Machado, narrador e um dos protagonistas do romance, mais uma vez um mulato, é um sujeito deslocado da sociedade. Sua personalidade se mostra incompatível com os valores dominantes na Belle Époque brasileira. “A personagem,
aspirante a escritor, demonstra uma visão desiludida em relação ao Brasil, à República recém-instalada, à vaidade acadêmica e à corrupção na política.
   Assim como Lima Barreto, que deixou os estudos para tornar-se funcionário público, o protagonista é igualmente um burocrata que se sente fracassado”, conta o autor da tese.
   Já as crônicas e artigos produzidos por Lima Barreto, publicados originalmente na chamada pequena imprensa de então, apresentam uma particularidade, segundo Freire.
   Neles, o escritor fala diretamente ao público, sem se valer de personagens. Os textos têm uma forte carga ideológica, por meio da qual o literato mais uma vez critica aspectos da vida brasileira, da literatura, da organização social e da política.
     “Nesses escritos, é perceptível a revolta do excluído. A meu juízo, trata-se de uma visão muito original daquele período, pois vai na contramão do discurso oficial e dos interesses daqueles que acreditavam na República e que viam no novo regime a porta para o progresso que, depois se saberia, não incluiria a maioria da população”.
    Conforme Freire, um dos motivos que o levaram a estudar Lima Barreto foi justamente o caráter atual da sua obra.
    “O Brasil que ele denunciou ainda não desapareceu. Apesar das grandes transformações pelas quais o país passou, como a chegada da modernidade e da relativa democratização, muitos dos problemas levantados por ele ainda estão aí. No que se refere à compreensão da sociedade brasileira, Lima Barreto foi sem dúvida um homem muito à frente do seu tempo”, diz o autor da tese.



www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/.../Pag12.pdf

“O FEMININO NAS CRÔNICAS DE LIMA BARRETO - RIO DE JANEIRO 1905-1922”
Ana Helena Cobra Fernandes – UNICAMP
   Esse texto divulga os primeiros resultados de uma pesquisa mais extensasobre a fortuna crítica de lima Barreto (1881-1922); aqui, faço uma incursão em sua produção literária e jornalística nas primeiras décadas do século XX, contemplando as representações do “feminino” que emergem de algumas de suas crônicas. 
   De minha parte, posso afirmar que este estudo tem uma proposta mais abrangente, que é promover avanços na compreensão do processo de formação do percurso intelectual de Lima Barreto, porquanto busca, a partir de uma pesquisa temática, cronologicamente elaborada, tornar mais explícito o tributo legado como cronista para a imprensa do Rio de Janeiro, do criador de Ismênia e Olga, Clara dos Anjos e Cló, as personagens femininas mais instigantes da obra romanesca do literato carioca.
   É no entrecruzamento de quatro dimensões de análise – literatura, historiografia, memória e relações de poder entre sexos – , que intervêm diretamente na produção das crônicas que ora vou apresentar, que passo a refletir sobre o “feminino” na crítica barretiana, que em todo seu trajeto não escapa de uma rica lógica de ambiguidades, da qual iremos falar mais explicitamente, no momento da abordagem dessas crônicas.
   A crônica, que tem sua epistemologia ligada a  Cronos, guarda uma significativa diferença com o romance e o conto, pois, aliando a literatura à notícia do jornal se torna um gênero literário datado. Embora fugaz e efêmera como a notícia, ou fato do cotidiano, que lhe deu origem, não visa a informação, “o seu objetivo, confesso ou não, reside em transcender o dia-a-dia pela universalidade de suas virtualidades latentes”, uma vez que o cronista aspira a ser “não o repórter, mas o poeta, o ficcionista do cotidiano.”. (Moisés: 2003, p-104). 
   Em Cronistas do Rio, Beatriz Resende diz que a crônica se mistura com a vida do Rio de Janeiro desde os tempos de sua fundação e “chega a ser difícil fazer a história da cidade sem evocar – desde os primeiros viajantes que adentraram maravilhados a baía – um dos numerosos cronistas, que tendo ou não nascido aqui, dela falaram.”. (RESENDE: 1995, p-11).
   Muitos nomes como os de José de Alencar, Machado de Assis, Luis Edmundo, Olavo Billac, João do Rio, Lima Barreto, Carlos Maul, entre outros, descreveram a sua cidade com matizes e vocabulário próprios. Cada um deles, a seu estilo, foi determinante na construção da memória e daidentidade da cidade do Rio de Janeiro que, na Primeira República, transformou-se em símbolo da identidade nacional.
   Na crônica “Os nossos jornais”, Lima Barreto, comentando da qualidade das matérias que se publicavam na imprensa do período, apontava para a necessidade de se publicar artigos que despertassem o interesse dos seus leitores: “... isso de jornal sem  folhetim, sem crônicas,  sem artigos, sem comentários, sem curiosidades, não se compreende absolutamente.”
   Esse comentário, ainda que fortuito,  demonstra a inquestionável importância que tinha para o cronista, e também para outros que como ele aspiravam viver da literatura, a publicação de crônicas nos jornais (SODRÉ: 1999, p-291-292).
   Em Literatura como missão, Nicolau Sevcenko observa que “a linguagem está no centro de toda a atividade humana” e que ela é produzida por um complexo jogo de relações estabelecidas entre os homens, cujas potencialidades, fluem sobre suas realidades “através de fissuras abertas pelas palavras”. No segmento dessa reflexão podemos então afirmar que a palavra e a linguagem estão no cerne da crônica e, ainda que traduza em linguagem literária a visão de cronista sobre a geografia, a paisagem, os hábitos e costumes e população da cidade, na seleção dos fatos e na
sua substância, há uma relação com a história, pois tem comprometimento com a vida  e o momento da sua cidade. (SEVCENKO: 2003, pp-27). 
   Ainda no fio dessa análise, Sevcenko refere-se à literatura como uma prática discursiva “por onde desafiam os inconformados e os desajustados socialmente”, o que se aplica ao caso de Lima Barreto, cujo trabalho como cronista passo a comentar. (SEVCENKO: idem, p-28)
   Atento às transformações da política, da sociedade, das práticas culturais, e da paisagem urbana do Rio de Janeiro, Lima Barreto, como cronista, trabalhou profissionalmente na imprensa carioca, por quase duas décadas (1905-1922), onde debateu os mais diversos temas relacionados à vida pública e privada de sua cidade.
   Vivendo entre dois mundos, o do subúrbio e o do das zonas mais nobres da cidade, entre as funções de amanuense na Secretaria da Guerra e a de intelectual, praticando o que mais gostava – a literatura, dia após dia Lima Barreto foi unindo os fatos da cidade aos de sua vida e, sem esquecer quem era, fez da literatura o fundo de um espelho, a refletir os desacertos daqueles que haviam tomado a si a tarefa de dirigir e ordenar, a sociedade e cultura da jovem nação brasileira. 
   Tomando da pena para subverter os discursos das elites, Lima Barreto, como cronista, se revelou um crítico contumaz das teias do poder que se desenvolviam nas esferas do público e do privado; sensível a toda forma de dominação, falou do seu tempo com ironia, angústia e ressentimento, eu diria que até com obsessão. Em inúmeras crônicas, expõe e contesta a sujeição, os conflitos e os castigos que para as mulheres o universo privado resguardava, e a lei punia, nos casos de subversão aos costumes determinados pelas relações de poder entre os sexos.
    Contudo, se sensível aos descomedimentos, que a cultura burguesa consentia contra elas, por outro lado, por entender as esferas da política e das secretarias de Estado como um espaço masculino, se mostrou visceralmente contra os movimentos feministas, notadamente ao de Bertha Lutz, que entendia como um movimento que visava exclusivamente cargos na burocracia institucional, como comentou na crônica “o nosso feminismo”: 
     “Não é preciso por mais na carta, para ser o que visa esse “feminismo”  caricato que prolifera pelos jornais. (...) o que ele quer são lugares de amanuenses com cujos créditos possa comprar vestidos e adereços(...). (Coisas do Reino de Jambom, 1961, p-55).
   Não raro, Lima Barreto é apontado como um misógino, uma vez que “na sua insistência de atacar o feminismo burocrático apontava as questões científicas, muito em voga no período, e que dotavam a capacidade intelectual do homem superior à da mulher, que o levava a assumir uma posição conservadora.”, (VASCONCELLOS: 1992, 267); no entanto, era capaz de defender o divórcio e, em certos casos de aceitar a prática do aborto, que as leis proibiam e dogmaticamente a Igreja Católica condenava. 
   Para Eliane Vasconcellos, “dizer que o autor de Triste fim de Policarpo Quaresma era misógino é assumir uma postura precipitada”, uma vez que não podemos deixar de lembrar que o escritor atuou no início do século XX, quando a emancipação feminina ainda estava começando a ganhar visibilidade no Brasil, e que sua postura frente a essa discussão  “tem muito do momento histórico em que vivia, na oscilação entre o velho e o novo” (VASCONCELLOS: idem, p-268).
    Quando Lima Barreto escrevia sobre as mulheres, não falava só delas, mas da família, do trabalho, do seu corpo, da sua sexualidade, da violência que sofriam, e dos crimes que praticavam; são histórias vividas nas mais variadas realidades – no público e no privado, em bairros nobres ou no subúrbio. São histórias de burguesas e suburbanas, senhoras e senhoritas elegantes, lavadeiras, atrizes, prostitutas, feministas burocratas, criminosas, enfim, histórias do seu tempo que incorporam os mais diversos setores sociais e práticas culturais.
    As mulheres brasileiras tinham pouco espaço para tratar de assuntos como o amor, o casamento, a sua sexualidade e o aborto, considerados privados, na esfera pública (RAGO: 1994, p-28); sendo assim, ainda que sob uma ótica masculina e ambígua, a crítica barretiana vem revelar que muitas delas procuraram encontrar  caminhos, ainda que dolorosos, como meio de se evadir das normas e das leis que a sociedade burguesa lhes impunham, nas primeiras décadas do século XX. 
    São mais de cinquenta as crônicas que Lima Barreto escreveu sobre o tema que está em discussão neste seminário; dentre elas, escolhi: “A Lei” e “Os uxoricidas e a sociedade brasileira” que são muito ricas para um detalhamento sobre o “feminino”, na sociedade do Rio de Janeiro contemporâneo do seu autor.

“A Lei”
    Foi a partir de 1910  que  o aborto criminoso passou a chamar a atenção da comunidade científica e da sociedade. Antonio F. da Costa Junior, médico renomado no Rio de Janeiro, num trabalho para a Faculdade de Medicina, em 1911, esclarecia os mais diversos motivos que levavam mulheres a tal prática, qualificando todos como oriundos da depravação do meio social.
   Afora os métodos agressivos cometidos em casa contra seu próprio corpo, as mulheres não tinham como praticar o aborto sozinhas, o que exigia a cumplicidade de alguém. Havia, no Rio de Janeiro, praticantes bem conhecidas que faziam do aborto criminoso uma prática rendosa, eram as chamadas “curiosas”, apresentadas pelos médicos, “sempre de forma pejorativa, em função da falta de formação.”. (ROHDEN: idem, 95).
   Na crônica “A Lei”, escrita em janeiro de 1915, emerge uma discussão que congrega dois valores, o das leis e da moral que dirigiam a conduta feminina e da ética na prática da medicina. Nas primeiras linhas Lima Barreto já questiona: “Este caso da parteira merece sérias reflexões que tendem a interrogar sobre a serventia da lei.” (p-69).
   O episódio envolve a morte de duas mulheres, uma separada do marido que se envolveu num novo relacionamento, engravidou e, para não perder a guarda da filha, procurou uma parteira e veio a morrer de complicações do aborto. A segunda é  própria parteira, que por praticar a medicina ilegal, e ter levado uma mulher à morte, ao ser condenada e presa e suicidou-se na prisão; o caso é assim relatado pelo cronista:
   “A parteira, mulher humilde, temerosa das leis, que não conhece, amedrontada com a prisão, onde nunca esperava parar, mata-se, (...) a outra procurou a morte para que a lei não lhe tirasse a filha”. (pp- 69-70).
    Portanto, a indissolubilidade de laços matrimoniais, a guarda da filha condicionada à repressão do amor e do sexo fora do casamento, a gravidez indesejada e reveladora, e o aborto, algumas das imposições legais que regiam a moral e a conduta das mulheres na sociedade brasileira no início do século XX, para Lima Barreto, foram responsáveis pela morte dessas mulheres. 
   No caso específico do aborto, observamos que há uma ambiguidade nas reflexões do cronista; se, de um lado, a atitude da parteira em praticar o aborto foi um ato digno e humano, no sentido de ajudar uma amiga a não se comprometer, por outro tinha conhecimento que a “curiosa” praticava a medicina ilegal.
   “Vê-se bem que  a intromissão da “curiosa” não houve nenhuma espécie de interesse subalterno, não foi questão de dinheiro. O que houve, foi simplesmente camaradagem, vontade de servir a uma amiga, de livrá-la de uma terrível situação.“ (p-69).
   Ainda que entendendo dessa forma, e que a parteira fora condenada por leis baseadas numa moral antiquada, não ignora que a busca de favores das “curiosas” era passível de riscos, uma vez que não tinham conhecimento suficiente da medicina:
   “Acontece que sua intervenção foi desastrosa e lá vem a lei, os regulamentos, a polícia, os  inquéritos, os peritos, a faculdade e berram: você é uma criminosa!” (p-69).
   Demonstrando, desde o início, que estava a favor das mulheres, Lima Barreto
conclui o texto questionando:
   “Reflitamos, agora; não é estúpida a lei que para proteger uma vida provável, sacrifica duas? (...) De que vale a lei?” (p-70).
    Esta crônica é um registro da intensa tensão que uma gravidez indesejada, considerada então como destino natural do corpo da mulher, podia gerar tanto para aquelas que desejavam o aborto criminoso, quanto para suas cúmplices, as “curiosas” que o praticavam. Lima Barreto, ao refletir sobre esse episódio, parecia estar se perguntando, para que valiam essas leis, que subtraíam das mulheres as suas escolhas amorosas e sexuais, o direito à guarda dos filhos, e no limite extremo lhes causava a morte?
    Passemos agora para a análise da segunda crônica.

