SIMBOLISMO: CRUZ E SOUSA

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João da Cruz e Sousa (Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis), 24 de novembro de 1861 — Estação do Sítio, 19 de março de 1898) foi um poeta brasileiro.
Alcunhado Dante Negro e Cisne Negro. Foi um dos precursores do simbolismo no Brasil.
  Filho dos negros alforriados Guilherme da Cruz, mestre-pedreiro, e Carolina Eva da Conceição[1], João da Cruz desde pequeno recebeu a tutela e uma educação refinada de seu ex-senhor, o Marechal Guilherme Xavier de Sousa - de quem adotou o nome de família, Sousa. A esposa de Guilherme Xavier de Sousa, Dona Clarinda Fagundes Xavier de Sousa, não tinha filhos, e passou a proteger e cuidar da educação de João. Aprendeu francês, latim e grego, além de ter sido discípulo do alemão Fritz Müller, com quem aprendeu Matemática e Ciências Naturais.
Em 1881, dirigiu o jornal Tribuna Popular, no qual combateu a escravidão e o preconceito racial. Em 1883, foi recusado como promotor de Laguna por ser negro. Em 1885 lançou o primeiro livro, Tropos e Fantasias em parceria com Virgílio Várzea. Cinco anos depois foi para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como arquivista na Estrada de Ferro Central do Brasil, colaborando também com o jornal Folha Popular. Em fevereiro de 1893, publica Missal (prosa poética baudelairiana) e em agosto, Broquéis (poesia), dando início ao Simbolismo no Brasil que se estende até 1922. Em novembro desse mesmo ano casou-se com Gavita Gonçalves, também negra, com quem teve quatro filhos, todos mortos prematuramente por tuberculose, levando-a à loucura[2].
Morte
   Faleceu a 19 de março de 1898 no município mineiro de Antônio Carlos, num povoado chamado Estação do Sítio, para onde fora transportado às pressas vencido pela tuberculose. Teve o seu corpo transportado para o Rio de Janeiro em um vagão destinado ao transporte de cavalos. Ao chegar, foi sepultado no Cemitério de São Francisco Xavier por seus amigos, dentre eles José do Patrocínio, onde permaneceu até 2007, quando seus restos mortais foram então acolhidos no Museu Histórico de Santa Catarina - Palácio Cruz e Sousa, no centro de Florianópolis.
Cruz e Sousa é um dos patronos da Academia Catarinense de Letras, representando a cadeira número 15.
Análise da obra
   Seus poemas são marcados pela musicalidade (uso constante de aliterações), pelo individualismo, pelo sensualismo, às vezes pelo desespero, às vezes pelo apaziguamento, além de uma obsessão pela cor branca. É certo que encontram-se inúmeras referências à cor branca, assim como à transparência, à translucidez, à nebulosidade e aos brilhos, e a muitas outras cores, todas sempre presentes em seus versos.
No aspecto de influências do simbolismo[3], nota-se uma amálgama que conflui águas do satanismo de Baudelaire ao espiritualismo (e dentro desse, ideias budistas e espíritas) ligados tanto a tendências estéticas vigentes como a fases na vida do autor.
Obras
Broquéis (1893, poesía)
Missal (1893, poemas en prosa)
Tropos e Fantasias (1885, poemas en prosa, junto a Virgílio Várzea)
Obra póstuma
Últimos Sonetos (1905)
Evocações (1898, poemas em prosa)
Faróis (1900, poesía)
Outras evocações (1961, poema em prosa)
O livro Derradeiro (1961, poesía)
Dispersos (1961, poemas em prosa)
Homenagem
   Há no município de Florianópolis, onde ele nasceu, uma casa antiga ao lado da praça XV de Novembro, chamada de palácio Cruz e Sousa, onde encontram-se seus restos mortais. Além disso, vários municípios o homenageiam usando seu nome para nomear ruas e avenidas.
[editar]Na Cultur
Sylvio Back dirigiu um filme sobre o poeta lançado em 1998. Interpretou Cruz e Sousa o ator Kadu Karneiro. Todo o texto do filme são só de poemas de Cruz e Sousa.

pt.wikipedia.org/wiki/Cruz_e_Sousa

EXÍLIO DO CORPO
   Antônio Carlos Secchin defende a presença da carne e volúpia nos misteriosos esconderijos souseanos.
   Especialista em literatura brasileira, o doutor Antônio Carlos Secchin, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, veio a Florianópolis em novembro do ano passado, a convite da Assembléia Legislativa, para marcar a abertura do centenário da morte de Cruz e Sousa com uma palestra. Surpreendeu com uma análise do erotismo presente nos poemas souseanos, comumente associados ao transcendentalismo e espiritualismo, duas fortes características do estilo Simbolista. Em "Cruz e Sousa - o Desterro do Corpo", Secchin afirma e confirma com uma série de versos citados em sua tese que o poeta ía além da pura abstração, ausência de carne ou puro espírito. Revela: "Falta corpo em Cruz e Sousa, sobra espírito, mas este não explícito ao corpo pode ser interpretado como um sim implícito."
   Secchin transcende à crítica cristalizada e pergunta: "Onde está o corpo, em que medida este corpo exilado, desterrado, não é uma nostalgia, um fascínio pelo próprio corpo?" Ele próprio estimula uma resposta ao argumentar que há, no caso Cruz e Sousa, uma relação muito ambígua entre corpo, matéria e prazer. "Aparentemente há um repúdio à materialidade e ao meu ver essa recusa está escondendo o fascínio por este corpo."
   Ele avisa aos oponentes de sua nova versão que não pretende descaracterizar o Simbolismo e nem dizer que o poeta nascido em Desterro não tenha sido abstrato. "Quero mostrar os canais laterais, os fluxos que apresentam essa matéria, corpo e prazer. Muitas vezes as pessoas só querem apenas o que já sabem, a abstração, por exemplo."

