A OBRA DE ALPHONSUS DE GUIMARAENS

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SIMBOLISMO, AMOR E MORTE
Lílian Campos
     
     Poeta simbolista, nascido em Minas Gerais no ano de 1870, Alphonsus de Guimaraens dedicou-se a uma escrita que privilegiava temas como o amor, a morte e a religiosidade. Trata-se de um dos poetas brasileiros mais místicos. Além dessa característica, encontramos em seus poemas a nostalgia de um tempo e de um espaço esfumaçados na memória, impondo-se para sobreviver no presente.
    Mas há outros temas na obra de Alphonsus de Guimaraens: a solidão, por exemplo, agravada pela percepção da dualidade entre corpo e alma; o isolamento experimentado pelo homem ao entrar nas imensas catedrais (imagem do homem em contato com Deus); a loucura, como efeito da angústia para romper a distância entre o celestial e o terreno; e a desilusão, como se o belo e o perfeito tivessem sido subtraídos da condição humana.
    Todos esses temas estão na lírica de Alphonsus, sedimentados pela elegância da métrica, pela rima e pela musicalidade tecida nos poemas.
     Com apenas 18 anos, Alphonsus sofreu uma grave perda: alguns biógrafos dizem que a morte de sua noiva, Constança, teria exercido uma forte influência sobre seu trabalho. Seus poemas são em grande parte dedicados a ela e a esse amor sublimado, interrompido precocemente.

Estudo de poemas
     A seguir, vamos analisar alguns poemas de Alphonsus de Guimaraens:
"Hão de chorar por ela os cinamomos"
Hão de chorar por ela os cinamomos,
Murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais hão de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia.

As estrelas dirão - "Ai! nada somos,
Pois ela se morreu silente e fria... "
E pondo os olhos nela como pomos,
Hão de chorar a irmã que lhes sorria.

A lua, que lhe foi mãe carinhosa,
Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la
Entre lírios e pétalas de rosa.

Os meus sonhos de amor serão defuntos...
E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
Pensando em mim: - "Por que não vieram juntos?"
     Como vemos, Alphonsus dedicou-se obsessivamente à evocação da morte em seus poemas, cingida por elementos representativos, tais como as flores murchas, a cor lilás, o predomínio da noite sobre o dia, os anjos, o sorriso de outrora convertido em lágrimas e o ressentimento daquele que permaneceu solitário, impedido de acompanhar o ser amado na morte.
      No poema "A catedral" (ver abaixo), acompanhamos as ilusões do poeta. Elas têm início no amanhecer - a juventude - e, à medida que o dia avança rumo à noite - ou seja, a maturidade, a agonia -, alimentada pelo sono repleto de sonhos atormentados, as ilusões seguem num crescendo, intensificadas pela dor, pelo sofrimento.
     A luz é aparente: ela toca apenas o corpo do poeta, mas não chega à sua alma obscurecida; e os sinos, semelhantes a anjos que falam dos céus, lamentam a triste sina de Alphonsus:

Entre brumas ao longe surge a aurora,
O hialino orvalho aos poucos se evapora,
Agoniza o arrebol.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu risonho
Toda branca de sol.

E o sino canta em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"

O astro glorioso segue a eterna estrada.
Uma áurea seta lhe cintila em cada
Refulgente raio de luz.
A catedral ebúrnea do meu sonho,
Onde os meus olhos tão cansados ponho,
Recebe a bênção de Jesus.

E o sino clama em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"

Por entre lírios e lilases desce
A tarde esquiva: amargurada prece
Põe-se a luz a rezar.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu tristonho
Toda branca de luar.

E o sino chora em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"

O céu é todo trevas: o vento uiva.
Do relâmpago a cabeleira ruiva
Vem açoitar o rosto meu.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Afunda-se no caos do céu medonho
Como um astro que já morreu.