     “Os uxoricidas e a sociedade brasileira”
      Nas primeiras décadas do século XX, o uxoricídio era um crime muito praticado no Rio de Janeiro e, frente à alegação de ter sido cometido em defesa da honra masculina, quase nunca o réu era condenado. Em meio a muito sensacionalismo da imprensa, para vender jornais, esse  tipo de homicídio excitava a população da cidade, levava muitos curiosos ao local do crime, aos velórios, enterros e tribunais populares, onde os advogados de defesa davam grandes espetáculos de oratória que, depois do julgamento faziam publicar nos jornais.
   Em resposta a esses fatos, desencadeou-se uma campanha acompanhando a “explosão de uma preocupação social intensa e muito difundida com os crimes da paixão, que surgiu na década de 1910 e permaneceu até os anos de 1930” , organizada por promotores de justiça renomados, membros do Conselho Brasileiro de Hygiene Social (CBHS), fundado em 1925, para acabar com a tolerância aos uxoricidas. (Besse: 1989, p-182).
    Entre as seis crônicas em que abordou o tema, nesta escrita em 3 de março 1919, Lima Barreto mostra toda sua indignação, tanto contra os uxoricidas, quanto à sua absolvição; embora, como membro de um júri popular, pressionado pela família, pelo advogado de defesa e, principalmente, pelo corpo de jurados, tenha absolvido um desses matadores de mulheres:
    “Eu mesmo já absolvi um destes matadores  de sua própria mulher e contei isto, com o pseudônimo de Doutor Bogólloff, na A Lanterna, em 28 de janeiro do ano passado. (...) Arrependi-me, e me arrependo hoje ainda...”. (Bagatelas p.171).
    O título da crônica tem um estilo jornalístico, mas logo abaixo, Lima Barreto insere uma epígrafe muito instigante, retirada de um romance de Anatole France, indicando que há, no texto, uma concepção literária que se alia ao caráter documental e cotidiano que o compõe. 
   O texto é longo e sua estrutura é composta a partir de uma reflexão sobre os registros de vários crimes, da mesma natureza, que mantinha nos seus guardados ou já havia debatido em outras oportunidades. Esta crônica, particularmente, tem um caráter de síntese, onde o autor busc respostas que expliquem as causas que levavam os homens a praticarem o uxoricídio, a partir de histórias de um volume de sua biblioteca, intitulado Crimes espantosos, sobre o qual comenta:
    “Narrava ele muitos crimes, alguns curiosos, inesperados e inexplicáveis, e outros que me enchiam de pasmo haver homens que os cometessem. Na categoria última, estava o assassinato de um filho pelo próprio pai. ” (Bagatelas:  p-166)
    Observando que esse crime fora cometido em nome da honra da nobreza feudal, Lima Barreto, a partir dessa reflexão, vai dirigindo o olhar do leitor, no tempo e no espaço, e da maior abrangência e generalidade ao mais restrito e particular, para crimes que se praticaram em nome da honra ao longo da história da humanidade.
    Começando pelas torturas que os maridos impunham às mulheres nos tempos das Cruzadas, passa pelos castelos feudais da França, até chegar nos “matadores de mulheres” do Rio de Janeiro seu contemporâneo, concluindo que:
    “Uma das sobrevivências nefastas dessa idéia medieval, aplicada nas relações sexuais entre o marido e a mulher, é a tácita autorização que a sociedade dá ao marido de assassinar a esposa, quando adúltera. No Brasil, então é fatal a sua absolvição no júri.” (Bagatelas, 168.).
     Além dessas heranças medievais, que estimulavam o uxoricídio, Lima Barreto entendia que havia uma certa romantização em torno desses crimes uma vez que:
      “(...) a literatura e a crônica  estão cheias deles, embelezados, quando acontecidos, nos
tempos feudais.” (Bagatelas, 168).
      Para o autor, a imprensa tinha também sua parcela de responsabilidade, já que exacerbava a curiosidade popular, expunha a vítima à opinião pública e despertava um sentimento de clemência em relação ao assassino:  “(...) ao redor (da morta) havia um poviléu de lavadeiras, cozinheiras, de desgraçadas raparigas na mais ínfima degradação social.  Pois bem: dos grupos de raparigas dessa
natureza, só se ouvia a condenação da assassinada (...) ‘Bem feito! Porque ela foi enganar o marido?” (Bagatelas. P-170).
    Destas duas últimas citações, nos chama a atenção o fato de que existia em torno do marido traído, não só a natural cumplicidade masculina, mas também, uma anuência feminina em relação à prática do uxoricídio, uma vez que, a realidade concreta, dentro da qual eram praticados esses crimes, era abordada de forma “desfigurada e distorcida, para servir de ideologia da dominação masculina”. (CHALHOUB: 2001, p-217).
    Nunca  perdendo uma oportunidade para derramar sua ironia, aproveita o ensejo para desferir uma crítica contra as feministas, a Igreja Católica e o projeto civilizador burguês, que na ânsia de modernizar o país permitia, e de certa forma até incentivava, que fossem cometidos contra as mulheres atos tão cruéis e retrógrados, para o estágio civilizatório brasileiro, e ainda absolver os uxoricidas.
    “Não há lei que tal autorize e nós, hoje os avançados, não podemos compreender que tal coisa seja consagrada com absolvições iníquas, que desculpem o assassino e animem outros (...) contra tão desgraçada situação  de nossa mulher casada, edificada com a estupidez burguesa e a superstição religiosa, não se insurgem as feministas que há por aí. Elas só tratam de arranjar manhosamente empregos públicos sem lei hábil que permita.” (Bagatelas, p-172-173).
    Para Lima Barreto, tudo e todos acompanham as mudanças da natureza e, quando a mulher consuma o ato do casamento, ela ganha em sensibilidade e inteligência e vem perceber que o seu marido não é o homem que seus sonhos românticos, a educação frívola que recebeu, em casa e nos colégios de freiras, haviam lhe prometido. Ao ter tal penetração, percebia então um futuro sem amor, sem prazer e a longa submissão que estaria sujeita até os fins de seus dias. Esta situação de vida, “... reage então poderosamente sobre a mulher para levá-la ao adultério. (...) Em geral, na nossa sociedade burguesa, todo o casamento é uma decepção.  E, sobretudo, uma decepção para a mulher.” (p-172).
    De acordo com Margareth Rago, na sociedade burguesa contemporânea a Lima Barreto, havia um modelo normativo de mulher que desde meados do século XIX, por caminhos sofisticados e sinuosos  forjara “uma representação simbólica da mulher, a esposa-mãe-dona-de-casa, afetiva e assexuada” (RAGO: 1985, p-62), situação, claramente, subentendida na reflexão que esta longa crônica expõe, uma vez que nela, seu autor já representava a mulher, como uma vítima das leis e dos costumes, até mesmo nas circunstâncias de ter cometido o crime de adultério, que reprimiam seus desejos mais íntimos em relação ao amor, ao casamento e à sua sexualidade.
    Voltando à epigrafe com que abiu a crônica, ao encerrar suas reflexões sobre os crimes cometidos em nome da honra, Lima Barreto, comparando uma das vítimas dos uxoricidas brasileiros às heroínas de Ibsen, perguntava ao leitor:
     “Onde está a honra? Decididamente a descendência de Adão, não pode falar em semelhante senhora...” (p-176).
     Lembrando que o autor demonstrava simpatia pelas ideias anarquistas, que aceitavam o divórcio, o casamento livre e a maternidade planejada, Anoar Aiex entende que, apesar de Lima Barreto, ter um entendimento das questões do “feminino” diferenciado para o seu tempo, não chegou a “estabelecer uma relação entre a mulher brasileira de sua época e a opressão social, que a impedia de atualizar as suas reais potencialidades.”. (AIEX: 1990, p-24).
   Se misógino como querem uns, antifeminista com vêem outros, o fato é que Lima Barreto nunca se casou porquanto desde a juventude Lima Barreto demonstrou uma timidez incontornável no trato com as mulheres e quiçá, esse distanciamento dos problemas conjugais seja a chave da sensibilidade que na suas crônicas evidenciava, quando no trato dos problemas que as mulheres enfrentavam na família e no casamento, frente à moral burguesa do seu tempo. 

Ana Helena Cobra Fernandes - Associação Nacional de História
www.anpuhsp.org.br/.../Ana%20Helena%20Cobra%20Fernandes.pdf

 O DISCURSO NACIONALISTA DE LIMA BARRETO 
Profa. Dra. Francis Paulina Lopes da SILVA (UNEC)

    Na leitura da identidade cultural brasileira, tem-se em Lima Barreto (1881-1922) um registro importante da História e  do pensamento nacionais. Em sua produção ficcional, revelam-se depoimentos pessoais, reflexões que se tornaram denúncia testemunhal e inquieta de um brasileiro que construiu criticamente, pelo exercício literário, um discurso próprio e idealista de nação e cidadania. 