VOZ SUBTERRÂNEA
   A importância de Cruz e Sousa para a literatura brasileira, segundo ele, é fenomenal. "A voz subterrânea do Simbolismo de Cruz e Sousa, especialmente, representou a rigor um caminho mais importante para a poesia do século 20 do que a risonha e muito satisfeita visão dos parnasianos. O Simbolismo, acredito, tornou-se conexão para o Modernismo."
    Mesmo que os modernistas não tenham reconhecido, os simbolistas à revelia foram seus antecessores, na opinião de Secchin. "Os modernistas não puderam ou não quiseram reconhecer essa dívida", ressalta. Cruz e Sousa não significou quase nada para grande parte dos modernistas. "Pior para eles, porque teriam aprendido muito e teriam evitado equívocos em suas poesias se tivessem ouvido as lições da poesia de Cruz e Sousa. O Simbolismo era um movimento que não incomodava muito aos modernistas porque não tinha a hegemonia do poder literário, cultural e político. O inimigo a abater era o Parnasianismo. Portanto, os modernistas perderam muito tempo demolindo estátuas que já estavam ocas."
   Outra corrente modernista, porém, representadas por Tasso da Silveira, Murilo Araújo e principalmente Cecília Meirelles, é considerada neosimbolista, segundo o doutor em literatura brasileira. "De modo algum estes escritores ficaram surdos à música do Simbolismo e cegos à herança da poesia de Cruz e Sousa. Meirelles ficou produzindo uma obra da maior qualidade muito mais vinculada a uma tradição de Cruz e Sousa do que à ruptura com o Parnasianismo proposta pela Semana da Arte de 22." (OG)
Lado elegante e sincero do poeta desterrado
   Autor de biografia insólita expõe o mundo da inquietação, tormento da alma de Cruz e Sousa, "um desses homens para quem a burrice era pecado imperdoável"
Rodrigo de Haro também preparou sua homenagem a Cruz e Sousa neste centenário de morte. Está prestes a concluir uma tarefa nada simples. Resgata, com um texto em que mistura realidade e ficção, detalhes do homem e da obra. Avisa desde já quais são os sinos de seu tombeau, um estilo literário de origem francesa utilizado nas homenagens póstumas: "Antes de ser negro, ele foi líder de uma escola que se opunha ao progresso proposto pela civilização industrial".
   "No túmulo de Cruz e Sousa", título do livro, não é uma lamentação. "É um buquê, um levantamento de temas", explica. No momento Rodrigo dedica-se a uma seqüência onde analisa datas e a aproximação de Cruz e Sousa com o que aconteceu na sua época. "Ser um simbolista, naquela época, era tomar um caminho de uma contestação muito forte. Até hoje a crítica literária oficial brasileira fica um tanto preocupada com o Simbolismo, tenta reduzi-lo porque não tinha origem nacional (e o que são as origens nacionais?), como se os parnasianos tivessem. É que o Simbolismo é uma linha estética que valoriza elementos malditos, sacrílegos, noturnos, proibidos, ocultos, procurava a noite, queria desestabilizar a tranqüilidade áurea do mundo do Olavo Bilac (poeta paranasiano)."
   Cruz e Sousa, como simbolista, busca também o mundo da inquietação, do tormento da alma, conforme as leituras de Rodrigo. "Até hoje, ao ler e refletir sobre estrofes de Cruz e Sousa, você passa por esse frisson. Uma leitura sistemática da obra, com atenção ao lado mais pertubador no plano existencial, é muito útil. Ele sempre mistura muito, em 'Missal' por exemplo, o erotismo e o litúrgico. Você vai penetrando aqueles missais e vão se levantando formas, evocações de lascívia. Ele era um obcecado. Cruz e Sousa fala de freiras loucas, de Lesbos e tudo isso tem sido evitado. Não exista ainda quem tenha encarado frontalmente as preocupações mais violentas de Cruz e Sousa. Eu imagino os tremores de terra provocados naquela época pelas poesias dele publicadas nos jornais."
   O livro-homenagem é dividido em várias seqüências, crônicas. Rodrigo entra em algumas linhas. Permite-se a lembranças dele e de amigos, como Pedro Garcia e Iaponan Soares, sobre o que viveram nos ano 50. "Em nossas andanças noturnas em um lugar que ainda era a ilha de Cruz e Sousa, com uma paisagem dramática, longe de ser uma cidade acanhada como falam alguns historiadores tomados pelo sentimento de inferioridade, mas uma cidade autenticamente barroca, misteriosa, singular, mantínhamos o sentimento da presença do poeta. Entre o vapor da fumaça do bar, das borboletas noturnas, dos marinheiros, intelectuais, pessoas comuns, sentia-se a presença de Cruz e Sousa, que era um personagem da cidade", argumenta.
   Certa noite, quando todos estavam mais ou menos bêbados - esse espisódio pertence ao livro - imaginaram que Cruz e Sousa tinha acabado de sentar-se em uma mesa ao fundo do bar em que estavam. "É claro que isso ficava entre a brincadeira e o sério. Depois ele saía e a nós íamos até a mesa e tinha alguma coisa escrita. Imaginávamos que fosse um soneto. Isso tudo fazia com que ele estivesse vivo", frisa.
   Outro fragmento para evocar a dimensão da presença do poeta nos anos 50 aborda uma irreverente saudação ao poeta. O busto de Cruz e Sousa - hoje instalado na praça 15 de Novembro - ficava no antigo largo do quiosque e por não ser fixo acabava passando de mão em mão. "Este busto passeava à noite. Era uma das graças esotéricas dos rapazes passear de carro, exibindo o busto de bronze. Saiam em procissão. Muitas vezes, eu também vi, o monumento amanhecia coberto de flores, velas. Ele foi retirado do local por uma elucubração arbitrária e foi colocado no jardim em frente ao Palácio Cruz e Sousa."
Nós da gravata
   Em outra seqüência, Rodrigo resgata a passagem de Cruz e Sousa pelo teatro. Abre o texto com a frase "Sete negros conduzem...". "Quero descrever, com isso, o que era o teatro brasileiro daquela época. Segundo depoimentos de viajantes, era um teatro predominantemente negro. Por sinal, a arte brasileira, sobretudo no Império, era predominante afro. O mundo de maior liberdade é o teatro e passou a ser evidentemente uma atração para o elemento africano. Cruz e Sousa, como ponto (encarregado de lembrar textos) de uma companhia, não esteve só. Oficialmente ele foi ponto só, mas ele aparecia em cena para declamar poemas."
   Há outro trecho que fala dos nós das gravatas. Rodrigo argumenta que essa pequena história dos costumes - como se andava, falava, vestia-se - se perde facilmente. "E é aí que está a vida exatamente, porque é o lado mais revelador das pessoas e eu tento puxar Cruz e Sousa desta forma. O que me aborrece muito é a cristalização da imagem de Cruz e Sousa como negrinho sofredor. É uma maneira de mantê-lo atrelado à posição de submisso, logo ele que foi um homem extremamente elegante, altivo, rápido e sarcástico. Mesmo que ariano (raça considerada superior pelo nazista Adolf Hitler) fosse, dificilmente ele seria tolerado pela mediocridade porque tinha um espírito muito crítico. Cruz e Sousa era desses homens para quem a burrice e a mediocridade são pecados imperdoáveis."
   Rodrigo chega a perguntar-se qual seria o nó de gravata preferido pelo poeta. Fez um levantamento. Descobre que o nó chamado rossini só era desfeito com uma tesourada. Cruz e Sousa, de acordo com a biografia, gastava tudo que ganhava, como professor de francês e inglês, com roupas e objetos do aparato pessoal.
   Antes que interpretem mal sua idéia das gravatas e elegância, o poeta contemporâneo antecipa sua defesa: "Não quero minimizar, com isso, a tragédia de Cruz e Sousa, é evidente que ela existiu. Na medida em que ele caiu, foi mais trágico do que se ele fosse um coitadinho acostumado com o sofrimento, adaptado a uma inferioridade. Claro que vou passo a passo, fazendo até um final mais terrível. Houve uma evidente discriminação racial, mas houve também a discriminação contra o que ocorre com qualquer homem ambicioso e consciente de seu próprio valor. Ainda é e será assim por muito tempo em Florianópolis. Cruz e Sousa foi vítima de inveja na Desterro (Florianópolis) do século passado." (OG)
Violões que falam
  Extrair a imagem poética dos versos de Cruz e Sousa foi o caminho percorrido pela fotógrafa Rosane Lima, que uma vez desafiada mergulhou no poema "Violões que Choram...", criado em janeiro de 1897. A inquietude e dilacerante musicalidade dos versos conduzem o imaginário. "O que o poeta enfrentou no seu tempo, revive-se ainda hoje em cenas cotidianas de dor, lamento e sofrimento", define a profissional que se aproxima do universo sombrio e solitário de Cruz e Sousa em imagens tão poéticas quanto a construção cruzsouseana. Neste breve ensaio sobressaem os sonhos fatigados, a melancolia do anjo, a miséria humana, os violões que falam.