E o sino chora em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
     No caso de "Ismália" (veja abaixo), o poema expressa a dualidade entre corpo e alma. Aqui está revelada a imagem de todo homem preso ao desejo de unir matéria e espírito, mas frustrado pela consciência da distância intransponível que o separa de seu objetivo.
      Levada, sutil e delicadamente, por um desvario, Ismália se permite sonhar com o possível encontro de matéria e espírito. Mas, já que ele não é realizável em vida, então é à morte que Ismália se entrega. No entanto, essa entrega está banhada por uma singeleza única: semelhante a um anjo, sua alma sobe embalada por um cântico, enquanto seu corpo repousa na imensidão do oceano.
      Fica a impressão de que, para Ismália, não bastaria o reflexo da lua - que bem poderíamos entender como símbolo do poder celestial - sobre o mar (a vida terrena). Desse modo, a experimentação de um sentimento de completude não se daria apenas pela presença constante do divino no cotidiano, mas sim pelo encontro com o Absoluto, o que lhe exigiria transpor a fronteira da vida para a morte:
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava longe do céu...
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma, subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

O poeta e o modernismo
    A obra de Alphonsus teve forte repercussão entre os modernistas das primeiras décadas do século 20. Embora aqueles escritores procurassem romper as amarras com o passado - para promover o novo na estética literária -, Alphonsus foi prestigiado como uma referência, despertando o interesse de autores como Mário de Andrade, Jacques d'Avray (pseudônimo de José de Freitas Vale) e Oswald de Andrade.
     Havia, sem dúvida, no trabalho do autor mineiro um diálogo vigoroso com expressões que seriam cultuadas pelos jovens modernistas: mais maduro, Alphonsus experimentou uma escrita que se aproxima da paródia e do popular, a exemplo de "Epigrama":
      Na próxima revisão eleitoral, serão suprimidos das listas todos os eleitores mortos (De um jornal)
Empreguei a medicina
Para fins eleitorais...
Ai de mim! ai triste sina!
Os mortos não voltam mais.
 Dr. Rapadura

 

Alphonsus de Guimaraens - Literatura - UOL Educação 

educacao.uol.com.br/literatura/simbolismo-amor-morte.jhtm

ANÁLISE DO POEMA " A CATEDRAL" DE ALPHONSUS GUIMARAES
Entre brumas, ao longe, surge a aurora,
O hialino orvalho aos poucos se evapora,
Agoniza o arrebol.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu risonho
Toda branca de sol.

E o sino canta em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"

O astro glorioso segue a eterna estrada.
Uma áurea seta lhe cintila em cada
Refulgente raio de luz.
A catedral ebúrnea do meu sonho,
Onde os meus olhos tão cansados ponho,
Recebe a benção de Jesus.

E o sino clama em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"

Por entre lírios e lilases desce
A tarde esquiva: amargurada prece
Põe-se a luz a rezar.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu tristonho
Toda branca de luar.

E o sino chora em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"

O céu e todo trevas: o vento uiva.
Do relâmpago a cabeleira ruiva
Vem acoitar o rosto meu.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Afunda-se no caos do céu medonho
Como um astro que já morreu.

E o sino chora em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"