Por uma identidade nacional 
   Observa o sociólogo polonês Zygmunt Bauman que: “A ideia de ´identidade` nasceu da crise do pertencimento e do esforço que esta desencadeou no sentido de transpor a brecha entre o ´deve` e o ´é`  e erguer a realidade ao nível dos padrões estabelecidos pela ideia – recriar a realidade à semelhança da ideia” (2005, p. 26). Essa parece ter sido a experiência de Lima Barreto, a ponto de situar-se numa posição intervalar, intermediária, entre o ser e o não ser. O fato de sentir as consequências de sua condição de mulato, pobre e escritor, não reconhecido pela elite intelectual, a sua extrema lucidez, na leitura da realidade, opondo-se à saúde mental precária que o dizimou, situam-no, embora involuntariamente, numa terceira margem da sociedade e da literatura do Brasil. Entretanto, é graças a essa experiência incômoda da própria marginalidade que hoje se tem a riqueza de uma literatura combativa, transgressora e polêmica. 
    Atento às mudanças socioculturais de seu tempo, antecipou a discussão sobre ideias nacionalistas do Modernismo brasileiro, questionando, com ironia bem machadiana, no início do século XX, a hipocrisia das relações humanas de falsas aparências; a submissão do indivíduo ao poder econômico e político, o controle do prestígio social e intelectual, por parte de poucos; a questão racial; a oposição entre a criação popular espontânea e a arte parnasiana, artificial, oficial e elitista; a lógica desumana da “ordem e progresso”, inspirada num positivismo a serviço de poucos.
    Nascido no mesmo ano em que Machado de Assis inaugurava a ficção realista brasileira, com o lançamento de Memórias póstumas de Brás Cubas, Lima Barreto criou um estilo próprio, ao captar o Brasil em mosaicos, flagrantes e caricaturas da vida social carioca.
   O conjunto de sua obra transita entre  o ficcional, autobiográfico, histórico, crítico e, embora produzida em sua existência breve e conturbada, pois o escritor morreu em um hospício, aos 41 anos. Mas, apesar da consciência do valor de sua obra, o autor confessava, com indignação e mágoa, a indiferença da imprensa a seu respeito.
    Sofreu a exclusão da crítica oficial,  entre 1909 e 1922, por um silêncio implacável quanto a seus escritos, como observa Alice Áurea P. Martha: 
     Como a palavra, o silêncio também possui suas condições de produção e, no caso de Lima Barreto, tais condições podem ser facilmente detectadas, em razão de sua marginalidade social e liteliterária. Como se sabe, o escritor não se vinculava à literatura oficial, militando na redação de revistas e jornais modestos, como  Careta,  ABC,  Hoje, Rio-Jornal, entre outros. Sua condição dissidente e combativa, notadamente após a publicação de seu primeiro livro, pode ser responsabilizada por sua exclusão do mundo oficial das letras no Brasil, nos primeiros anos deste século (MARTHA, 2000).
      Em seu olhar crítico e implacável sobre  a realidade brasileira, Lima Barreto ousou romper com o nacionalismo ufanista reinante na época. Daí o fato de ser criticado e excluído pelos contemporâneos parnasianos, pelo estilo coloquial com que expunha um ideal de nação, anos mais tarde, reinterpretado no Modernismo.
     Como jornalista, Lima Barreto começou a trabalhar em 1902, assinando artigos para os periódicos, como Correio da Manhã, Jornal do Commércio, Gazeta da Tarde e Correio da Noite, em muitos dos quais assinou com pseudônimos: Rui de Pina, Dr. Bogoloff, S. Holmes e Phileas Fogg. Mas sua posição combativa, a crítica contundente custou-lhe a marginalidade e a indiferença da elite intelectual. 
     Nelson Werneck Sodré chama atenção para a importância desse escritor que soube apontar  os contrastes de uma sociedade em fase de mudança e propor o novo e justamente por isso pagou alto preço:
      Mas a recusa não se fundamentou no fato de que ele fosse pobre, mulato, doente. Tais características pertenciam também a outros, como Machado de Assis. Não o aceitou porque, exteriormente, tanto quanto interiormente, Lima Barreto era um inconformado, um homem que não adorava os deuses dominantes, não tinha a convicção dominante, não acreditava no acessório; descobriu e sentiu o que nele era, realmente, uma ameaça, um sentido novo, um caminho diferente. Ora, isso é que tem importância em Lima Barreto. O novo, naquele momento, apresentado de maneira áspera, violenta, descomedida, como Lima Barreto apresentava, chocava, surpreendia e provocava o revide do esquecimento, da omissão, da obscuridade, a que o romancista tanto se prestava pela ausência de condições pessoais para vencer obstáculos dessa natureza (SODRÉ, 1995, p. 505). 
    Seu primeiro livro, por exemplo, não foi publicado no Brasil, mas em Portugal, como observa Sodré: 
   Não era fácil a um escritor ter um original aceito pelos grandes editores do Rio. Circunstância que levava muitos deles, principalmente novos, a apelar para os editores de Portugal, cedendo muitas vezes os manuscritos gratuitamente, só pelo prazer de vê-los publicados. Foi o que aconteceu a Lima Barreto, em 1907, oferecendo, por intermédio do amigo Antônio Noronha Santos, os originais das Recordações do Escrivão isaías Caminha a um livreiro daquele país (Ibid., p. 440).
     Em Recordações do Escrivão isaías Caminha, já o autor registra, nas anotações de seu protagonista, denúncias contundentes às manipulações da informação, satirizando o Correio da manhã, o mais famoso jornal do Rio de Janeiro, o que o tornou execrado pelos grandes do jornalismo de seu tempo. 
   O seu romance mais conhecido, Triste Fim de Policarpo Quaresma, publicado em 1915, apresenta ao leitor do início do século XX um protagonista símbolo do ideal de brasilidade de seu tempo: 
    Policarpo era patriota. Desde moço, aí pelos vinte anos o amor da Pátria tomou-o. Não fora o amor comum, palrador e vazio; fora um sentimento sério, grave e absorvente. Nada de ambições políticas ou administrativas; o que Quaresma pensou, ou melhor: o que o patriotismo o fez pensar, foi num conhecimento inteiro do Brasil, levando-o a meditações sobre os seus recursos, para depois apontar os remédios, as medidas progressivas, com pleno conhecimento de causa (BARRETO, 1983, p. 22). 
   Entretanto, já nessa caracterização de Quaresma, o narrador ironiza, de maneira implacável, o perfil nacionalista reinante,  mesclado entre interesses pessoais de uma elite autoritária e o autêntico patriotismo altruísta, voltado para as reais necessidades do povo, numa nova consciência de nação. 
    Assim, Lima Barreto questiona conceitos e atitudes ultrapassados, sobre o que seja identidade brasileira em seu tempo.  Inicialmente, insiste na pureza do ideal nacionalista de Quaresma: "Não se sabia onde nascera, mas não fora decerto em São Paulo, nem no Rio Grande do Sul, nem no Pará. Errava quem quisesse encontrar nele algum regionalismo; Quaresma era antes de tudo brasileiro" (Ibid.). É esse obsessivo sentimento patriótico de um ideal de nação, por exemplo, que o impele a resgatar, o autóctone: cultura, música, literatura, a terra e a língua tupi, mas  que, ao fim se vê, sozinho, inútil, decepcionado, ao constatar a  situação real de despotismo egoísta e oportunista dos que detinham o poder: 
       A pátria que quisera ter era um mito: era um fantasma criado por ele no silêncio do seu gabinete. Nem a física, nem a moral, nem a intelectual, nem a política que julgava existir, havia. A que existia de fato, era a do tenente Antonino, a do doutor Campos, a do homem do Itamarati (Ibid. , p. 152).  
   Enfim, ironicamente, em seu sonho utópico, só restava a Quaresma a loucura e a marginalidade... Mas, ao fim da obra, o discurso do narrador resgata a consciência do puro sentimento de pertença à nação, ao imprimir em Olga, sobrinha de Quaresma, a sensibilidade e o orgulho de seu povo, sua terra, sua História, renovando os sonhos de mudança para melhor:       
   “Tinha havido grandes modificações nos aspectos, na fisionomia da terra, talvez no clima... Esperemos mais, pensou ela [...]” (Ibid., p. 158).
    Contra a modernização inconsequente: uma nação para todos 
     No romance Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá, publicado em 1919, o autor faz uma crítica aguçada ao progresso brasileiro desordenado, no contexto da transição Império–República. Entretanto, embora situado cronologicamente em época passada, a obra é intensamente atual. Como num jogo de espelhos, pelas reflexões ao longo da narrativa, o narrador envolve o leitor na cumplicidade de um hábil jogo de pontos de vista da realidade, convidando-o a voltar para dentro de si, inquirindo sua própria identidade.
   O discurso revolucionário de Lima Barreto opõe-se, resiste e ultrapassa o sistema sócio-político-cultural e mesmo literário dominante, apontando para a utopia de uma nova nação sonhada, muito além do utopismo idealista romântico. Essa forma de disseminar um saber próprio e uma consciência de alteridade lembra o pensamento de Homi Bhabha, em “A questão do outro”, sobre o discurso colonial. Segundo o crítico, tal discurso suscita ao colonizado uma insatisfação com a linguagem oficial, fazendo surgir uma nova linguagem: “forma não-marcada, marginalizada [...] que se torna o lugar de dependência e resistência culturais do sujeito nativo e, como tal, um signo de vigilância e controle” (BHABHA, 1992, p. 181). 
     Assim, a visão aguçada e o senso crítico de Lima Barreto, espelharam-se na própria experiência de pobreza e situação social suburbana, e em sua condição de vítima do preconceito racial. Torna a sua obra uma crônica autêntica dos subúrbios cariocas, de um povo pobre e oprimido, em contraposição  ao universo da burguesia medíocre e vazia, e da opressão de militares e políticos poderosos e incompetentes. 
    O narrador fictício de Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá, assinado “Lima Barreto”, apresenta-se, já na “Advertência” como encarregado de retocar e publicar a obra do antigo colega Augusto Machado. Este último registra, por sua vez, como expectador atento, a trajetória existencial de Manuel Joaquim Gonzaga de Sá. 
   No romance, o próprio narrador, Lima Barreto, analisando a obra de Machado, reconhece-lhe o traço personalizado do amigo: “Aqui e ali, Machado trata mais dele do que de seu herói” (BARRETO, 1956, p. 27). Eis uma escrita labiríntica, em que o próprio fato de narrador-autor-personagem se confundirem, um em constante referência a outro já sugere habilidade crítica e uma nova escrita introspectiva e autorreflexiva. 
    Gonzaga de Sá, personagem biografado por Machado, é de origem nobre, já que descendia de Estácio de Sá, e estando decadente, legara ao amigo, além de seus papéis, a condição de expectador das cenas do mundo. E espelhado nessa realidade, captada com sentidos atilados, analisava a realidade interior. Gonzaga era o mestre de Machado, sua outra metade, a lente pela qual a realidade e o sonho se lhe apresentavam. 
   Osman Lins afirma, comparando essas duas personagens:  idênticas às de Gonzaga as predisposições de Machado, seu imaginado biógrafo. Só em companhia do amigo, contempla as coisas e raciocina sobre elas, num tom talvez um pouco mais comovido, mas que ressoa como um eco, paráfrase ou reflexo do que ouve e transcreve. O que vêem e observam Gonzaga e Machado lembra uma sonata para dois instrumentos afins (LINS, 1976, p. 44). 
     Alfredo Bosi considera esse romance uma “pintura animada e mordente crônica da sociedade carioca” e Gonzaga de Sá, segundo ele,  [...] vem a ser o espectador a um tempo interessado e cético daquele Rio dos princípios do século, onde os pretensos intelectuais macaqueavam as idéias e os tiques da cultura francesa sem voltar os olhos para os desníveis dolorosos que gritavam ao seu redor; onde a Abolição, sem realizar as esperanças dos negros, prolongou as agruras dos mestiços; onde, enfim, a República, em vez de preparar a democracia econômica, instalou os alicerces do campo no tripé de um militarismo estreito e uma imprensa impotente, quando não venal (BOSI, 1991, p. 362).
    Assim, sob os disfarces múltiplos, Lima Barreto se revela espectador do mundo
de si mesmo, fazendo, pela câmara indiscreta do olhar das personagens, desfilarem os costumes pitorescos e as mazelas da sociedade brasileira carioca. Analisa, pois, a sua própria relação com seu povo e seu país  e escreve a “comédia humana”, como um Balzac à brasileira. Gonzaga de Sá e a “comédia humana”
     As críticas barretianas à sociedade carioca do início do século XX apresentamse, em geral, em tom irônico ou amargo, pelas observações dos protagonistas Gonzaga e Machado. Na realidade, como o reconhece Nicolau Sevcenko, o próprio Lima Barreto emerge como “co-protagonista” de sua obra (Cf. SEVCENKO, 1983, p. 119).
    Sevcenko traça o perfil dessa época de grandes mudanças na sociedade carioca, Barreto registra criticamente em toda a sua produção literária e jornalística. Dentre outras, destacam-se obras de reconstrução e modernização do Rio de Janeiro, a transição Império / República, e, consequentemente, as repercussões sócioeconômicas  culturais desse “progresso” brasileiro. À moda da Paris decantada por Baudelaire, das avenidas de macadame, a sociedade burguesa do Rio se agita, como retrata Sevcenko:  [...] a burguesia carioca se adapta ao seu novo equipamento urbano, abandonando as varandas e os salões coloniais para expandir a sua sociabilidade pelas novas avenidas,  praças, palácios e jardins. Com muita brevidade se instala uma rotina de hábitos elegantes ao longo de toda a cidade, que ocupava todos os dias e cada minuto esses personagens, provocando uma frenética agitação de carros, charretes e pedestres, como se quisessem estar em todos os lugares e desfrutar de todas as atrações urbanas ao mesmo tempo (1983, p. 119).
   Esse processo de aburguesamento da sociedade carioca traz suas consequências negativas, fazendo surgir o arrivismo, os ladrões de casaca, o compadrio, os cavadores, os  smarts (Cf.Ibidem, p. 38-41), e perdendo-se os laços de solidariedade. Como Baudelaire, num de seus poemas-crônicas da Paris modernizada, Barreto se faz atento e solidário aos olhos dos pobres (Cf. Baudelaire, 1988, p. 127-171). E sob essas lentes é que vê criticamente o alvoroço burguês pela novidade do progresso acelerado.
   Sevcenko analisa ainda o novo regime no país, a “República dos Conselheiros” ou, ainda, segundo Lima Barreto, “República Aristocrática” ou “República dos Camaleões” – os ex-imperialistas convertidos – que, com a Abolição e as sucessivas crises econômicas, gerou o “inferno social”. Refere-se, ainda, ao alcance social do Estado inefetivo, que multiplicou o analfabetismo, a corrupção, a estagnação, a irracionalidade e a miséria (Cf. SEVCENKO, 1983, p. 51). No Rio, vêm a se concentrar massas de escravos recém-libertados e estrangeiros, aventureiros e mão-de-obra desocupada. Nessa sociedade explosiva  era crescente a multidão a lutar pela sobrevivência. 
    Em Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá, a sociedade carioca é caricaturada no confronto patético do escritor que se debate entre o desassossego e a utopia. 
   De início, a própria máquina burocrática do serviço público é alvo da crítica barretiana, numa descrição irônica da Secretaria dos Cultos, onde o jovem Machado conhecera o amanuense Gonzaga de Sá: 
     Foi, por ocasião de desempenhar-me da incumbência do meu diretor, que vim a conhecer Gonzaga de Sá, afogado num mar de papéis, na secção de “alfaias, paramentos e imagens”, informando muito seriamente a consulta do Vigário de Sumaré, versando sobre o número de setas que devia ter a imagem de São Sebastião (V.M., p. 36). 
    Gonzaga é vítima dessa engrenagem burocrática, mas a transcende, em seu espírito reflexivo, crítico. Machado sentia-o destacar-se com naturalidade na secção, ante a mediocridade banal de seu chefe (V.M, p. 79). Ainda, em Xisto Beldroegas, tem-se a caricatura impiedosa da máquina burocrática do Estado: ridículo, obcecado por tradições e leis, alienado da realidade: “Apesar de enfadonho na legislação, não tinha uma ideia das suas origens e dos seus fins, não a ligaligava à vida total da sociedade. Era uma coisa à parte” (V.M., p. 146). O teor satírico dessas passagens lembra ao leitor a trama de O processo, obra kafkiana.
   O olhar crítico do autor percorre a realidade social, política, econômica e cultural do Rio, em comentários que o narrador Machado registra fielmente em sua biografia. Irrita-lhe a falsa burguesia dos arquivistas de Petrópolis, que anunciavam nos jornalecos seus casamentos com filhas de portugueses enriquecidos e os analisava em sua crítica mordaz: “Eles descendem de fazendeiros arrebentados, sem nenhuma nobreza e os avós da noiva ainda estão à rabiça do arado na velha gleba do Minho e doidos pelo caldo de unto à tarde” (V.M., p. 57). 
   Para Gonzaga, Barão do Rio Branco, “o Paranhos”, “Era um atrasado que a ganância das gazetas sagrou e a bobagem da multidão fez um Deus” e que “faz do Rio de Janeiro a sua chácara [...] julga-se acima da Constituição e das leis...” (V.M., p. 69-70). E os meios de publicidade, as revistas e os grandes jornais são, para ele, o retrato da sociedade: “Os seus proprietários fazem muito bem, dão o que lhes pede o público”, que é “maleável, é dirigível” (V.M., p. 89-90). 
   Marcada pela agudeza crítica é a análise  de Gonzaga sobre o Lírico do Rio de Janeiro, criação do Império, para favorecer a “educação mundana” da mocidade, dos plantadores, dos grandes negociantes e políticos, pois “Era preciso uma casa elegante para poli-los com o auxílio da arte”. Mas pondera amargamente o protagonista sobre o fracasso do ideal do Imperador, de formar uma aristocracia: “O Lírico degenerou em moda idiota, sempre com o mesmo espírito curto, mas sempre em roda de tolos” (V.M., p. 101-102).
   Outro traço caricato da sociedade burguesa emergente da modernidade aparece na reflexão de Machado sobre as mulheres vindas de Bordeaux ou Havre, que despertavam a alma da cidade. Machado lembra a definição de Gonzaga de Sá: a dama fácil é o eixo da vida”. E ele segue, descrevendo-lhes os passos ruidosos pelo centro do Rio e o arrebatamento que suscitava a sua poderosa energia nos burgueses: 
    Esvaziam-se os pecúlios pacientemente acumulados; vão-se as heranças que tantas dores resumem, e os cofres das repartições e dos bancos sangram... [...] E tudo acaba nelas; é para elas que se encaminham as riquezas anscestrais, em terras longínquas, em gado nédio e plantações virentes (V.M., p. 103). 
   Machado ainda irá lembrar outra observação irônica de Gonzaga: “Estão se dando ao trabalho de nos polir” (V. M., p. 105). Nota-se a atualidade dssas observações críticas presentes num romance do início do século. Ainda hoje, o país se deixa seduzir e invadir pela mídia, fruto da cultura globalizante, e ainda se torna  chique deixar o povo se encharcar no consumismo do que é importado, sem a consciência dos genuínos valores da herança cultural brasileira e dos produtos de origem nacional. 