 MALDITO DOS VERSOS MUSICAIS
   Cruz e Sousa atravessou a vida num silêncio escuro. Errante, trêmulo, triste e vaporoso, o negro e sublime poeta nascido na Desterro de 1861 suportou o peito dilacerado com a convicção da glória.
   O Cisne Negro não se amedrontou diante de austeras portas lacradas. Maldito pela grandeza e pelo elixir ardente de versos capazes de arrebatar paixões até a atualidade, quando se completam os cem anos de morte.
   De pranto e luar, sangue e sensualidade, lágrimas e terra construiu uma obra de estímulo às paixões indefiníveis. Mestre do Simbolismo no Brasil, aliou genialidade a um meticuloso rigor. Celebrado só depois de morto, o Poeta de Desterro foi um homem apaixonado, autor de versos transcendentais que ganharam o mundo.
   Ele via a perfeição como celeste ciência, mas não saboreou a imortal conquista. Antes de morrer tuberculoso em Minas Gerais, em 19 de março de 1898, o poeta ensinou a alma palpitante, a fibra e sobretudo que "era preciso ter asas e ter garras".

MODERNO ANTES DE SER ETERNO
   Seguidor da vanguarda francesa, Cruz e Sousa cria o Simbolismo no Brasil e revela-se um homem engajado com as lutas do seu tempo
   Forças adormecidas de angústia e sonho sustentam a vida e a obra de Cruz e Sousa, autor de versos incompreendidos porque inovadores e inseridos na trilha da vanguarda francesa da época. O Cisne ou Poeta Negro, como alguns o chamavam, ao mesmo tempo em que produzia uma poética que o colocou ao lado de Mallarmé, Rimbaud e Verlaine, também desafiou o mundo com sua escrita contundente. "Não lhe bastou ser poeta, foi um jornalista engajado com as lutas de seu tempo", situa o poeta paranaense Paulo Leminski em uma biografia publicada em 1983.
   Negro numa sociedade escravocrata, Cruz e Sousa fez militância contra a escravatura. Pesquisadora do assunto, a professora-doutora Zahidé Lupinacci Muzart, do departamento de letras da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), lembra que nos anos 80 do século 19, Cruz e Souza e seu grupo discutiam as questões cadentes de seu tempo e lutavam fundando jornais, folhas, semanários alternativos...
   Ele não se fechou a sete chaves numa torre de marfim, não abraçando a causa abolicionista, confome equivoca-se o crítico Fernando Góes, em estudo introdutório para uma nova edição da obra completa do poeta, em 1943. "Não foi indiferente à causa, muito pelo contrário", salienta o estudioso Iaponan Soares, dono do acervo mais completo sobre Cruz e Sousa no Brasil.
   Em 1961, quando preparou outra edição de obras completas de Cruz e Sousa, Andrade Muricy, em comemoração ao aniversário de nascimeto, "fez importante coleta de dispersos, entre eles algumas páginas abolicionistas, duas das quais publicadas em livros, mas poucos conhecidas: "O Padre" e "Crianças Negras", além de outros. Quando passou pela Bahia, em 1885, o poeta participou do movimento abolicionista local, proferindo palestra. Seus escritos sobre o tema só muito mais tarde chegaram ao conhecimento da crítica.
   A comprovação mais evidente da militância no movimento pela libertação dos escravos é sua participação na sociedade carnavalesca "Diabo a Quatro", que, em 1887, desencadeia campanha pelo abolicionismo, com plena cobertura da imprensa. Um dos textos mais inteligentes contra o escravagismo, escrito no jornal "A Regeneração" e intitulado "O Abolicionismo", é contuntende e articulado. "Não se liberta o escravo por pose, por chiquismo, para que pareça a gente brasileira elegante e graciosa antes as nações disciplinadas e cultas", dispara Cruz e Sousa.
   O poeta ainda publicou em inúmeros outros jornais brasileiros, especialmente em Florianópolis e no Rio de Janeiro, para onde mudou-se definitivamente em 1890. Trabalhava por um magro salário.
Descendentes vivem ainda com dificuldades no Rio de Janeiro, onde o poeta está enterrado
   Ercy Cruz e Sousa, 75 anos, matriarca da família, vive no Realengo, no Rio de Janeiro. Ela foi casada com Sílvio, único neto de Cruz e Sousa, que morreu em 1955. Durante sua vida ele foi marinheiro, mas também trabalhou como eletricista e vendia peixe para sustentar a família. Quando morreu, Ercy tinha 32 anos e ficou com seis filhos para criar. Nunca mais casou. "Para que, meu filho?", indaga ela.
   A matriarca, que está bastante doente, perdeu as contas do número de descendentes do poeta. Na última contagem feita por ela, havia 36 netos, 20 bisnetos e outra quantidade de tataranetos. Há outros que estão fora das contas de Ercy, que mora com a filha Dina Tereza Cruz e Sousa, 58 anos e com a neta Emilena, 22 anos. As três moram numa casa modesta, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro, com piso de madeira e paredes de alvenaria. Emilene e o primo Anderson são até onde se sabe os únicos descendentes do simbolista Cruz e Sousa que chegaram a ensaiar algumas letras, mas desistiram da carreira de escritores. A justificativa de Emilene para não ter persisitido na profissão foi porque não queria passar pelo mesmo sofrimento de seu tataravó-poeta.