      Alphonsus Henrique da Costa Guimarães nasceu em 1870, em Minas Gerais. Aos 18 anos, assiste à morte de Constança, sua noiva; o amor por Constança estará presente em toda sua vida e obra poética. Aos 27, formado em direito, casa-se; anos depois é nomeado juiz em Mariana, MG, de onde não mais sairia. Morre em 1921.
      Segundo um dos maiores poeta simbolista francês, Paul Verlaine, disse no poema “Arte Poética”, que “antes de tudo, a música preza/ portanto, o ímpar. Só cabe usar/ o que é mais vago e solúvel no ar/ sem nada em si que pousa ou pesa.” Fica evidente a presença da música logo nos primeiros versos e da vaguidade. Em “entre brumas, ao longe, surge a aurora./ o hialismo orvalho aos poucos se evapora.”, percebe-se palavras ligadas ao amanhecer ou à claridade. Isso significa a vaga lembrança em sonho com a amada, Constança, note que no final do segundo verso da primeira estrofe, a lembrança “aos poucos se evapora”, ou seja, o poeta volta-se para a realidade, que é como se ele fosse acordar, porém custa para que isso aconteça; pois é a única forma de ter contato com ela. Observe também que no final da estrofe o sino canta, este representa o estado da alma do poeta que está feliz, mas, ao mesmo tempo, está triste; feliz por ter boas lembranças e vivê-las em sonho e triste por saber que está morta.
     Nota-se em “pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!” que uma espécie de coro ou sua própria consciência está cantando aos “ouvidos da alma” a realidade. Na terceira estrofe, percebe que enquanto se acorda do sonho (este é o único meio de aproximar-se de ambas as mulheres, Constança e a virgem Maria, esta cujo poeta era devoto, comparava àquela pela semelhança da pureza, virgindade, etc. e daí o amor aparece sempre espiritualizado) e a visão da amada “segue a eterna estrada”. Constança é representada pela catedral ebúrnea tanto na primeira como nas estrofes seguintes (e essa repetição representa a presença constante da amada em seus sonhos); ela “aparece, na paz do céu risonho/ toda branca de sol” e depois “recebe a benção de Jesus”. Porém a consciência do poeta agora clama e não mais canta, vê-se uma gradação emocional, uma tensão.
     “Por entre lírios e lilases desce/ a tarde esquiva: amargurada prece/ põe-se a luz a rezar”, esses versos refere-se também à Constança e neles o poeta enaltece a figura da amada que até a natureza tem reverência por ela. “A catedral do meu sonho/ aparece, na paz do céu tristonho/ toda branca de luar”; ela continua com todas as características como bela, pura, perfeita etc., todavia a concepção utópica dele muda “céu tristonho”, alguma coisa começou a entrar em desequilíbrio. Outrora tudo era perfeito, pois era como estivesse sonhando e no sonho o irreal torna-se real. Então, isso o leva ao desespero, porque queria ficar com ela, mas esse mundo vai se desfazendo à medida que vai se acordando. A tensão aumenta cada vez mais e “o sino chora” ou o estado da alma do poeta desfaz-se levando-o à catarse.
      Por conseguinte, “o céu é todo trevas: o vento uiva./ do relâmpago a cabeleira ruiva/ vem açoitar o rosto meu”; nesses versos, o poeta acorda ou sua consciência e aquela reminiscência logo se evapora. Ela “afunda-se no caos do céu tristonho/ como um astro que já morreu”; “e o sino geme em lúgubres responsos:/ “Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!” Além do que já foi dito, esses versos mostra a autocompaixão do poeta no badalar do sino.    

 

Análise do poema " A Catedral" de Alphonsus Guimaraes ... 

poetaaaronlino.blogs.sapo.pt/2193.html

ISMÁLIA - ALPHONSUS DE GUIMARAENS
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar…
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar. No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar…
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar…

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar…
Estava perto do céu,
Estava longe do mar… E como um anjo pendeu
As asas para voar…
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar… As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par…
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar…
   