Imagens do Brasil segundo Lima Barreto 
    A sensibilidade de Lima Barreto para as questões sociais brasileiras emergia em seus escritos jornalísticos ou ficcionais, muitas vezes, deixando transparecer, em fina ironia, um amargo inconformismo ante a situação contrastiva, em que conviviam, em aparente harmonia, opressor e oprimidos, detentores do poder e a plebe alienada, enquanto cada vez mais se agravavam os males sociais brasileiros. 
   Certa vez, referindo-se ao futebol da época, em artigo da revista Careta, em 3 de junho de 1922, o escritor opina, irônica e lucidamente: "O Brasil não tem povo, tem público". Aqui está implícito o ideal barretiano de povo, enquanto conjunto de pessoas que deveriam compartilhar, não só a mesma língua, história, tradições e costumes, mas também deveriam lutar por direitos, interesses e anseios comuns. Essa seria, em breve, uma das bandeiras que mais tremulariam a partir dos manifestos modernistas.
   Na obra barretiana, na construção das personagens, está implícita uma postura intensamente crítica e atenta às cenas vivas que compõem a vida social urbana. Segundo Nelson Werneck Sodré, 
     Na transposição dessa gente é que Lima Barreto realizou o melhor, nisso é que se sentiu à vontade. O traço caricatural volta-se contra os figurões, particularmente os da política, e deforma os perfis, pela intencionalidade e pela natureza mesma da caricatura. A personagem principal que está no centro de tudo, em torno de que giram as criaturas e em cujo fundo se situam os problemas e as cenas , é a cidade, não apenas a cidade “botafogana’ das casas senhorais, das chácaras, com a sua gente artificializada, mundana, copiando formas de existência, cujos originais estão distantes do país, mas a cidade esquecida, suburbana, dos pequenos funcionários, dos cantadores de modinhas, dos militares retirados da ativa, povoando ruas quietas, enchendo os transportes coletivos, buliçosa, bisbilhoteira, amante das festas movimentadas e dos ajuntamentos agitados (1995, p. 505).
    Em sua obra ficcional, recorrendo a cenas pitorescas, criticamente, Lima Barreto tece a história da sociedade de seu tempo, analisando reações e atitudes captadas do cotidiano carioca, nas calçadas, nos bondes... Merecem destaque cenas coletivas, como em Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá, em que, no Passeio Público, que Gonzaga e Machado observavam de fora o “curioso público de domingo”: “[...] víamos ajuntar-se, aos impulsos de energias acumuladas durante a semana, uma multidão policrônica”, “e inertes às forças que os moviam” (V. M., p. 132). 
   Aqui, a ideia nacionalista se sugere na consciência do protagonista, de estar entre seus concidadãos, conferir-lhes dignidade e respeito, captar o sentido de sua existência simples, humilde, ingênua. Sugere-se, à terceira margem, Lima Barreto na condição de espectador crítico das cenas  nacionais de seu tempo, no entrelugar do discurso, como que na inter-mediação solidária, entre o povo/multidão e contra os que o exploram e marginalizam. 
   Em sua consciência política, Machado compara essa gente alegre e simples aos sargaços que nadavam livres, no mar: “Olhei o mar de novo. Boiavam sargaços, balouçando-se nas ondas, indo de um para outro lado, indiferentes, à mercê dos movimentos caprichosos do abismo. Felizes” (V.M., p. 131). E sempre esse olhar simpático às minorias fazia-se denúncia indignada contra aqueles que os tornavam excomungados da vida. 
   Na Avenida Central, Machado analisa: “O público noturno de domingo tem uma certa nota própria”. E, pelo olho-câmara de Machado, Lima Barreto irá captar flagrantes dos tipos marcantes do cotidiano do Rio que se move em ritmo do “moderno”: flâneurs, artistas, escritores, boêmios, moças dos arrabaldes, operários e caixeiros em passeio..., que os amigos não ousam perturbar (V. M., p. 137). 
   Em dia de feriado nacional, Machado sente-se impelido a misturar-se à multidão que aguardava um desfile militar, mas, incapaz de fugir de suas angústias, de si mesmo, analisa criticamente a alegria e o orgulho do povo ao ver passarem as tropas: “A sociedade repousa sobre a resignação dos humildes!” (V.M., p. 139-140). E irá questionar a ordem estabelecida, disfarçada por uma simples comemoração cívica: “Que motivos ocultos, sob a grosseria dos fatos históricos, explicavam essa estranha impulsão e aquela mesma obsessão e aquela obediência a um mesmo ideal e a uma mesma ordem?” (V.M., p. 142). 
   Ainda um outro flagrante da comédia da vida urbana carioca, Lima Barreto analisa com fina ironia os aparatos e convenções burguesas, uma noite, no Lírico, ponto de convergência de toda a gente elegante brasileira: “Chic, rica! A metade não pagou entrada...” Machado e Gonzaga observam, entre a plateia feminina, a “ninfa da alta política, da alta finança, de toda a pirataria com patente”, senhoras e jovens famosas, e, inclusive, a “esposa de um senador banqueiro”.    
   Aqui, a atualidade da crítica barretiana deixa escapar a real impunidade à contravenção no Brasil, na observação de Gonzaga, sobre o tal “banqueiro”: “[...] mas de jogo. Há trinta anos ele o é apesar de todos os códigos proibirem-no. A inutilidade das leis...” (V.M., p. 154-5). 
   Esse olhar crítico, denúncia da realidade sociocultural, Lima Barreto o lança em cumplicidade com os protagonistas Machado e Gonzaga de Sá. E também como eles, mantém-se a distância, insulado em seu mundo interior, embora solidário à dor e aos sonhos dos seus. Idealiza, pelo discurso, uma comunidade imaginada. 

A comunidade imaginada por Lima Barreto
    Embora o romance  Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá, em seu estilo penumbrista e sério, seja menos conhecido, em meio à obra tão popular de Lima Barreto, como o  Triste fim de Policarpo Quaresma, o autor constrói um discurso nacionalista utópico. A idéia de uma comunidade imaginada transparece, em meio às reflexões dos protagonistas e um espírito  solidário, ante a massa inconsciente dos problemas que afligiam a sociedade em ritmo de modernização.
    Benedict Anderson, em  Nação e consciência nacional, define a nação como “uma comunidade imaginada – e imaginada como implicitamente limitada e soberana” (1989, p. 14). Ele assim se refere à “comunidade”: 
    [...] a nação é imaginada como uma  comunidade porque, sem considerar a desigualdade e exploração que atualmente prevalecem em todas elas, a nação é sempre concebida como um companheirismo profundo e horizontal. Em última análise, essa fraternidade é que torna possível, no correr dos últimos dois séculos, que tantos milhões de pessoas, não só matem, mas morram voluntariamente por imaginações tão limitadas (Ibidem, p. 16).
    Anderson enfatiza, na cultura moderna, a utilização do possessivo “nosso”, como uma forma de identificação do indivíduo à sua nação. Este, ao invés de pensar na vida pessoal, utiliza o pronome possessivo pensando no “corpo representativo” (Ibid., p. 41), expressão reveladora da vaidade de determinado grupo, da qual “emerge uma consciência de conexão [...] sobretudo quando todos compartilham de um única língua de-Estado” (Ibid., p. 66). 
    Em Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá, essa comunidade imaginada emerge a todo instante, pelas falas ou reflexões dos protagonistas, porém de maneira crítica, nada ufanista, mas também expressiva de uma utopia. 
    Gonzaga de Sá sempre se remete a essa ideia, referindo-se ao Rio de Janeiro. Por exemplo, quando analisa com Machado as causas sociais do crescimento desorganizado da cidade, conclui: “mas se a sua topografia criou essas dificuldades, deu à nossa cidade essa moldura de poesia de sonho e de grandeza. É o bastante!” (V.M., p. 68 – grifo nosso).
    Pelas queixas de Gonzaga, Lima Barreto compara os autores brasileiro aos clássicos europeus, confessando ao leitor a  própria posição de intelectual moderno e defendendo uma literatura engajada com a realidade de seu povo oprimido: 
    Está aí o grande drama de amor em nossas letras, e o tema de seu ciclo literário. Quando tu verás, na tua terra um Dostoievski, uma George Eliot, um Tolstoi – gigantes destes, em que a força de visão, o ilimitado da criação, não cedem o passo à simpatia dos humildes, pelos humilhados, pela dor daquelas gentes donde às vezes não vieram – quando? (V.M., p. 134 – grifos nossos).
    A grande utopia de Gonzaga era imitar seu mestre, Rousseau, em eloqüência e idealismo, para conclamar as massas, talvez, ao “seu contrato social”, à luta: 
   Se eu pudesse [...], se me fosse dado ter o dom completo de escritor, eu já havia de ser assim um Rousseau, ao meu jeito, pregando à massa um ideal de vigor, de violência, de força, de coragem calculada, que lhes corrigisse a bondade e a doçura deprimente (V.M., p. 134).
   Mas Gonzaga, em seu desassossego, é também renúncia, capitulação, já que também se identifica com essa “doçura deprimente” que lhe é imposta pelas contingências da vida – idade avançada, decadência, pensamento estéril e morte... 
   A topografia do Rio de Janeiro, em todo o romance, harmoniza-se com os protagonistas e reflete uma paisagem de  cidade espontânea, melhor detalhada por Beatriz Resende, na obra Lima Barreto e o Rio de Janeiro em fragmentos (1993). 
   Em uma reflexão com Machado sobre o aspecto original do Rio, que nunca se pareceria a uma capital, Gonzaga confessa-se inteiramente envolvido pelo sentimento de amor à sua cidade e rejeição aos padrões impostos pelas grande potências: 
   – Pense que toda a cidade deve ter sua fisionomia própria. Isso de todas se parecerem é gosto dos Estados Unidos; e Deus me livre que tal peste venha a pegar-nos. O Rio, meu caro Machado, é lógico com ele mesmo, como a sua baía o é com ela mesma; e o Rio o é também porque está de acordo com o local em que se assentou (V.M., p. 65). 
    Gonzaga de Sá não se concentra apenas no ato de observar, mas também se faz expressão das experiências e anseios captados do inconsciente coletivo, em sua flâneriepelas ruas do Rio. Pela escritura, Gonzaga resgata e atualiza o lirismo do passado da cidade, em ritmo de progresso. 
   Massimo Canevacci, em A cidade polifônica, refere-se ao diálogo íntimo entre homem / cidade, na medida em que esta lhe desperta recordações: 
    Uma cidade se constitui também pelo conjunto de recordações que dela emergem assim que o nosso relacionamento com ela é restabelecido. O que faz com que a cidade se anime com as nossas recordações. E que seja  agida por nós, que não somos unicamente espectadores urbanos, mas sim também atores que continuamente dialogamos com os seus muros, com as calçadas de mosaicos ondulados, com uma seringueira que sobreviveu, com majestade monumental no meio de uma rua, com uma perspectiva especial, um ângulo oblíquo, um romance que acabamos de ler.  As memórias biográficas elaboram mapas urbanos possíveis (1993, p. 22)
    Assim também Lima Barreto, por seus protagonistas, revisita a cidade do Rio de Janeiro, traçando um mapa urbano em poético passeio pela memória local. 
   Em Gonzaga de Sá, orgulhoso de seu passado nobre e guerreiro, é freqüente a alusão simpática ao passado. Embora consciente dos valores dos tempos modernos,
   Gonzaga vivia em contato com as tradições. O casario, o teatro Provisório, os morros, as histórias que contava a Machado, os antigos títulos e brasões que o atraíam, alimentavam-lhe a poética utopia de conciliar ousadia e ambição do moderno regime com a experiência vivida no Império. 
    É interessante, no romance, a irônica reação de Gonzaga de Sá à notícia da Proclamação da República: 
    A República veio encontrá-lo quase só na secção, redigindo um decreto do Defensor Perpétuo e, ao lhe avisarem: “Seu” Gonzaga, hoje não se trabalha; o Deodoro, de manhã, proclamou a República do Campo de Sant’Ana: 
   – Mas qual? – perguntou.
   As suas reminiscências de história não lhe davam de pronto a idéia nítida do que fosse república. Sabia de tantas e tão diferentes, que a sua pergunta não foi afetada (V.M., p. 47-8).
   Essa aparente postura de alienação é mais uma confissão sarcástica de descrença no “golpe” político, nada revolucionário, em favor da mudança da situação do povo, mas apenas uma mudança de cargos e pessoas no poder.
    Lima Barreto se coloca, em Gonzaga, como intermediário, ao propor uma modernização que não seja ruptura, mas  conciliação revolucionária entre “moços” e “antigos”: “– Vocês, os moços, fizeram mal em destronar os antigos. Apesar de tudo, nós nos entenderíamos afinal. Vínhamos sofrendo juntos, vínhamos combatendo juntos, às vezes até nos amamos – entenderíamo-nos por fim” (V.M., p. 156). 
   Na desilusão do fracasso da República,  na recusa em aceitar os costumes e hábitos próprios da prática republicana, geradores da miséria e da discriminação, de que os próprios protagonistas são vítimas, Gonzaga é conciliador entre moderno e tradição, entre inquietação e sonho utópico, entre o caos e a harmonia, pelo poético. 
    A forma de atuar e de participar, através  do trabalho literário, levou-o a demasias, a erros de visão e deformações, sem dúvida. [...] As suas figuras mais vivas não são, por isso mesmo, as que vivam no mundo real e que ele apenas levou para as páginas dos romances, trocando os nomes. São as outras, as secundárias, as humildes, aquelas que fez viver, naqueles romances, como elementos típicos de uma paisagem  humana, em que, individualmente, tinham reduzida representação e importância (SODRÉ, 1995, p. 506).
                                                                                                                                                                          