Pensão do governo
   Ercy, a filha e a neta sobrevivem de uma pensão do governo do Estado de Santa Catarina, paga desde a década de 50 sob determinação do então governo Irineu Bornhausen. Apesar de não ser descendente direta de Cruz e Sousa, Ercy também tem sangue de artista nas veias. Até hoje ela amarga a frustação de não ter acompanhado uma excursão para a Alemanha. Era cantora de música afro e cantava em peças teatrais. Um empresário ligou para seu vizinho, convidando-a para a excursão, mas o recado não chegou aos seus ouvidos. Era uma época em que ela trabalhava de lavadeira durante o dia. À noite fazia o papel de uma cantora dos Palmares. O sonho de tornar-se uma estrela e reverter o quadro de miséria ficou sepultado no tempo. (JL)
Família enfrenta signo da fatalidade
   Sílvio morreu muito doente. Ercy diz que o motivo de sua morte foi decepção com a vida. Lia muito jornal, andava pelas ruas para dissipar sua dor. Recomendava sempre que os filhos não abandonassem a escola. "Sem estudo vocês não serão nada", dizia. Poucos da família estudaram. Uma das descendentes de Cruz estudou um pouco. "Quase formou-se professora", comenta ela. Sílvio é filho de João da Cruz e Sousa, quarto e último filho de Cruz, que nasce postumamente em 1898. Os outros três filhos morrem antes de atingir a adolescência. O próprio João Filho morre antes dos 20 anos. Mas deixa Francelina Maria da Conceição grávida. Ela também enfrenta o signo da fatalidade de Cruz e Sousa. Morre atropelada num desfile de Carnaval. Sílvio perdeu a mãe ainda muito jovem e é criado por Alexia Mancebo, uma paulista com uma boa situação financeira que vivia no Rio e tinha o maior carinho pelo garoto. Ela criou e educou o neto de Cruz.
Baú
   Até março de 1988, Dina guardou com carinho um baú herdado do pai que guardava manuscritos e roupas do poeta. Todo cuidado não preservou o baú de uma enchente que o destruiu. Entre os valiosos papéis, havia muitas correspondências que se perderam para sempre. Havia também poemas avulsos e fotografias. Da pequena casa de dois cômodos, que abrigava bisnetos e trinetos do poeta, pouca coisa sobrou. A enxurrada levou móveis e muitas roupas dos quartos e salas, deixando rachaduras e buracos na parede.
 Mausoléu
   Dina já esqueceu a última vez que freqUentou o túmulo do avô. Brincando ela diz que o túmulo é limpo e recebe flores somente quando se comemora alguma data alusiva ao poeta. Segundo Manoel Gomes, autor do livro do "Palácio Rosado ao Palácio Cruz e Sousa", o mausoléu definitivo do poeta foi inaugurado em 5 de agosto de 1943. Foi construído pelo governador Nereu Ramos, no cemitério São Francisco Xavier, segundo projeto do escultor Hildegardo Leão Veloso. Na solenidade de inauguração, informa Manoel, o embaixador Edmundo da Luz Pinto e o poeta Tasso da Silveira discursaram enaltecendo a obra do poeta. (JL)
                          
 ILUSTRE DESCONHECIDO
   Maioria dos moradores de Florianópolis desconhece quem foi Cruz e Sousa e placa de rua com o nome do poeta no Centro de Florianópolis comete equívoco
   Um grupo de estudantes do Instituto Estadual de Educação (IEE), Centro de Florianópolis, conversa animadamente num intervalo entre as aulas. Eles estão na 8ª série e, questionados sobre Cruz e Sousa, têm reações diferentes. Um responde brincando, a outra sorri envergonhada e quem leva a questão a sério se limita a dizer que "foi um poeta", sem maiores informações sobre as obras ou outros dados biográficos.
   Trata-se de uma realidade: Cruz e Sousa é um ilustre desconhecido para a maioria dos habitantes da cidade em que ele nasceu. Boa parte da culpa cabe às escolas. Na avaliação da escritora Eglê Malheiros, o problema é mais amplo - "a poesia está inteiramente ausente da escola", constata. Para ela, "o centenário da morte de Cruz e Sousa é uma grande oportunidade para começar a transformar essa realidade, com um autor local que abordou temas universais".
   Eglê organizou uma seleção paradidática sobre Cruz e Sousa, que deve ser impressa ainda no primeiro semestre com tiragem de 5 mil exemplares. Além de abordar a biografia e a obra do poeta, o livro traz um roteiro de leitura dirigido aos professores. "É uma contribuição à tarefa de chamar a atenção dos jovens para a poesia", avalia a escritora.
   No ano do centenário da morte de Cruz e Sousa, esperava-se que o vestibular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) abordasse o assunto com destaque. Mas, ao contrário, o concurso mal tocou no nome de um dos mais importantes poetas brasileiros. Ele foi citado em duas questões da prova de língua portuguesa e literatura brasileira, mas em ambas não passou de um mero "figurante".
   Apesar do pouco destaque para Cruz e Sousa, as duas citações na mesma prova já representaram um avanço. Nos dez anos anteriores, o poeta catarinense havia sido lembrado em apenas quatro ocasiões - 1997, 93, 91 e 89. (M