    ´´Nomear um objeto é suprir as três quartas partes do gozo do poema, gozo que consiste em adivinhar pouco a pouco; sugerir é aí o sonho. O perfeito uso desse mistério constitui o símbolo; evocar pouco a pouco um objeto para mostrar um estado de alma, ou, inversamente, escolher um objeto e desprender dele um estado de alma mediante uma série de decifrações. `` (Mallarmé)
      O termo Simbolismo pretende designar um estilo poético cuja principal característica é evitar a descrição ou nomeação direta dos fatos e relações reais. Para isso, seria necessário recorrer com máxima frequência a símbolos poéticos, isto é, a meios indiretos de apreender aspectos vagos, fugidios ou espirituais da realidade. É claro que em todos os estilos de época a Literatura se serve de símbolos, mais do que de palavras presas à realidade imediata, mas a questão é que o Simbolismo pretendia fazer disso sua característica principal. A poesia, com o Parnasianismo, afastou-se de sua essência de liberdade e singeleza criadora, tornando-se demasiadamente formal, artesanal e exterior. Reagindo contra esse tipo de literatura, surgiu na França um movimento a princípio chamado de Decadentismo.
     Seus adeptos, decadentes ou nefelibatas, isto é, habitantes das nuvens, tinham por base as ideias de Baudelaire, Verlaine e Mallarmé. Aliás, curiosamente vários deles haviam começado suas carreiras literárias publicando seus poemas na revista porta-voz do Parnasianismo, Le Parnesse Contemporain. Em 1886, Jean Moréas propôs a troca do termo decadente por simbolista. A trajetória do Simbolismo brasileiro foi paralela à do Parnasianismo. Começou com a publicação de duas obras de Cruz e Sousa: Missal (poemas em prosa) e Broquéis (versos), ambas de 1893, e terminou com a publicação da obra Canaã, de Graça Aranha, em 1902.
      Por seu subjetivismo, o Simbolismo apresenta algumas semelhanças com a poesia romântica, porém a grande diferença reside na linguagem bem mais trabalhada dos simbolistas, que procuram obter variados efeitos rítmicos e sonoros. Além disso, os simbolistas manifestam acentuado gosto pelo vocabulário litúrgico e religioso, o que dá a seus textos um ar de misticismo e espiritualidade ausentes no Romantismo. Além de Cruz e Sousa, os nomes mais destacados no Simbolismo brasileiro são: Pedro Kilkerry, Dário Veloso, Emiliano Perneta e Alphonsus de Guimaraens.
      A poesia de Alphonsus de Guimaraens é de caráter cristão. Sua visão de mundo terreno é crepuscular: desagregam-se pessoas e objetos, encaminhando-se para um mundo de uma plenitude sonhada de sentido místico. No poema Ismália, entre duas imagens da lua (céu/mar), a personagem enlouquecida alça o voo de seu ´´sonho``, simetricamente, subindo ao céu e descendo ao mar. O texto situa-se na parte de sua obra que se inclina a buscar algumas sugestões de forma e conteúdo na tradição poética medieval.
       Os versos são, a propósito, breves e cadenciados. O poeta faz uso da redondilha maior (versos de sete sílabas métricas); forte musicalidade rítmica através das rimas alternadas (abab), agudas (oxítonas) e toantes (apenas sonoras), e de repetições (estrutura paralelística como ´´Viu uma lua no céu / Viu outra lua no mar``). Toda a simplicidade formal, no entanto, contrasta com a complexidade psíquica que explora: a loucura (o tema loucura, assim como o tema da morte, fazem parte da poesia Simbolista).
     Nele se narra uma história, a história da loucura de Ismália. Mas em favor da plena realização do texto como poesia surge a ideia de que para os loucos tudo é simples e praticável: até querer a lua. Ismália, então, obcecada pelo mais legítimo e puro dos desejos, parte em demanda de seu objetivo não ligando a mínima para as consequências daí provenientes. Aliás, morrer, para um certo tipo de pessoa, é mesmo alcançar o bem supremo: a um só tempo a lua do céu (com a alma) e a lua do mar (com o corpo).