Considerações finais
    A obra de Lima Barreto, em sua complexidade, faz-se uma poética declaração de amor à terra, ao povo, ao Rio de janeiro, palco da cena de sua vida, encenada por seus protagonistas. 
   No desenrolar das cenas, sempre a História emerge, assim como emergem as paisagens, motivando as reflexões metafísicas de personagens que se tornam o alterego do autor. Em  flashes da memória pessoal, o discurso barretiano retrata um Brasil metaforizado na memória coletiva da cidade do Rio de Janeiro do início do século XX. 
   Ao registrar a trajetória de seus protagonistas, habilmente, o autor tece um documentário vivo das conseqüências sócio-econômico-culturais das grandes mudanças pela modernização do país, pela caricaturização da sociedade carioca burguesa, emergente da modernidade. 
   Pela ótica das minorias, o discurso barretiano aponta criticamente as mazelas da sociedade, revelando, no movimento das personagens, as inquietações pessoais. Entre o desassossego e a utopia, comparando o povo aos sargaços que boiavam no mar, felizes, o autor-espectador contemplava a felicidade ingênua do povo, imaginando novos e diferentes rumos para a sociedade brasileira. 
   A comunidade imaginada por Lima Barreto ainda é um sonho. E certamente, ao afirmar ser o romance  Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá a sua obra mais bem acabada, Lima Barreto deve ter desejado transmitir ao leitor as suas inquietações mais íntimas e suas utopias, com relação à sua  cidade e ao país, em transição Império–República. 
   O olhar solidário para as cenas coletivas populares revela uma forte impulsão misteriosa e o orgulho de identificar-se com sua terra, embora caótica, mas moldada em poesia e sonho. 

LITERATURA COMO CRÍTICA SOCIAL: A SÁTIRA DA SOCIEDADE BRASILEIRA EM OS BRUZUNDANGAS
Lauro Luis Souza de Henrique
Leandro De Bona Dias

1 INTRODUÇÃO
   O presente artigo foi elaborado a fim de investigar de que modo a sociedade brasileira do final do final do século XIX e início do século XX é representada na obra Os Bruzundangas, do
autor carioca Lima Barreto. Além disso, buscamos comprovar, por meio da análise realizada e tendo em vista a perspectiva bakhtiniana de linguagem como fenômeno material, integrante e também resultado de processos sociais, históricos e culturais, a importância da literatura enquanto ferramenta para discussão da sociedade brasileira.
   A escolha da obra  Os Bruzundangas é justificada por se tratar de um livro que assume as características do gênero sátira. Ao discutir este gênero e as atribuições a ele dadas, Soethe (2003, p. 157) cita Brummack, autor que atribui à sátira, do ponto de vista da teoria literária, um sentido mais específico [...] qual seja o de representação estética e crítica daquilo que se considera errado (contrário à norma vigente). Isso implicaria, na obra, a intenção de atingir determinados objetivos específicos”. A análise de um texto satírico demonstra, portanto, ser mais frutífera, podendo ser encontrada ali uma representação crítica da sociedade brasileira. Contribui para essa hipótese o fato de que o próprio autor da obra,
   Lima Barreto, julgava ser papel do escritor desvelar os problemas da sociedade em que vive, conforme aponta o crítico literário Antonio Cândido (2003, p. 39):
   Para Lima Barreto a literatura devia ter alguns requisitos indispensáveis. Antes de mais nada, ser sincera, isto é, transmitir diretamente o sentimento e as ideias do escritor, da maneira mais clara e simples possível. Devia também dar destaque aos problemas humanos em geral e aos sociais em particular, focalizando os que são fermento de drama, desajustamento, incompreensão. Isto, porque no seu modo de entender ela tem a missão de contribuir para libertar o homem e melhorar a sua convivência.
  Dessa maneira, explica-se a opção pela análise de uma obra ainda pouco explorada pelo meio acadêmico e escrita por um autor cujos ideais literários sempre estiveram a serviço dos ideais sociais, sendo Lima Barreto um homem que sempre demonstrou comprometimento em retratar a realidade de seu país de forma ousada e crítica, principalmente em terras onde estes dois adjetivos parecem ser indissociáveis.

2 METODOLOGIA
   A análise realizada pautou-se na ideia de que ao olhar para uma obra literária com vistas a
estudá-la, o pesquisador não deve prender-se somente às questões internas do texto, tais como estilo e linguagem, nem tampouco às questões de ordem puramente sociais, esquecendo-se das particularidades reservadas à linguagem literária, uma vez que [...] a integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas visões dissociadas; e que só a podemos entender fundindo texto e contexto numa interpretação dialeticamente íntegra, em  que  tanto  o  velho  ponto  de  vista  que  explicava  pelos  fatores  externos,  quanto  o  outro,  norteado  pela  convicção  de  que  a  estrutura  é  virtualmente  independente,  se  combinam  como momentos  necessários  do  processo  interpretativo. [O social] importa, não como causa, nem como significado, mas como elemento que desempenha um  certo  papel  na  constituição  da  estrutura, tornando-se, portanto, interno. (CÂNDIDO, 2006, p. 13-14)
   Assim sendo, trabalhamos aqui com uma análise que buscou interpretar o texto de Lima Barreto tanto do ponto de vista da forma quanto do contexto social em que o autor estava inserido. Mostrou-se, portanto, imprescindível para a análise de  Os Bruzundangas um estudo acerca da sociedade brasileira da época e, principalmente do Rio de Janeiro, então capital da República, e local onde o escritor Lima Barreto viveu. Para tanto foram utilizados historiadores como Sevcenko (1998), Barick e Mota (1998) e Teixeira (2008), que falam sobre a cidade carioca que mostrava uma enorme preocupação em transformar-se numa pequena Paris de ar cosmopolita.
   Embora entendamos como indispensável à escrita deste artigo uma contextualização histórica é importante esclarecer que ao falarmos de representação não estamos tomando o texto literário como reprodução de uma determinada realidade. A representação de que tratamos leva em consideração fatores ligados ao autor e entende a construção do discurso de Lima Barreto, assim como qualquer discurso, sempre carregado de ideologias, tratando-se aqui, portanto, de uma análise da representação do Rio visto por meio do texto deste autor carioca.

3 RESULTADOS
    Em Os Bruzundangas, Lima Barreto se coloca como um estrangeiro que em visita a este país (a Bruzundanga) escreve crônicas que relatam suas impressões sobre vários aspectos desta pátria mais que ficcional. Utilizando o recurso de se colocar distanciado do objeto alvo da crítica (WÖLFEL apud SOETHE, 2003), o escritor carioca sente-se à vontade para criticar com um humor ácido, e por vezes cínico, vários aspectos de um país que queria se tornar europeu. A seguir veremos alguns recortes que demonstram um pouco de como Lima Barreto enxerga a Bruzundanga.
   Em crônica sobre aqueles que exercem o poder político do país, ou seja, deputados, senadores, presidentes e demais chegados, o autor descreve, aliás, observem a ironia presente também nos nomes com os quais Lima batiza seus “personagens”, bem, o autor descreve da seguinte maneira o deputado Felixhimino Bem Karpatoso:
    A fama do doutor Karpatoso subia e a sua elegância também. Fez uma viagem à Europa, para estudar o mecanismo financeiro dos países do Velho Mundo. Voltou de lá naturalmente mais sábio; o que, porém ele trouxe de fato, nas malas, e foi verificado pelos elegantes do país, foram fatos, botas, chapéus, bengalas,  dernier bateau, como dizem os smarts das colônias francesas da África, da América e da Oceania (BARRETO, 1998, p. 30).
   Aqui observamos a crítica do autor àqueles que apenas por terem estado fora do país por algum tempo, ao regressarem são tratados como verdadeiros sábios e dignos da mais alta consideração. Ao afirmar que o experiente deputado não trouxe consigo mais do que roupas, chapéus e acessórios fica claro que a excursão realizada teve como principal finalidade para
Karpatoso a obtenção de bens superficiais que pudessem lhe agregar um pouco mais de charme e de glamour, não tendo o ilustre deputado dispensado seu tempo precioso no exterior a qualquer tipo de estudo ou de análise do mecanismo financeiro o que, aliás, constituía o real  motivo de sua saída da Bruzundanga.
   Lima Barreto retrata aqui um país que ainda pode ser visto ao lermos as manchetes de jornal e encontrarmos deputados e outros colegas de bancada sob investigação por terem se utilizado de dinheiro público em viagens “a trabalho”, para participar de “congressos” em cidades turísticas. Ao menos os nossos Karpatosos de hoje não cometem a heresia de voltar destes encontros sem trazerem nas malas alguns certificados e diplomas facilmente comprados.
   Ainda nesta mesma crônica, Lima Barreto descreve assim a economia bruzundanguense:
   O país vivia de expedientes, isto é, de cinquenta em cinquenta anos, descobria-se nele um produto que ficava sendo a sua riqueza. Os governos taxavam-no a mais não poder, de modo que os países rivais, mais parcimoniosos na decretação de impostos sobre produtos semelhantes, acabavam, na concorrência, por derrotar a Bruzundanga; e, assim, ela fazia morrer a sua riqueza, mas não sem os estertores de uma valorização duvidosa. (BARRETO, 1998. p.29)
   Aqui temos a alusão e crítica à economia de monocultora do Brasil do século XX. Durante a
chamada República Velha, nosso país pautou sua economia na importação de produtos quepareciam provir de uma fonte inesgotável. Contudo, o país viu o café, tido na época como o ‘ouro verde’, ser abalado pela superprodução e com a borracha, exemplo ao qual Lima Barreto faz alusão no trecho acima destacado, o desastre veio com a alta taxa de impostos que o governo brasileiro impunha aos compradores do produto; resultado, conforme Braick e Mota (1998), nosso país não pôde fazer frente à concorrência dos ingleses que cultivavam seringueiras na Ásia e não eram tão generosos quanto a Bruzundanga na taxação do produto.
Mais uma vez, a visão do escritor carioca sugere de forma irônica como um país pode em nome de sua ganância e da falta de planejamento destruir e pouco a pouco transformar em um problema os produtos que há pouco tanta riqueza haviam gerado.
    Por fim, neste breve resumo, vejamos de que modo eram escolhidos os servidores públicos na República da Bruzundanga. Aqui temos o curioso diálogo entre um ministro e um candidato à vaga amanuense:
   – Descanse um pouco, meu filho; e, depois, escreva-me uma carta ao Ministro do Interior sobre a necessidade da Bruzundanga se fazer representar no Congresso de Encaixotamento de Pianos em Seul.
     O lindo Wolfe esteve a pensar um pouco e retrucou titubeando:
   - Vossa Excelência compreende que... Eu! De uma hora para outra... Compreende Vossa Excelência que não tenho prática... Com o tempo... Mais tarde...Era sóredigir cartas o que ele não sabia; mas, sendo elegante, bonitinho, bom dançador, tinha todas as boas qualidades para um aperfeiçoado amanuense do extraordinário Pancome. [...] Foi uma acertada nomeação, e sábia, que veio provar o quanto são tolos os regulamentos e as leis que exigem dos amanuenses a vetusta ciência de saber redigir cartas. [...] Feito amanuense, aprendeu logo a copiar minutas e, em menos de seis anos, Sune, o tal da carta, acabou eleito, por unanimidade, membro da Academia de Letras da Bruzundanga. Ficou sendo o que aqui se chama – um ´expoente´(BARRETO, 1998, p. 102)
    Ora, o cômico por vezes toma contornos trágicos, e o que Lima Barreto faz aqui, embora tenha um tom hilário de non-sense , desvela uma sociedade em que a qualificação nos cargos
públicos tem peso zero, estando estes cargos, em sua maioria, reservados aos parentes, amigos e pessoas indicadas por todas as razões menos a de ser a pessoa com os conhecimentos específicos para assumir a vaga, tal qual o nosso amanuense incapaz de produzir uma epístola. Este pequeno diálogo pode ser retomado para discutirmos se realmente a sociedade brasileira já conseguiu se livrar dessa prática e garantir a lisura dos processos de admissão, principalmente no que diz respeito aos cargos públicos.
   Sobre o processo de europeização do Brasil, levado a cabo pelo então prefeito da cidade Pereira Passos, Lima Barreto assim o descreve assim:
    [...] eis a Bruzundanga, tomando dinheiro emprestado, para pôr as velhas casas de sua capital abaixo. De uma hora para outra, a antiga cidade desapareceu e outra surgiu como se fosse obtida por uma mutação de teatro. Havia mesmo na coisa muito de cenografia. (BARRETO, 1998, p. 70)
    O  bota-abaixo, como ficou conhecido o processo de derrubada de morros e da construção
de avenidas no Rio de Janeiro daquela época, é aqui alvo da crítica de um atento escritor que percebe muito bem a tentativa do Rio de Janeiro de se tornar uma metrópole ‘limpa’ e adequada aos modernismos europeus, tendo como principal referência a capital da França.
   Mais a frente, Lima Barreto cita um dos anúncios luminosos que encontra no efervescente centro daquele estranho país: “Bruzundanga, País rico – Café, cacau e borracha. Não há pretos” (BARRETO, 1998, p.98). É notável neste trecho a luta da cidade para negar [...] todo e qualquer elemento de cultura popular que pudesse macular a imagem civilizada da sociedade dominante; uma política rigorosa de expulsão dos grupos populares da área central da cidade, que será praticamente isolada para o desfrute exclusivo das camadas aburguesadas; e um cosmopolismo agressivo, profundamente identificado com a vida parisiense. (SEVCENKO, 1998, p. 30)
   Como aponta o historiador, o momento era de uma transformação forçada sem se importar
com as consequências que ela traria para a população, tudo era feito em nome do progresso.
    Nestes pequenos trechos aqui selecionados, podemos perceber o escritor carioca Lima Barreto comprometido com a sua visão de que, conforme Antonio Cândido (2003) já nos dissera, a literatura deve ser sincera e estar empenhada em destacar os problemas humanos e sociais.