NA POESIA DO MUNDO
   Fenômeno simbolista alcança reconhecimento. Poemas são traduzidos e publicados em diversos países. Recentemente foram editados na China
Cruz e Sousa já foi traduzido e publicado em pelo menos em oito idiomas. A internacionalização da poética começou logo depois de sua morte. A primeira manifestação sobre a grandeza do trabalho foi publicada na revista "El Mercúrio de América". Trata-se de uma conferência proferida em 1899 em Buenos Aires, na Argentina, pelo poeta boliviano Ricardo Jaimes Freyre.
   O estudioso brasileiro Andrade Muricy, na apresentação de "Obras Completas", escreve que, em 1899, em Buenos Aires, líderes do Modernismo hispano-americano interessavam-se vivamente pelas "Evocações" de Cruz. "Ruben Dario, tão pessoal, por sua vez foi contagiado. Alguns de seus poemas mostram o cunho indisfarçado do vocabulário e da temática Cruz e Sousa", escreve Muricy.       
   Ainda na América, o peruano Ventura Garcia Calderon comparou Cruz a Baudelaire "sem que o mundo soubesse sobre o poeta, porque escrevia em português".
Tríade
   Na história da poesia do Ocidente, o ensaio do sociólogo e crítico francês Roger Bastide define e situa o poeta de Desterro, incluindo-o na tríade composta ainda por Mallarmé e Stefan George. Em recente estudo publicado pela Biblioteca Folha, Tasso da Silveira lamenta que no Brasil "é preciso que o estrangeiro nos venha dizer, surpreso, que em nós encontrou algo de surpreendente e admirável. Sem o que não acreditaremos nunca".
   Para Iaponan Soares, pesquisador especializado na poesia e vida cruzsouseana, Cruz e Sousa é a metáfora empreendedora do homem catarinense. Além de ter exercido fortes influências no exterior, deixou marcas irrefutáveis na poesia brasileira, marcando a produção de Augusto dos Anjos, Carlos de Fernandes e do catarinense Ernani Rosas, que chegou a publicar "Rictos da Cruz", em alusão ao Poeta Negro.
    No Rio Grande do Sul, o poeta Alceu Wamosy teve em Cruz e Sousa seu maior ídolo, estimulando também ensaios da crítica gaúcha.
   Na última semana, o senador Esperidião Amin, um apaixonado pelo poeta catarinense descobriu via Ministério de Relações Exteriores um livro da "Antologia da Poesia Brasileira" publicada em Pequim, na China, em 1994. Com seleção de poemas de Antônio Carlos Secchin e tradução de Zhao Deming, o livro destaca os poemas "O Assinalado" e "Cárcere das Almas".
   Em Chapecó (SC), berço da confraria do esperanto no Brasil, foi publicada uma edição bilíngüe dos "Sonetos da Noite", com seleção de Silveira de Souza e xilogravuras de Hugo Mund Júnior.
   Na língua espanhola há publicações em pelo menos três países. Uruguai, Argentina, Peru e Espanha. No Uruguai foi editado "La Poesia de Cruz e Sousa", em 1950, do Instituto de Cultura Uruguaio-brasileiro com estudos de alguns poemas. No Peru há uma antologia com 26 poemas do simbolistas brasileiro. O livro, com tradução de Javier Sologueren, foi publicado em Lima pelo Centro de Estudios Brasileños. Em Buenos Aires foi publicada, em 1922, a "Antologia de Poetas Líricos Brasileiros", com os poemas La Hija de Mis sueños e Domus Aurea, traduzidos por Francisco Soto y Calvo.
Maior acervo
    Nem Iaponan Soares, que reúne o maior acervo sobre a obra de Cruz e Sousa, possui todos os poemas do poeta publicados no exterior. Não há nada, por exemplo, de publicações em inglês, "embora seguramente ele tenha sido traduzido e editado na língua americana". Soares também tem conhecimento de publicações na Alemanha e na Romênia. Na Itália, o poeta catarinense foi publicado pela editora Casa Editrice Maia-Siena, no livro "Un Secolo Di Poesia Brasiliana", com traduções de Mercedes Valle e Enzio Volture. Na França, entre outras publicações, foi editado o "Poèmes du Brésil", em 1985. Com traduções de Bernard Lorraine, Cruz e Sousa aparece com o poema "Âme Blessée".
    Na França há outras publicações. Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), há também 15 poemas traduzidos para o francês pela estudante africana da Costa do Marfim, Anasthasie Adjoua Angoran, que podem ser publicados ainda este ano pela Editora da UFSC, embora a tendência seja a publicação dos 26 poemas editados em Lima, em 1989, com tradução de Javier S

 DESAFIO CONTRA A ORDEM E O PROGRESSO
   Desbravadores do Simbolismo empunhavam a lança contra a sociedade positivista e pregavam o mundo sensorial. O movimento nasceu do desconforto de alguns espíritos
   O Simbolismo é de origem francesa. As primeiras flores nasceram nos anos 80 e 90 do século passado. Charles Baudelaire (1821-67), em "Flores do Mal", mais precisamente em suas  Correspondances, torna-se um dos desbravadores do estilo que empunhava a lança contra a sociedade positivista e pregava o mundo sensorial, subjetivo, litúrgico, absoluto, longe de ser um esquema da poesia burocrata dos parnasianos. Arthur Rimbaud (1854-91), outro importante francês simbolista, desafiou os princípios da ordem e progresso em voga com uma frase em que exprime a que veio o Simbolismo: "O poeta é um vidente por um longo, imenso e irracional desregramento de todos os sentidos".
   Baudelaire, Rimbaud, Stephane Mallarmé (1842-1867) e Paul Verlaine (1844-1889) formaram os paradigmas do Simbolismo, observa a doutora em letras Lígia Cademartori, autora do livro "Períodos Literários" (Editora Ática). "A partir desses poetas, a poesia ocidental vive um momento em que a objetividade cede lugar à evocação sugestiva e musical. Há na poesia um clima de mistério. A única certeza é de que o mundo não revela o que, efetivamente, é. As grandes experiências estão na proporção direta do desvendamento do mistério. A palavra presta-se a isso, sendo capaz de estabelecer relações e criar correspondências entre o abstrato e o concreto."
   No Brasil, o Simbolismo é inaugurado em 1893 com a publicação dos livros de Cruz e Sousa (1861-98) "Missal", em prosa, e "Broquéis", poesias. Além do catarinense, outro poeta destacado é Alphonsus de Guimarães (1870-1921).