     As antíteses ´´céu`` e ´´mar``, em todas as estrofes do poema, querem marcar bem a oposição ´´alma`` e ´´corpo``, até o final em que a alma (abstrato), junta-se a ´´céu`` (abstrato); e corpo (concreto) junta-se a ´´mar`` (concreto). A linguagem é subjetiva (repare que as próprias reticências reproduzem uma certa imprecisão e sugestão), mas o suicídio de Ismália é uma conclusão objetiva a que chegamos. Isto é comum ao simbolismo: através de uma linguagem francamente subjetiva, chega-se a captar um fundo às vezes bastante objetivo.
     A 1.ª estrofe desencadeia uma sequência de imagens com as quais o sujeito poético atribui uma dimensão lírica e metafísica à loucura de Ismália. A partir do momento em que enlouqueceu, Ismália ´´Pôs-se na torre a sonhar... ``, isto é, tornou-se como que superior em relação ao real e entregou-se a um onirismo – ´´Viu uma lua no céu, / Viu outra lua no mar`` – que pode significar busca de unidade cósmica, de reunião do corpo ( a lua do mar) com a alma ( a lua do céu). Esta parte condensa tudo que o leitor precisa saber sobre Ismália como pessoa comum. O verbo no pretérito marca a passagem racional para o irracional. A partir daí, a fragmentação da alma (esquizofrenia, de squizo ´´dividido`` e frenos, ´´mente``) se encarrega da hesitação adoidada do desejo, que ora pende para a lua, ora para o mar.
    Na 2.ª estrofe, percebemos um certo simbolismo bíblico: ´´Banhou-se... `` ( o batismo, cerimônia iniciática; a oração extrema), ´´... subir ao céu`` (ascensão da alma); ´´descer ao amar`` (voltar às origens aquáticas e minerais da vida). O verso ´´No sonho em que se perdeu`` nos informa que Ismália já não tinha mais noção racional da realidade. O Simbolismo, como reação ao materialismo científico, procura ser uma arte antirracional e antilógica; daí seu interesse por zonas ocultas da mente humana (o inconsciente e o subconsciente), não conhecidas nem controladas pela razão. Palavras como ´´Enloqueceu``e ´´sonhar``, se associam à pesquisa simbolista do subconsciente e à preferência pelo universo espiritual.
     A 3.ª estrofe é a mais profunda do poema: o canto ´´desvairado`` em muitas tradições é a manifestação divina da loucura, onde se decide o destino de Ismália (´´perto do céu... longe do mar. ``). Este é o momento medial e apocalíptico do poema. As duas primeiras e as duas últimas estrofes são mais empíricas, mais descritivas. O verso ´´Na torre pôs-se a cantar`` sugere principalmente que Ismália, por considerar-se perto do céu, poderia já estar identificando-se como um anjo.
     Ao se atribuir a Ismália a condição de louca, na 4.ª estrofe justificam-se seus desejos ao mesmo tempo absurdos e verdadeiros: o desejo de voar e de abraçar ´´as luas``. De acordo com a visão de mundo dos simbolistas, tal desejo é a libertação do mundo concreto e real; a transcendência; a integração com o cosmos. O corpo é a parte material do ser e , portanto, um empecilho para a transcendência. A razão aprisiona o homem à esfera da lógica e do real. Em contraposição, o subconsciente e o sonho, livres da razão, lançam o homem ao domínio do insólito e da liberdade. Os versos ´´E como um anjo pendeu / As asas para voar`` indicam que Ismália fez movimentos como a intenção de preparar-se para alcançar voo.
      A 5.ª estrofe é marcada pela sublimação: o processo da loucura que culmina com a morte, entendida como encontro entre o corpo (matéria) e alma (espírito) como completude. Ao morrer (um suicídio) a alma de Ismália ´´sobe ao céu``, enquanto seu corpo ´´desce ao mar``, com o movimento das ´´asas que Deus lhe deu ``. Ou seja, ela reencontra a unidade perdida, a transcendência, a transfiguração para a dimensão espiritual e metafísica da existência. A alma subiu para atingir a lua verdadeira; o corpo desceu para a ilusão da lua, para o reflexo da lua ( a lua do mundo sensível). O ideal de Ismália foi atingido, afinal, de acordo com o conceito simbolista, por meio da morte Ismália transcende e integra-se ao cosmos.