4 CONCLUSÕES
    Após a análise realizada, podemos agora indicar alguns resultados obtidos. A representação do Brasil na obra Os Bruzundangas de Lima Barreto revela-nos um país que põe os interesses pessoais acima dos interesses públicos, que possui uma prática econômica sem planejamento, mostrando-se incapaz de gerir e administrar com eficácia os produtos que exporta. Também está representado no texto do autor a transformação pela qual passava a capital da República, mais preocupada em governar para uma pequena elite e em criar uma imagem de metrópole europeia, sem pobres e com largas e bonitas avenidas, do que em zelar pelo bem-estar da maioria de sua população.
   Utilizando-se do gênero sátira, Lima Barreto consegue mostrar-se, nas palavras de Teixeira
(2008, p. 6) “o tipo perfeito de analista social, mas um analista de combate, não se limitando a mostrar os fundos da cena, o que vai pelos bastidores, toma partido, assinala o que há de falso, de mentiroso na linguagem dos outros [...]”. Além disso, o autor é capaz de cativar o leitor pela comicidade e também pela atualidade de seu texto, o que comprova a hipótese de que a literatura pode ser uma ferramenta útil para a discussão da sociedade. Por isso é que a utilização do texto  Os Bruzundangas  também em sala de aula mostra-se auspicioso, uma vez que pode ser trabalhado em pequenas doses, já que o livro é composto de capítulos independentes.
    Por fim, o presente trabalho pôde comprovar, por meio da análise realizada, a relevância da obra de Lima Barreto como representação da sociedade brasileira do final do século XIX e início do século XX, e evidenciar o papel da literatura como fonte de discussão social, ficando aqui com sugestão aos professores a utilização desta rica obra literária em sala de aula e também como objeto de novas pesquisas, já que possui um campo de estudo ainda pouco explorado pela academia.

SE  VOCÊ  GOSTOU  DE  LER  SOBRE  LIMA  BARRETO, PODE  AINDA  VER:

CHAVIN, Jean-Pierre       Marcus Vinicius Mazzari        Dr.       USP      2006
Título: O poder pelo avesso: mandonismo, dominação e impotência em três episódios da literatura brasileira
Sinopse: Este trabalho pretende anotar comparativamente Memórias de um Sargento de Milícias (1855), O Alienista (1882) e Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919), com vistas a resgatar também a contribuição de estudiosos predecessores. Três obras a fornecer subsídios sobre o que pode haver de cômico e sério, no material do mundo de verdade, re-trabalhado sob a ótica de escritores que empregaram a Corte ou a República como cenário. Autores que, ao configurar tais personagens, nutriram-se de expedientes através dos quais os textos dialogam, em alguma medida, entre si: a anedota zombeteira, patente em Almeida, combina-se à crônica à beira do inverossímil, na novela de Machado. À parte o riso que despertam, estão possivelmente próximos, não apenas do ponto de vista estilístico, do romance de Lima. Nos três casos, os enredos se constituem a partir dos retratos e trajetórias das figuras centrais, todas mais ou menos deslocadas frente às convenções sociais. Em seu tempo e à sua maneira, Almeida, Machado e Lima traçaram paralelos entre certos procedimentos de suas personagens e aqueles dos homens não-ficcionais: uns e outros vivendo à base de fachadas. Literatura a desmontar o palco Brasil, para divertimento e drama dos leitores.
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NICKEL, Elisa Hickmann    Francisco Foot Hardman      Ms.  UNICAMP  2009
Título: Cyro dos Anjos, Lima Barreto e a representação do funcionário público na literatura brasileira
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FREITAS, Luciana G. L.       Ricardo Araújo       Ms.            UNB         2001    
Título: Lima Barreto e a primeira república: uma leitura da sátira na crônicas de Os Bruzundangas
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BERTOLAZZI, Carlos José         Ana MAria L. Mello             Ms        UFRGS    2008
Título: Lima Barreto: representações, diálogos e trajetórias literário-culturais
Sinopse: O presente trabalho tem como objetivo analisar como se apresentam e estão representados os universos sociais, políticos e culturais da cidade do Rio de Janeiro, durante a Primeira República, nas narrativas de Lima Barreto. O estudo procura apontar, na leitura das obras do autor, como ele se opõe à imagem construída pela elite republicana de um Estado moderno e de um Rio civilizado, revelando as marcas literárias dessa contraposição. Dessa forma, busca-se evidenciar, na dissertação, as estratégias de oposição ao poder da elite política e caracterizar as concepções de literatura do escritor, relacionando-as ao cotidiano das comunidades urbanas e suburbanas cariocas desse período histórico. A pesquisa se propõe ainda a realizar uma aproximação teórica e metodológica entre Literatura e História que viabilize a percepção e o entendimento dos textos de Lima Barreto, no contexto cultural e social em que foram produzidos.
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SILVA, Luiz                Francisco Foot Hardman          Dr.      UNICAMP 2005
Título: A consciencia do impacto nas obras de Cruz e Sousa e de Lima Barreto
Sinopse:  As obras de Cruz e Sousa e Lima Barreto incorporaram estratégias semelhantes para enfrentar os desafios da circunstância histórica do final do século XIX. Em face do processo de exclusão racial enraizado nos séculos precedentes, através do escravismo, os mencionados autores desenvolveram, no âmbito poético e ficcional, a consciência do trauma coletivo e de suas conseqüências na vida cotidiana. No grande empenho da intelectualidade brasileira do citado período para consolidar um projeto de nação, ambos os autores participaram, com seus textos literários, colocando em questão os propósitos racistas predominantes, e, de forma diferenciada, apresentaram um sujeito étnico do discurso baseado na experiência existencial afro-brasileira. Realizaram, assim, um enfrentamento ideológico e estético, construindo uma identidade plural capaz de assumir as vivências de diversos segmentos sociais oprimidos, por meio de projetos literários libertários que incorporavam a contradição e a ambigüidade. Seus escritos de outra natureza também reforçaram as suas concepções vinculadas aos textos poéticos e ficcionais
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LIMA, Elizabeth Gonzaga de  Vilma S. Areas        Mr.     UNICAMP 2001
Título: Avesso de utopias : os Bruzundangas e aventuras do doutor Bogoloff
Sinopse: propósito dessa dissertação é analisar a sátira nas obras, Os bruzundangas e Aventuras do doutor Bogóloff, do escritor Afonso Henriques de Lima Barreto. Busco compreender, ao longo da análise, a presença dessa estética de contestação sóciopolítica como representação no plano formal e estilístico do caos brasileiro na virada do século XIX. Além disso, procuro mostrar de que maneira o autor se valeu do gênero satírico como estratégia de contrautopia para desmascarar o modelo de civilização e cultura adotado pela Primeira República brasileira
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LIMA, Elizabeth Gonzaga de     Vilma Sant'Anna A.    Dr.   UNICAMP 2005   
Título: Fragmentos do eu : a escrita intima em Lima Barreto
Sinopse: Este trabalho investiga a escrita autobiográfica no contexto de fins de século XIX na literatura brasileira. A análise propõe como base a escrita íntima de Lima Barreto em suas diversas formas, em particular, O diário do hospício e o romance inacabado O cemitério dos vivos, frutos da experiência de internação do escritor no Hospício Nacional de Alienados no Rio de Janeiro, entre 25 de dezembro de 1919 e 2 fevereiro de 1920. A singularidade dessas obras nos quadros de nossa literatura reside no ângulo de observação dos narradores, que se desenvolve no interior do manicômio. À medida que ingressam nos domínios da loucura, no espaço idealizado pela medicina psiquiátrica para a ?cura", a experiência ganha dimensões sombrias e dramáticas. Tais confissões - fragmentos da intimidade de Lima Barreto recolhidos ali ou nas lembranças do mundo exterior - refletem a vida brasileira daquele período. E essa tangência entre biografia e arte ilumina um de seus pressupostos mais caros, o exercício de uma literatura comprometida com o social - contar a própria dor e marginalização é também contar o sofrimento e a exclusão do outro. Essa espécie de prisma confessional, projetado do conjunto de sua obra para a sociedade, desvela o projeto anunciado e executado pelo escritor, a militância literária e a absoluta sinceridade, ideais que contribuem na construção do grande mosaico que é a cultura e a literatura brasileira
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SILVA, Elizabeth C. N.        João Hernesto Weber        Ms.       UFSC   2003
Título: Lima Barreto: rupturas
Sinopse: Pretende-se, ao longo desta dissertação, destacar a noção de ruptura a alimentar a obra de Lima Barreto. Para tanto, investiga-se primeiramente a fortuna crítica existente sobre Lima Barreto, tanto aquela vigente a sua época, como a posterior. Busca-se, a seguir, na contramão da crítica instituída, indicar aquelas que seriam as rupturas perpetradas por Lima Barreto, tanto em termos estéticos como ideológicos, momento em que se inverte, de certa maneira, o sinal da crítica: aquilo que ela apontava como defeito bem poderia ser mérito de Lima Barreto. Testamos esse ponto de vista na leitura mais detida de um dos romances de Lima Barreto, o Triste fim de Policarpo Quaresma, e, depois, em observações esparsas em torno de sua obra e de suas posturas estéticas e ideológicas. Trilhado esse caminho, restava uma questão, entre outras: a necessidade de situar a obra de Lima Barreto no contexto da literatura brasileira, em que Lima Barreto aparece, normalmente, como um autor "pré-modernista". Contesta-se, no corpo do texto, tal enquadramento, indicando-se, no contraponto, a modernidade e atualidade de Lima Barreto, ao assumir ele, em termos de expressão artística, a ótica dos marginalizados, ou a do que se poderia denominar de "bloco popular" da sua época.
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VERANI, Ana Carolina     Antonio E.M. rodrigues             Mr.  PUC/RJ   2003
Título: O TRISTE FIM DE LIMA BARRETO: LITERATURA, LOUCURA E SOCIEDADE NO BRASIL DA BELLE ÉPOQUE
Sinopse: O objetivo do trabalho é, a partir da análise de algumas obras, escritos pessoais, artigos e crônicas de Lima Barreto, estabelecer uma relação entre aqueles personagens criados por Lima Barreto que têm, de alguma forma, umaligação com a loucura, e a visão questionadora do escritor a respeito do novo cenário urbano que se desenvolvia, levando em conta dois aspectos fundamentais: a concepção de literatura defendida pelo escritor, que era de umaliteratura utilitária, capaz de contribuir para o combate às distorções do regime republicano, e o momento de consolidação da psiquiatria, ressaltando as críticasdo escritor ao caráter discriminatório da ciência no início do século XX
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FATORI, Danusa da M. D.    Maria Isabel E. Pires              Ms.   UNB    2006
Título: Lima Barreto e Oswald de Andrade nos descaminhos da modernidade
Sinopse: Este estudo estabelece uma comparação entre as obras de dois importantes escritores e intelectuais brasileiros do início do século XX, Lima Barreto e Oswald de Andrade, com o objetivo de verificar a forma como ambos enfrentaram as forças modernizadoras que se impuseram no nosso país no início do século XX. Com base, principalmente, nos textos Recordações do Escrivão Isaías Caminha, O Diário íntimo, Triste fim de Policarpo Quaresma, Impressões de Leitura e Os Bruzundangas do primeiro autor; e Memórias Sentimentais de João Miramar, Um homem sem profissão: sob as ordens de mamãe, Do pau-brasil às utopias e à antropofagia, Serafim Ponte Grande e O perfeito cozinheiro das almas deste mundo, do segundo autor, identificaram-se as bases dos projetos literário e nacional de ambos os autores. Verificaram-se ainda as relações existentes entre os projetos de Lima Barreto e os de Oswald de Andrade, e entre estes e o processo de modernização implementado pela elite do nosso país naquele período. Para tanto, avaliaram-se o tratamento dado à memória e ao espaço urbano, as posições dos autores frente à língua nacional e à linguagem literária, além do confronto estabelecido nos textos entre as novidades da cultura européia e a nossa tradição. Analisou-se também o ambiente histórico e cultural em que foram produzidas as obras a fim de permitir a melhor compreensão das relações que mantiveram com o processo de modernização do país.
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MARTINS, Eliete Marim          Ana Laura R. Corrêa        Ms.       UNB   2008
Título: Diário íntimo-documento da memória, criação estética - uma dupla leitura
Sinopse: O presente trabalho constitui um estudo de Diário íntimo de Lima Barreto. Publicado primeiramente em 1953 pelo organizador da obra completa de Lima Barreto, o livro constitui uma reunião de notas, esboços de romances e apontamentos ideológicos que construíram a vida do escritor. Em Diário íntimo é possível observar as relações contraditórias que cercavam o Brasil do início do século XX. Entendendo a arte literária como aquela capaz de internalizar esteticamente o processo social, e, levando em consideração o fator peculiar do escritor de oscilar entre os aspectos particulares e os coletivos, tenciona-se registrar as relações entre o homem carioca Afonso Henriques de Lima Barreto e a sua obra. Como uma das verificações sobre o escritor é a de que suas obras estão repletas de dados biográficos, pretende-se analisar como esses dados se misturam e se combinam com a arte da palavra. Para quem buscou, pela literatura, cumprir uma missão direcionada ao desmascaramento dos males sociais, Diário íntimo constitui um livro merecedor de uma análise que priorize um olhar sobre as tensões entre o homem e o escritor.
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FURTADO, Fabiana Câmara   Yaracylda O.F. Coimet      Ms.      UFPE    2003
Título: Perfis da Belle Époque brasileira: uma análise das figuras femininas em Lima Barreto
Sinopse: Por apontar na sua obra, os mecanismos utilizados pela ideologia de sua época para limitar a participação feminina na sociedade, Lima Barreto oferece um corpus bastante fértil para a análise da mulher na Belle Époque brasileira. Através das suas personagens femininas é possível verificar os papéis destinados às mulheres que, nesse contexto histórico-social, assumiam uma posição subalterna em quase todos os setores da sociedade. Como material para essa análise foram usados dois romances do autor: Numa e a Ninfa e Clara dos Anjos. No primeiro, foi analisada a mulher burguesa e no segundo, a mulher negra e a suburbana. No estudo das figuras femininas dos romances citados e de outras obras utilizadas, é possível constatar que o autor denuncia as opressões sofridas pelas mulheres da sua contemporaneidade. Para a abordagem teórica do corpus recorremos ao conceito de gênero formulado por Joan Scott que se encontra no ensaio: Gênero: uma categoria útil para a análise histórica; além da contribuição de outras estudiosas sobre o assunto, como Kate Millet que analisa a estrutura do Patriarcado no texto Uma Política Sexual e de Gayle Rubin com o seu artigo Tráfico de mulheres: notas sobre a economia política do sexo, assim como, aos (às) historiadores (as) que se debruçaram sobre a época em questão
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FURNIEL, Fernanda       Osvando José de Morais       Ms.   Mackenzie  2006
Título: Policarpo e Juarez: duas trajetórias nacionalistas - de Triste Fim a Tudo Bem
Sinopse: A partir do estudo das obras, Triste fim de Policarpo Quaresma (1915) e Tudo bem (1978), situadas em campos sígnicos distintos: o literário e o fílmico, buscaremos estabelecer semelhanças e diferenças, um diálogo entre as personagens principais: Policarpo Quaresma e Juarez Ramos Barata que revelam ricas e conflitantes trajetórias nacionalistas. Para tanto enfocaremos Lima Barreto e sua obra literária; o Cinema como sétima arte, o movimento Cinema Novo; Arnaldo Jabor e suas obras. Ao buscar um diálogo entre os dois campos, o literário e o fílmico, analisaremos as duas narrativas e as personagens de ficção. Apoiando-nos nos estudos bakhtinianos principalmente no que diz respeito à ideologia na linguagem, à popolifonia e à carnavalização
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CASOTTI, Janayna Bertollo C.  Sueli C. Marquesi           Ms.    PUC/SP  2003
Título: Intertextualidade em eventos sociais de leitura: construção de sentidos na obra Triste Fim de Policarpo Quaresma
Sinopse:   Esta dissertação insere-se na linha de pesquisa Leitura e Redação e tem por tema o papel da intertextualidade na construção de sentidos de um texto. Partindo do pressuposto de que as relações co-textuais não dão conta da produção de sentidos por parte do leitor, buscamos definir estratégias que permitam o trabalho com a intertextualidade em situações de leitura. Assim, justificamos esta pesquisa pela importância de se estabelecerem estratégias intertextuais para o que não pode ser resolvido intratextualmente. Para isso, buscamos, primeiramente, as bases teóricas que fundamentam a visão de intertextualidade como construção social, considerando os trabalhos de Bakhtin (1929), Kristeva (1977), Jenny (1979), Beaugrande e Dressler (1981), Maingueneau (1987), Koch (1989), Bloome e Egan-Robertson (1993), Maybin e Moss (1993), Marquesi (1994), Zanotto (1995) e Palma (1998). Em seguida, procuramos analisar o contexto de produção da obra que constitui o corpus da pesquisa, Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, a fim de determinar os temas nela tratados e selecionar textos atuais com temáticas afins, os quais permitiriam o estabelecimento de relações intertextuais e interdiscursivas. Depois, realizamos uma investigação empírica, por meio da qual pudemos verificar como os leitores constroem os sentidos de um texto pela mediação de outros textos e constatar como essa prática de leitura amplia significativamente seus respectivos universos de conhecimento. Os resultados obtidos demonstraram que a leitura de textos atuais, extraídos da Folha de São Paulo e das revistas Veja, Isto é e Problemas Brasileiros, bem como a interação verbal, interposta entre a leitura de Triste Fim de Policarpo Quaresma e a atividade de retextualização, constituem, de fato, estratégias que permitem a prática da intertextualidade, podendo esta ser construída socialmente pela relação que os leitores estabelecem entre um texto e outro(s), que já tenham lido ou ouvido, no decurso da interação verbal. Desse modo, a pesquisa realizada, ao corroborar a importância de um trabalho com leitura, que considere a intertextualidade como um processo passível de se instaurar na dinâmica de interação verbal, traz contribuições para o ensino de Língua Portuguesa e abre perspectivas para novas investigações na área
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MATIAS, José Luiz                Carmen Lúcia N. de F.       Ms.        UERJ  2007
Título: Vida Urbana, Marginália, Feiras e Mafuás: a modernidade urbana nas crônicas de Lima Barreto
Sinopse: O trabalho objetiva analisar as crônicas de Lima Barreto, sob a perspectiva da inserção do Brasil na modernidade das primeiras décadas do século XX, diante dos impactos ocorridos no país durante a Primeira República, tais como o avanço técnico, o cientificismo, o cosmopolitismo, a reurbanização do Rio de Janeiro e outros aspectos que avassalavam principalmente o cotidiano da sociedade urbana à época. O corpus dessa pesquisa são as crônicas de Lima Barreto extraídas dos livros Feiras e Mafuás, Marginália e Vida Urbana, cujo critério de seleção se orientou pela maior possibilidade de mostrar a representação das manifestações culturais em contraponto com a modernidade compulsória do Rio de Janeiro; a crônica na interface da imprensa com a literatura; a reflexão sobre os aspectos culturais nas crônicas de Lima Barreto e a crônica em diálogo com as imagens do cotidiano. Para tanto, a abordagem teórica busca conceituar a modernidade, e seus desdobramentos no Brasil, a partir dos pensadores da cultura brasileira e dos críticos que estudam a crônica e a imprensa do início do século XX. Tendo como referência a obra de Lima Barreto, reflete-se também sobre o papel do intelectual, como mediador e intérprete da modernidade e suas tensões.