PAIXÃO E SONHO
   Os simbolistas aparecem logo após uma segunda fase da revolução industrial estabelecer como princípios ideológicos o cientificismo, o determinismo, o realismo impessoal, de acordo com o crítico literário Alfredo Bosi, em seus estudos publicados em "História Concisa da Literatura".
   Contrários à idéia predominante do objetivismo dos positivistas, que encaravam o fato acima do sujeito, o Simbolismo busca a apreensão direta de valores transcendentais, como o bem, o belo, o verdadeiro, o sagrado, de acordo com Bosi. "... As suas armas vão ser as da paixão e do sonho, forças incônscias que a arte deveria suscitar magicamente."
   O intelectual e artista catarinense Rodrigo de Haro ressalta que o Simbolismo nasce diante do desconforto de alguns espíritos frente à frieza da civilização industrial. "Os simbolistas tiveram a audácia reacionária de se opor ao que entusiasmava 90% da cultura da época. É como se hoje você negasse tudo que está aí, essa tecnologia de ponta, todo esse mundo maravilhoso que se abre seria lixo. Eles se voltaram para o mundo imaginário, fantástico, fabuloso, tentando exorcizar o mundo da civilização industrial, que dominava."
   Passado mais de um século, a crítica literária oficial brasileira tenta reduzir o Simbolismo porque ele não tinha origem nacional, de acordo com Rodrigo. "E o que são as origens nacionais? Considero que reduzem o Simbolismo porque ele foi uma linha estética que valorizava elementos malditos. Exaltava elementos noturnos, proibidos, ocultos, procurava a noite, queria desestabilizar a tranqüilidade áurea do mundo do Olavo Bilac (poeta paranasiano). Era o mundo da inquietação, do tormento da alma." (OG)
Um quê de romântico, um quê de parnasiano
 Simbolistas mantinham acentuado gosto pelo vocabulário litúrgico e religioso, imprimindo em seus textos misticismo e espiritualidade ausentes no Romantismo
 O crítico literário Alfredo Bosi lembra que os românticos haviam expressado o inconformismo e o desgosto pelas soluções racionalistas e mecânicas, um comportamento típico da burguesia industrial em ascensão na França e Inglaterra. Os simbolistas, situa Bosi, recusaram, assim como os românticos, limitar a arte ao objeto ou simplesmente à técnica de produzi-la. "Queriam ir além e tocar, com poesia, um fundo comum que sustentaria os fenômenos, seja ele chamado Natureza, Absoluto, Deus, Nada." ("História Concisa da Literatura")
  Ainda que se aproximem dos românticos também pela linguagem subjetivista, os simbolistas mantinham acentuado gosto pelo vocabulário litúrgico e religioso, imprimindo nos textos misticismo e espiritualidade ausentes no Romantismo, lembra o estudioso Douglas Tufano, na página 172 de "Estudos da Literatura Brasileira" (Editora Moderna).
   Os parnasianos foram os principais inimigos dos simbolistas. Explica Tufano, no entanto, que os parnasianos queriam a palavra exata ou o termo que melhor descrevesse um objeto, enquanto os simbolistas alcançavam esse mesmo objetivo estético quando se pautavam para elaborar versos musicais. "O poema, emocional e ardente, era como o coração diluído nas estrofes", argumenta. O paranasiano comparava o poeta a um ourives, conforme Tufano, e o simbolista o aproxima de um músico. "Valia na escrita o poder de evocar sentimentos e emoções, mas não com o sentimentalismo choroso e superficial dos românticos e sim com os profundos anseios que atormentam o espírito sensível do poeta."
   Bosi argumenta também porque os simbolistas não se sobrepuseram aos paranasianos. "Porque o Parnasianismo era o estilo das camadas dirigentes, da burocracia culta e semiculta, das profissões habituadas a conceber a poesia como 'linguagem ornada', conforme os padrões consagrados que garantiam o bom gosto da imitação", ironiza.
    Em "Estilos de Época na Literatura", o teórico Proença Filho lembra que os simbolistas brasileiros encontraram um ambiente nada favorável. "Era a hora e a vez dos paranasianos. A oposição chegou a ser hostil", destaca.
   Doutor em literatura e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Antonio Carlos Secchin observa que o Simbolismo foi o único movimento que precisou conviver simultaneamente com seus inimigos. "Todos os outros liquidavam seus opositores e se tornavam hegemônicos. Na época do Simbolismo, havia convivência de forças antagônicas."
   O próprio Cruz e Sousa, conforme Secchin, apresenta poemas parnasianos no começo da carreira e também se exibe a princípio como um mero e pobre imitador da poética romântica de Castro Alves. "A partir de 'Broquéis', o poeta se torna um general simbolista, embora tenha mantido em seu armamento munição parnasiana, que só desaparece definitivamente em 'Últimos Sonetos'."
   Os resultados formais dos simbolistas foram ouvidos mais tarde pelas vanguardas do século 20. Mallarmé, na França, influenciou Paul Valéry, de acordo com Bosi, para quem do Simbolismo "restou um modo de entender e fazer poesia". No Brasil, alguns modernistas também escutaram o canto do Cisne Negro. Cecília Meirelles, observa Secchin, evoca em sua poesia modernista os sons da poética souseana, embora a maioria da sua geração tenha dado as costas ao Simbolismo. Cecília é considerada neosimbolista. (OG)

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“MISSAL” E “BROQUÉIS”, DE CRUZ E SOUZA
  ANÁLISE DA OBRA
   A publicação das obras Missal e Broquéis em 1893, marca o início do Simbolismo no Brasil. Missal e Broquéis só não passaram despercebidas, enquanto obras, por força de uma pequena parte da crítica e de um público ainda mais restrito. O mérito só veio com o tempo e com o reconhecimento da genialidade de seu autor. Cabe lembrar que a poesia brasileira praticamente desconhecia a prosa entre suas publicações, poucos ou quase ninguém havia lido Charles Baudelaire, aliás um dos iniciadores do Simbolismo, o que obrigou a um certo estranhamento quanto a Missal. Mesmo Broquéis recebeu do público e da crítica opiniões divergentes. Foi atacado por José Veríssimo e exaltado por Sílvio Romero, e pareceu chocar os leitores acostumados com a poesia parnasiana, nitidamente dominadora naquele momento.
   Os poemas de Cruz e Sousa abandonam o significado explícito e lógico para buscar a ilogicidade e a sugestão vaga, regras, aliás, de fundamental importância para a poética simbolista. A multiplicidade de imagens e de sonoridades gera uma explosão sensorial no leitor, conduzindo-o a um estado de espanto geral e de choque diante do inusitado. As imagens, aparentemente inconciliáveis, múltiplas e repetidas, despertam um psiquismo intenso. Essa fusão de abstrações cria o sensorialismo simbolista e faz brotar a novidade.