 

LITERATURA & LINGUAGENS: Ismália - Alphonsus de Guimaraens 

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SACRÁRIO DAS PLANGÊNCIAS - A POESIA RELIGIOSA DE ALPHONSUS DE GUIMARAENS
Cardoso Tardelli

     Estimados leitores de o Sacrário das Plangências, faço aqui uma das postagens de maior importância para o entendimento não somente da poética Alphonsina, mas da poesia Simbolista como um todo.
     Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), simbolista que, ao lado de Cruz e Sousa (1861-1898), figura na literatura de relembranças de nossa cultura. Mas foi Guimaraens, mesmo tendo uma influência da poesia cruziana imensa, um poeta singelo, de características únicas e um dos Simbolistas em cuja obra mais se vê a influência de poemas dos Românticos brasileiros.
Tematicamente, Guimaraens foi um místico - talvez o maior de nosso Simbolismo. E na mística, que, às vezes, entrava na bruma do misticismo, encontra-se a sua temática religiosa, estritamente católica, sendo esta de importância relevante à sua obra.
    Escreveu o poeta nascido em Ouro Preto um livro dedicado, tão somente, a Nossa-Senhora, chamado de Setenário das Dores de Nossa-Senhora (1899), cuja estrutura se assemelha a de uma missa, tendo uma Antífona no início e uma Epífona no fim, além de ser dividido em "Sete Dores", contendo, cada parte, sete sonetos. É de tocante crença toda a obra e de estro do mais alto nível.
   Mesmo tendo a qualidade que contém, foi o livro estranhamente criticado por José Veríssimo (1857-1916) na ocasião de seu lançamento (estranho no sentido de argumentos e da inverossímil e aparente teimosia do crítico para com o Simbolismo), como veremos numa análise posterior. Transcrevo agora dois sonetos do "Setenário":
PRIMEIRA DOR
VII
Em teu louvor, Senhora, estes meus versos,
E a minha Alma aos teus pés para cantar-te.
E os meus olhos mortais, em dor imersos,
Para seguir-te o vulto em toda a parte.