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BARROS, Luiciana Hidalgo   Gustavo B. Krause              Dr.      UERJ  2007
Título: Lima Barreto e a literatura de urgência: a escrita do extremo no domínio da loucura.
Sinopse: Nesta tese desenvolve-se o conceito literatura da urgência para definir o tipo de escrita realizado sob estados de emergência, situações-limite: no caso específico de Lima Barreto, serve de base para a análise do Diário do hospício produzido pelo autor em 1919-20, quando esteve internado no hospício Pedro II, no Rio de Janeiro. Demonstra-se como esta literatura nasceu conspurcada, contaminada pela loucura e pela rotina no manicômio, sendo simultaneamente uma escrita de si (conceito de Foucault) criada para defender o eu acuado ante a instituição e um documento de valor histórico capaz de denunciar, pelo viés do paciente, minúcias do dia-a-dia psiquiátrico normalmente ausentes da literatura oficial do hospício. Desvela-se ainda como esta urgência contagiou outros escritos de Lima Barreto, tornando-o autor de uma literatura-alforria que transgrediu códigos e esgarçou limites entre vida e obra, pele branca e negra, pobreza e riqueza, ignorância e cultura, literatura popular e erudita, lucidez e loucura.
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SILVA, Pedro Santos da  Erson M. de Oliveira              Ms.   PUC/SP  2007
Título: Afonso Henriques de Lima Barreto e o mito da identidade nacional
Sinopse: O objetivo geral deste trabalho consistiu em resgatar a obra de Afonso Henriques de Lima Barreto, escritor de valor inestimável, precursor do modernismo brasileiro, mas que, a despeito de tais qualidades, foi execrado pela crítica de sua época. Para isso, reconstituímos sua trajetória e o contexto histórico de sua época, visando a analisar alguns mitos que o estigmatizavam e influíram de modo negativo na apreciação de sua obra. Pesavam sobre o escritor as acusações de desleixado, vingativo, incompetente e alcoólatra, numa época em que uma obra era avaliada sob o prisma do biografismo e tida como um reflexo da vida do escritor. A seguir, procuramos demonstrar a importância da obra de Lima Barreto no processo de construção da identidade nacional. Mostramos que, desde os primórdios da literatura pátria, os escritores tomaram para si o papel de construí-la. Essa formulação, entretanto, foi marcada pela ideologia do colonialismo, com a exclusão étnica e social do negro, do índio, do mestiço e do branco pobre. A literatura militante de Lima Barreto desvela essa ideologia, sustentáculo da identidade nacional idealizada, e, contraditoriamente, abre precedentes para que ela seja reconstruída na modernidade. Para que a ruptura operada por Lima Barreto fosse compreendida, traçou-se um painel com o pensamento de escritores, críticos e intelectuais que se ocuparam dessa questão. Nessa perspectiva, analisamos duas obras capitais de Lima Barreto: Recordações do escrivão Isaías Caminha e Triste fim de Policarpo Quaresma, cujos protagonistas, ao estabelecerem um confronto entre o Brasil real e o formal, revelam, em tom irônico e sarcástico, as mazelas do país comandado por elites que as ocultam, por meio do discurso oficial, para satisfazerem interesses particulares e escusos. O tom caricatural da obra de Lima Barreto não a torna superficial, como afirmavam seus contemporâneos, mas reveladora dos sentimentos e do caráter nacional
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RAMALHO, Regina Célia      Jarbas V. Nascimento          Ms.  PUC/SP   2007
Título: A língua e a história no conto literário de Lima Barreto
Sinopse: Esta Dissertação tem como tema o estudo da língua, da história e das marcas do Pré-modernismo e toma como objeto de pesquisa o conto literário de Lima Barreto, produzido no segundo decênio do século XX. Trata-se de uma pesquisa que estuda a Língua Portuguesa em uso no Brasil, privilegiando as marcas lingüísticas de ruptura com a língua formal, que constituem os recursos estilísticos de Lima Barreto, expressas no conto Harakashy e as Escolas de Java. Nossa pesquisa se insere na área da Historiografia Lingüística, nas perspectivas postuladas por Konrad Koerner, cujo processo de análise de documentos é favorecido pela interdisciplinaridade entre a Lingüística e a História. Assim, podemos recuperar nesse documento literário aspectos da realidade sociocultural por meio da interpretação da língua. Nesse período de transição para o Modernismo brasileiro, a nossa amostra se configura como um documento rico em informações para o trabalho do historiógrafo da língua, pois na análise da organização estrutural e macroestrutural do conto é nítida a influência cultural, histórica e até mesmo político-social desse período de produção literária. O gênero textual, tomado aqui como estudo, apresenta algumas das mudanças histórico-lingüísticas que se refletiram na Língua Portuguesa, registrada pelo autor, o que ainda caracteriza suas manifestações antipuristas em meio aos acadêmicos da época. Ao fazer uso da metalinguagem para reportar-se à própria língua, Lima Barreto principia uma inovação frente às questões lingüísticas do início do século XX, além de retratar os problemas cotidianos da sociedade brasileira. No conto em análise, encontramos uma temática polêmica para a época em que foi produzido, pois o autor introduz na narrativa questionamentos sobre o que é humano, assumindo um tom de denúncia dos fatos da realidade social, proferidos pela ficção
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DIAS, Regina M. Santos    Esther Maria M. Arantes       Dr.   PUC/SP   2003
Título: MALÍCIA, PERÍCIA E POLÍCIA: MANOBRAS SUBJETIVANTES NAS RUAS DO RIO DE JANEIRO
Sinopse: Os estudos acerca dos modos de subjetivação incitam uma ampla investigação sobre as linhas em que se engendra uma determinada sociabilidade. Em atendimento a tais propósitos, analisa-se a cena republicana dos anos iniciaisdo século XX, caracterizada por grandes transformações da cidade a entrecruzarse no cotidiano das camadas populares. Pelo mesmo motivo, se impõe dedicada pesquisa sobre a literatura de Lima Barreto obra que realça a reordenaçãopolítica, a racionalidade cientificista e o exibicionismo literário, como diagrama privilegiado em que se enreda o panorama da modernização e as novas práticas de modelização da subjetividade. Estudos literários e historiográficos que adotam percursos diversos dos aqui trilhados traçam do romancista e de sua obra categorizações que aprisionam aescritura e identificam um certo Lima Barreto, permitindo a evidência de alguns limites metodológicos. Enveredar no caminho pavimentado pela genealogia e pela ontologia dadiferença exige considerar a estética barretiana como uma máquina de guerra a travar combates ético-político-literários nas ruas do Rio de Janeiro. Michel Foucault, Gilles Deleuze e Félix Guattari oferecem as ferramentasconceituais necessárias à construção de uma cartografia traçada na potência disruptiva do texto barretiano, e transformadora da clássica maneira de se abordaras tematizações da subjetividade. Partilhar esse tipo de perspectiva exige ousadia e abandono, aliás os mesmos requisitos que o processo da escrita solicita para quem nele se deixa capturar. Condições estas igualmente indispensáveis a uma tese que se tece no encontro com a singularidade de uma literatura militante, o nome próprio Lima Barreto.
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CERQUEIRA, Roberta C.    Margarida de S. Neves        Ms.     PUC/RJ  2002
Título: LIMA BARRETO E OS CAMINHOS DA LOUCURA. ALIENAÇÃO, ALCOOLISMO E RAÇA NA VIRADA DO SÉCULO XX
Sinopse: O trabalho tem como objetivo analisar a loucura na cidade do Rio de Janeiro no final do século XIX e início do século XX, bem como os temas que com ela se relacionam tais como raça, alcoolismo e hereditariedade, através da lente doescritor-paciente Afonso Henriques de Lima Barreto, privilegiando os escritos ficcionais e autobiográficos do autor. A pesquisa procurou inserir o registro doparticular, isto é, de um indivíduo que sofreu na própria pele a discriminação e o tratamento destinado aos que eram considerados doentes mentais, de forma que o estudo possa ser visto e examinado dentro de uma perspectiva mais ampla. A dissertação foi dividida em três momentos: a tentativa de estabelecer uma analogia entre a experiência da loucura e aquela vivida por todos os habitantes do Rio de Janeiro nos primeiros anos do século XX, a análise das concepções médicas e científicas sobre a loucura e a presença do tema nos textos do autor e, por último, o convívio do romancista com a loucura no espaço doméstico e também no Hospício Nacional de Alienados.
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PIMENTA, Shyrley      Caio Cesar S. Camargo P.   Ms.   UFUberlândia  2007
Título: Psicanálise e literatura : o corpo humilhado em Lima Barreto
Sinopse: Este trabalho busca investigar e tecer considerações sobre o corpo humilhado na vida e na obra do escritor Lima Barreto. Para tanto, empreende um diálogo entre Psicanálise e Literatura, recorrendo, entre outras, às formulações teóricas de Birman, Freud e Lacan. São discutidas as formas privilegiadas de subjetivação na modernidade, tais como o narcisismo, o masoquismo e a servidão voluntária, como formas de proteção contra o desamparo, desencadeado no sujeito a partir da humilhação infligida à figura paterna no Ocidente, bem como a emergência do modernismo, que coloca em xeque o eu e a consciência, sublinhando o inconsciente e a Psicanálise como discursos críticos da modernidade. O estudo investiga, no mesmo contexto da modernidade, o processo de subjetivação do escritor Lima Barreto, as formas de defesa por ele assumidas para enfrentar o desamparo e as humilhações que lhe foram infligidas, sobretudo as decorrentes da sua cor e classe social. Através da reconstrução biográfica e da leitura, análise e interpretação das obras do escritor, buscou-se evidenciar as formas de enfrentamento do real por ele assumidas, notadamente a função da escrita literária. Conclui-se que as tentativas do escritor de reconstruir a própria singularidade, de fazer frente ao traumático da própria existência, via processo da criação literária, revelaram-se impotentes, diante da submissão voluntária ao registro da servidão: a cultura da época, ao trabalho burocrático, ao Estado, ao gozo mortífero, proporcionado pelo uso abusivo do Álcool. O autor não conseguiu ordenar e dar sentido ao caos da própria existência, deixando-se tragar pelo vazio, pela pulsão de morte que o acompanhou desde a infância, não lhe permitindo perlaborar as perdas, o luto, o desamparo, o legado trágico da própria história pessoal e do contexto sócio-histórico em que viveu.
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SANTANA, Suely Santos     Florentina da Silva Souza     Ms.      UFBA  2005
Título: Uma voz destoante na rua do ouvidor: Lima Barreto e a representação das relações raciais no início do século XX.
Sinopse: Essa dissertação analisa alguns textos do escritor afro-brasileiro Lima Barreto, a partir de uma abordagem que leva em consideração a posição do escritor no início do século XX, fazendo aproximações com os Estudos Culturais e as teorias sobre entre-lugar. Para tanto, alguns textos foram lidos como momentos de desvios e rupturas do discurso do escritor em relação aos discursos que inferiorizaram o afro-brasileiro e contribuíram para a sua permanência nos lugares mais desprestigiados do espaço social. Os objetivos principais desse trabalho são estudar analítica e criticamente trechos da produção textual do autor, apreciar representações dos afro-brasileiros e de suas relações sociais no período pósabolição, elaboradas pelo escritor que transitava entre o mundo culto das Letras e o mundo proletarizado dos subúrbios, bem como analisar alguns contos, focalizando o modo como são representadas as mulheres afro-brasileiras no contexto das relações sociais, profissionais e pessoais.
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SANTOS, Walter Mendes     André Luis Gomes               Ms.     UNB  2007
Título: A representação literária do jornal no universo romanesco barretiano
Sinopse: O presente trabalho pretende estudar a representação literária da imprensa nos romances de Lima Barreto. A partir das obras Recordações do Escrivão Isaías Caminha, Triste Fim de Policarpo Quaresma, Numa e a Ninfa, Vida e Morte de M. J.Gonzaga de Sá e Clara dos Anjos, selecionam-se aspectos jornalísticos e literários presentes para descrever e analisar as relações entre jornalismo e literatura nestes romances, a fim de questionar esta confluência e apontar a articulação textual destas relações no texto barretiano. No capítulo inicial, o autor situa a trajetória de repórter e cronista e o trabalho literário de Lima Barreto na história da imprensa brasileira. Na seqüência, aborda a influência da militância no jornalismo sobre o estilo e projeto literário deste escritor. No capítulo seguinte, examina o posicionamento de Lima Barreto sobre a imprensa de sua época e as contradições apontadas por ele nesta instituição. Nos capítulos quatro e cinco, o autor analisa, respectivamente, a galeria de personagens jornalistas e o papel da imprensa nos enredos do universo romanesco barretiano.
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SCHEFFEL, Marcos Vinicius   Helena H. Tornquist           Ms      UFSC   2007
Título: Do registro Diário à Criação - O Processo Ficcional em Recordações    do Escrivão Isaías Caminha e Vida e Morte de M.J"
Sinopse: Lima Barreto, a exemplo de outros escritores, valeu-se de seu DIÁRIO não apenas como relato confessional, mas para o registro de impressões de impressões cruas da vida política, social e cultural dos primeiros anos do século  XX - quando se consolidava no Brasil o sistema republicano - elementos que também serviram de base para seus mais importantes projetos ficcionais. Neste trabalho, procura-se mostrar que nas páginas do Diário já estavam esboços desses projetos, o que revela o esforço do escritor para que os dados colhidos no cotidiano se ajustassem á estrutura do romance, sendo sintetizados no processo narrativo e na ação do protagonista. Esse aproveitamento das anotações do dia a dia também se observa nas crônicas, confirmando o empenho do escritor por sua realização como romancista. É o que se discute no presente trabalho, seguindo o caminho da formação de Lima Barreto nas páginas do Diário,  nas crônicas e nos seus primeiros projetos ficcionais realizados - os romances Recordações do escrivão Isaías Caminha e Vida e Morte de M.J.Gonzaga de Sá - atentando para a reação do camcampo literário de então, que procurou silenciar as ousadias do escrivão mulato.
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PACHECO, Keli Cristina              Carlos E. Capela             Ms.   UFSC  2005
Título: Lima Barreto e o Mal-Estar no Território
Sinopse: A condição de exílio abrange uma categoria muito maior que a da experiência migratória, ou seja, é possível sentir-se exilado na própria terra, conforme já nos ensinou Sérgio Buarque de Holanda na primeira página de Raízes do Brasil. Esse sentimento de "não-pertencimento" é bem representado em toda obra de Lima Barreto, engendrando o que Edward Said chama de "resistência cultural", espécie de desejo de desterritorialização. Para observar tal representação, tomamos como foco de análise as personagens de alguns contos e romances que possuem o sentimento/olhar de "estranhamento", seja fora da terra natal (imigrante, estrangeiros, expatriados), ou na própria terra. Por fim, cremos que tal análise poderá contribuir, em parte, para  uma discussão muito maior, aquela que abrange a nação, o nacionalismo e a resistência contra o instituído.
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GALINDO, Fabiana D. V.     Maria da Piedade M.S           Ms.    UFPE    2007
Título: A polifonia nas crônicas de Lima Barreto
Sinopse: Nesse trabalho, partimos da hipótese de que não só no gênero romanesco podemos detectar a polifonia, mas também em outros gêneros discursivos; no gênero crônica, por exemplo, objeto de nossa pesquisa, é possível identificar a ocorrência desse fenômeno. O nosso objetivo no presente trabalho é analisar as crônicas de Lima Barreto publicadas em revistas e jornais do início do século XX, observando de que forma se revela a polifonia nesses textos, ou seja, as várias vozes que se deixam entrever no discurso do cronista e os mecanismos lingüísticos utilizados por ele para o surgimento dessas vozes. Optamos por esse gênero literário, especificamente de Lima Barreto, não só pelo valor documental e histórico desses textos que revelam fatos sociais e históricos do Brasil da Primeira República, mas principalmente por essas crônicas nunca terem sido objeto de estudo e da análise dos críticos, que sempre priorizaram os romances desse escritor não conferindo às crônicas seu valor e importância merecidos. Para o desenvolvimento dessa pesquisa, adotamos o conceito de Bakhtin (2004; 2005) e Ducrot (1987) no que diz respeito à polifonia, como também os estudos de Cândido (1992), Sá (2002) e outros autores sobre o gênero crônica. Analisamos um corpus de vinte e cinco crônicas, e chegamos à conclusão de que a polifonia é um fenômeno recorrente na maioria das crônicas barretianas, no entanto, salientamos que nesse tipo de gênero ela não se manifesta de forma intensa como assim verificou Bakhtin nos romances de Dostoiévski.

LIMA BARRETO – TIRODELETRA
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