ALGUNS TEXTOS COMENTADOS DE MISSAL
     Os poemas de Missal são escritos em prosa. O Simbolismo ainda é algo latente nessas realizações, não atingindo o grau de musicalidade, plasticidade e sugestão desejados. Por ser ainda a primeira obra de Cruz e Sousa na linha simbolista, não consegue atingir a sublimidade e a alquimia verbal de suas realizações posteriores. Vale mais como registro do que realmente como referência do Simbolismo no Brasil. Mesmo que saibamos da influência da poesia em prosa de Charles Baudelaire sobre Cruz e Sousa, são raros os momentos de genialidade dessa obra, se compararmos com os textos do grande mestre francês. Essas influências são ainda tênues, mais frutos da paixão do que da inspiração irmanada. Falta, sem dúvida, o brilho e os rasgos da impetuosidade baudelairiana a Cruz e Sousa nesses poemas. Essa força só poderá ser melhor admirada, indiscutivelmente, nos versos de Broquéis.
   Ainda que não nos caiba julgar os motivos que levaram à adoção de Missal, não nos parece coerente essa decisão dos examinadores que, ao contrário de atrair os jovens leitores. tende a afastá-los ainda mais desse grande poeta que é Cruz e Sousa.

Texto 1 - Oração ao Sol
   Sol, rei astral, deus dos sidéreos Azuis, que fazes cantar de luz os prados verdes, cantar as águas! Sol imortal, pagão, que simbolizas a Vida, a Fecundidade! Luminoso sangue original que alimentas o pulmão da Terra, o Seio virgem da Natureza! Lá do alto zimbório catedralesco de onde refulges e triunfas, ouve esta Oração que te consagro neste branco Missal da excelsa Religião da Arte, esmaltado no marfim ebúrneo das iluminuras do Pensamento.
   Permite que um instante repouse na calma das Idéias, concentre cultualmente o Espírito, como no recolhido silêncio de igrejas góticas, e deixe lá fora, no rumor do mundo, o tropel infernal dos homens ferozmente rugindo e bramando sob a cerrada metralha acesa das formidandas paixões sangrentas.
   Ó radiante orientalista do firmamento! Supremo artista grego das formas indeléveis e prefulgentes da Luz! pelo exotismo asiático desses deslumbramentos, pelos majestosos cerimoniais da basílica celeste a que tu presides, que esta Oração vá, suba e penetre os etéreos paços esplendorosos e lá para sempre vibre, se eternize através das forças firmes, num som álacre, cantante, de clarim proclamador e guerreiro.
Comentários:   Esse longo poema em prosa representa uma espécie de ‘profissão de fé’ dentro da obra de Cruz e Sousa, já que estabelece muitíssimo bem sua intenção simbolista. O mesmo ocorre no poema de abertura de Broquéis, Antífona”. E interessante destacar que essa invocação do sol tem a força de uma oração ou pedido para realizar seus poemas sem a interferência daqueles que detêm o poder sobre o mundo dos homens e das artes. O mesmo ocorre na epígrafe de Baudelaire utilizada em Broquéis.

Texto 2 - Os Cânticos
  No templo branco, que os mármores augustos e as cinzeluras douradas esmaltam e solenizam com resplandecência, dentre a profusão suntuosa das luzes, suavíssimas vozes cantam.
   Coros edênicos inefavelmente desprendem-se de gargantas límpidas, em finas pratas de som, que parecem dar ainda mais brancura e sonoridade à vastidão do templo sonoro.
   E as vozes sobem claras, cantantes, luminosas como astros.
   Cristos aristocráticos de marfim lavrado, como fidalgos e desfalecidos príncipes medievos apaixonados, emudecem diante dos Cânticos, da grande exaltação de amor que se desprende das vozes em fios sutilíssimos de voluptuosa harmonia.
   O seu sangue delicado, ricamente trabalhado) em rubim, mais viso, mais luminoso e vermelho fulge ao clarão das velas.
   Dir-se-ia que esse rubim de sangue palpita, aceso mais intensamente no colorido rubro pele luxúria dos Cânticos, que despertam, ciliciando, todas as virgindades da Carne.
   Fortes, violentas rajadas de sons perpassam convulsamente nos violoncelos, enquanto que as vozes se elevam, sobem, num veemente desejo, quase impuras, maculadas quase, numa intenção de nudez.
   E, através da volúpia das sedas e damascos pesados que ornamentam o templo, das luzes adormentadoras. dos perturbadores incensos, da opulência festiva dos paramentos dos altares e dos sacerdotes, das egrégias músicas sacras, sente-se impressionativamente pairar em tudo a volúpia maior - a volúpia branca dos Cânticos.
Comentários:  Apesar de empregar o misticismo e algumas palavras do vocabulário simbolista, o texto mostra nítida inspiração parnasiana. principalmente por sua construção de imagens mais precisas e detalhadas. Em certos momentos, sentimo-nos diante de um poema de construção clássica, até mesmo pelo rigor descritivo e pela economia de figuras.

ESTRUTURA DE BROQUÉIS
   Broquéis apresenta 54 poemas, sendo 47 sonetos. Os versos são decassílahos rimados, variando-se o esquema de rimas.
   Esboços de atmosfera vaga: Em Sonhos, Monja, Carnal e Místico, Lua, Primeira Comunhão, Velhas Tristezas, Vesperal, Cristais, Sinfonias do Ocaso, Música Misteriosa, Ângelus, Sonata, Incensos e Luz Dolorosa. Nesses poemas há predominância do branco, imagens cósmicas e uma musicalidade etérea.
Metalinguagem - Antífona, Siderações, Clamando, Sonho Branco, Torre de Ouro, Sonhador, Foederis Arca, Post Mortem, Supremo Desejo e Tortura Eterna. Nesses poemas há a tematização do ato poético ou da condição do poeta. Em todos eles, busca-se valorizar as intenções da poesia simbolista: vaga, abstrata, musical, sensorial.