Tu que habitas os brancos universos,
Envolve-me de luz para adorar-te,
Pois evitando os corações perversos
Todo o meu ser para o teu seio parte.

Que é necessário para que eu resuma
As Sete Dores dos teus olhos calmos?
Fé, Esperança, Caridade, em suma.

Que chegue em breve o passo derradeiro:
Oh! dá-me para o corpo os Sete Palmos,
Para a Alma, que não morre, o Céu inteiro!

QUINTA DOR
II
E tu, Senhora, cujo olhar tranquilo
De nuvens brancas a minha Alma veste,
Olhar sublime que foi tudo aquilo
Que no Céu encontrei de mais celeste:

Tu, ermida sagrada onde me exilo,
Longe da fome, e sede, e guerra, e peste,
A mostrar-me no Céu, para segui-lo,
Todo o luar da esperança que me deste:

Mãe dolorosa! num momento incerto
Virás abrir-me os rútilos sacrários
Da tua Alma que está de Deus tão perto...

Virás, talvez, e então, por certo, as minhas
Mãos de sombra debulharão rosários
Para a maior de todas as Rainhas...
    A presença de Nossa-Senhora na poesia de Alphonsus de Guimaraens foi constante. Em seu cronologicamente primeiro livro, Kiriale, curiosamente lançado em 1902 (ou seja, três anos depois de Setenário das Dores de Nossa-Senhora), já fulgia na estrofe final no primeiro poema, "Initium", a seguinte imagem que o marcaria por toda a obra:
(...)
E os pesadelos fogem agora...
Talvez me escute quem se levanta:
É a lua... e a lua é Nossa-Senhora,
São dela aquelas cores de Santa!
    O estro de Alphonsus de Guimaraens foi, durante muito tempo, confundido com algo parecido a uma versão brasileira de Verlaine (1844-1896). Mesmo tendo evidente influência do poeta francês - chegando a traduzir algumas de suas obras, como "Canção do Outono" -, a poesia de Guimaraens não chegava ao tratamento de palavras quase parnasiano feito por Verlaine, mesmo que hajam sonetos do poeta mineiro esteticamente irretocáveis. Diante da perspectiva de uma "poética confundida" durante muito tempo, vamos a uma pequena análise da crítica primeira de José Veríssimo à poesia Alphonsina.
   Na segunda série de seis estudos literários (lançada em 1899), José Veríssimo, o então mais apreciado crítico da época, ao lado de Araripe Júnior, faz as seguintes observações sobre o Setenário das Dores de Nossa-Senhora, do "Sr. Alphonsus de Guimaraens":
   "Da tendência intelectual de que ele (o Simbolismo) saiu, esgalhou um grande ramo místico, de um misticismo católico. No misticismo deste fim-de-século positivo há quem veja menos um fenômeno de decadência social ou moral, que uma postura, uma afetação de originalidade, uma forma particular de esnobismo". Crê que o movimento passará rápido, soando uma frase irrisoriamente balsâmica aos Naturalistas, grupo que tinha os maiores afagos de Veríssimo: "Passará breve, estejamos certos". Em todo texto, o crítico faz elogio ao estro de Alphonsus, dizendo que há versos que chegam a ser excelentes, mas que, não obstante, sendo seu "espírito de todo liberto do teu logismo, como diria um positivista", talvez não se encontrasse "nas condições de apreciar esse gênero de poesia". Recomenda ao então jovem Alphonsus se desvincilhar do Simbolismo para não ser mais um estro perdido em nossa poesia.
    Na verdade, foi uma crítica, perto da bradada por Veríssimo em relação ao "Broquéis" de Cruz e Sousa, em 1893, de um mau gosto brando, ainda mais vinda de "um inimigo do Símbolo", como o crítico Agripino Griego (1888-1973) considerava José Veríssimo.
     A poesia de Alphonsus de Guimaraens, poeta que vivia então na erma Mariana, tinha sido considerada um mero estro estético-místico durante uma era de ideias "positivistas" e deterministas, com as quais já muito havia sofrido Cruz e Sousa. No plano plano popular, tal qual todo o Simbolismo, Guimaraens foi esquecido durante anos até sua obra ser resgatada, mas no plano do movimento, seu culto marial teve representações em vários poetas de grande porte, como em Durval de Moraes (1882-1948):
NOSSA SENHORA DA RENÚNCIA...
Nossa Senhora da Renúncia...
Soba noite estrelada, à meia-noite,
Uma cabeça resplendente de ouro.
Olhos semicerrados...
Lábios semicerrados...
Os cabelos como raios
Iluminando o espaço constelado.
A fronte curva,
Onda luminosa
Pairando no ar.
E o resplendor
Do Amor
Cercando esta cabeça indescritível!
     Mesmo tendo esse poema uma linguagem muito mais fácil do que a usada por Alphonsus de Guimaraens, a influência do "solitário de Mariana" é evidente. Em si, a mística religiosa do Simbolismo deve muito ao Romantismo, cujo culto às "Ave-Marias" era constante em quase todo poeta do estilo, mas não se trata de plágio das fontes, principalmente porque, na maioria dos casos referentes ao Simbolismo e ao Pós-Simbolismo, a fé era exprimida de uma maneira poética e também por meio da vivência.
    Voltando à poética Alphonsina, vamos ao poema escrito na véspera de sua morte, publicado em Pulvis (1938), tendo-o como um dado de fé, de Sonho e de fidelidade ao afã que, durante a vida, sempre o acompanhou:
ÚLTIMOS VERSOS
Na tristeza do céu, na tristeza do mar,
eu vi a lua cintilar.
Como seguia tranquilamente
por entre nuvens divinais!
Seguia tranquilamente
como se fora a minh'Alma,
silente,
calma,
cheia de ais.
A abóboda celeste,
que se reveste
de astros tão belos,
era um país repleto de castelos.
E a alva lua, formosa castelã,
Seguia
envolva num sudário alvíssimo de lã,
como se fosse
a mais que pura Virgem Maria...
Lua serena, tão suave e doce,
do meu eterno cismar,
anda dentro de ti a mágoa imensa
do meu olhar!
Vaga dentro de ti a minha crença,
ai! toda a minha fé,
como as nuvens de incenso que vagueiam
por entre as aras de uma Sé...
Como as nuvens de incenso que coleiam
e fogem rapidamente
até o teto das catedrais,
dentro de ti, numa espiral silente,
vão gemendo os meus ais.
Mais uma vez a mágoa imensa
do teu clarão,
veio, tremendo na onda clara e densa,
até meu coração.
E pude ver-te, contemplar-te pude,
como a imagem da virtude
e da pureza,
cheia de luz,
como Santa Teresa
de Jesus!
      O poeta volta-se à sua amada morta de nome Constança, finada aos 18 anos por consequência duma tuberculose, numa alusão já feita várias vezes por ele, chamado-a de "Santa Teresa de Jesus". Volta-se à Lua, ao Mar e a Virgem Maria. Lendo esse musical canto derradeiro, nenhuma conclusão a mais teríamos a não ser de que a poesia de Alphonsus de Guimaraens é uma poesia de meditação, cuja ermida de infinita fé tinha portas abertas ao movimento Simbolista e aos leitores de alma ampla.

A Poesia Religiosa de Alphonsus de Guimaraens - Sacrário das ...

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