Erotismo sensual - Lésbia, Múmia, Lubricidade, Braços, Encarnação, Tulipa Real, Dança do Ventre, Dilacerações, Sentimentos Carnais e Serpente de Cabelos. Em Cruz e Sousa, o erotismo é algo densamente carnal, de natureza física. Com isso, as imagens de sensualidade perdem algumas vezes o caráter vago da poesia simbolista para aproximarem-se mais do Expressionismo, devido mesmo a certas deformações e acumulações metafóricas. Sua influência, entretanto, é Baulelaire.

Erotismo espiritual - Canção da Formosura, Beleza Morta, Deusa Serena, Flor do Mar, Alda e Lembranças Apagadas. Nesses poemas, o amor é platonizado, ganhando dimensão mais etérea e abstrata. Os tons bruscos e rudes do erotismo sensual desvanecem­se, atingindo luminosidades e retomando os matizes variados do branco.

Retratos extravagantes - Satã, Afra, Judia, Tuberculosa, Regenerada, Rebelado e Majestade Caída. Esses poemas mostram imagens algumas vezes radicalmente fortes, traços de anormalidade ou extravagância são acentuados. A exceção fica por conta de “Tuberculosa”, cuja composição é nitidamente simbolista. Os demais denotam influência parnasiana.

Visões místicas - Cristo de Bronze, Regina Coeli, Noiva da Agonia, Visão da Morte e Aparição. Esse grupo de poemas traduz claramente o misticismo simbolista.

Alegorias pessimistas - A Dor e Acrobata da Dor. Os dois poemas mostram tendência parnasiana. O segundo emprega “sintaxe meio clássica” e talvez seja a composição mais parnasiana de Broquéis, o que em nada perturba o seu virtuosismo sonoro.

Análise de Broquéis
   Primeiramente, devemos levar em conta que Cruz e Sousa foi chamado pelo crítico Tristão de Ataíde de “poeta solar”, por causa da predominância do branco e de claridades em seus poemas. Usando e abusando de substantivos e adjetivos que denotam a presença quase constante do branco em todos os seus matizes, Cruz e Sousa deixou patente sua obsessão por essa cor, chegando, em certos momentos, a tornar evidente para os leitores a sugestão de vazio. Essa era a pretensão do Simbolismo enquanto estética: chegar ao vago absoluto, à imprecisão completa. Os versos abaixo, que abrem o livro, são um bom exemplo disso:
"Ó Formas alvas, brancas. Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!...
Ó Formas vagas, tinidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras..." (Antífona)
    Afinal, do que estará o poeta falando? De nada, já que sua intenção é justamente criar o inusitado, a sugestão absoluta do branco. Para tanto, emprega redundantemente expressões e palavras que sugerem clareza: “alvas”, “brancas”, “claras”, “de luares”, “de neves”, “de neblinas”. Deixa ainda mais patente a busca do vago em: “formas vagas”, “fluidas”, “cristalinas”. “Incensos”. Já transparece aqui outro recurso predominante na poética desse simbolista, que é o emprego de vocabulário das liturgias religiosas: “turíbulos” e “aras”, ou seja, vasos utilizados nas celebrações para se queimar incenso e os próprios altares dessas liturgias.
   Aproveitaremos os mesmos versos para falarmos da musicalidade, outra característica simbolista. A musicalidade desses versos nasce de três decorrências:
   A primeira é aparente - o emprego das rimas (esquema ABBA), que brota da influência clássica do Parnasianismo e que não foi abandonada por Cruz e Sousa quanto aos aspectos formais do poema. Devemos notar que ele emprega rimas ricas. No caso, adjetivo e substantivo, entre o primeiro e o quarto versos, e substantivo e adjetivo, entre o segundo e terceiro versos.
   A segunda nasce do emprego de uma figura de construção, a assonância, muito utilizada no Simbolismo, que consiste na repetição da vogal, no caso a vogal “a”, como podemos perceber no primeiro verso: “Ó Formas alvas, brancas, Formas claras”
   A terceira, bem menos evidente que as demais, surge com o emprego dos versos harmônicos, que consistiriam num processo de justaposição cumulativa de imagens e “de sons simultâneos, de palavras isoladas que vibram sem conexão sintática”. Os versos que compõem a estrofe não apresentam verbos, são frases nominais, que parecem se unir numa densa imagem ilógica, abstrata, mas que mantêm uma cadência sonora. Cada expressão ou palavra parece vibrar e ganhar sentido no termo seguinte, criando uma densa melodia. Esse esquema de construção predomina em Broquéis.
   Outros temas representam verdadeira obsessão em Cruz e Sousa e, por conseqüência em Broquéis: amor, morte, sonho, fantasia, quimera, mulher, crepúsculo, lírio, noite, música. O amor e a morte são evidentes heranças românticas, já que o Simbolismo representa uma retomada do “mal do século”. Entretanto, encontramos uma predominância do erotismo sobre o platonismo. Em vários momentos a imagem de pureza da mulher não consegue evitar que o eu-lírico extrapole seus idealismos e exponha seus desejos carnais. Símbolo maior desse erotismo, que povoa a poesia de Cruz e Sousa, encontramos em Lésbia, sua representação máxima:
“Cróton selvagem, tinhorão lascivo,
Planta mortal, carnívora, sangrenta.
Da tua carne báquica rebenta
A vermelha explosão de um sangue vivo.”
    Nem sempre, porém, a mulher é vista como um ser carnal e corpóreo, sendo algumas vezes representada pela feminilidade da lua, por exemplo:
“Então, ó Monja branca dos espaços,
Parece que abres para mim os braços,
Fria, de joelhos, trêmula, rezando...” (Monja)
“E ondulam névoas. cetinosas rendas
De virginais, de prónubas alvuras...
Vagam aladas e visões e lendas
No flórido noivado das Alturas...(Lua)
   Outra característica de Broquéis é o emprego da sinédoque, já que o poeta utiliza partes do corpo humano para representá-lo inteiro:
“Braços nervosos, brancas opulências.
Brumais brancuras, fúlgidas brancuras,
Alvuras castas, virginais alvuras,
Lactescências das raras lactescências.” (Braços)
   Outro elemento importante em toda a obra é o misticismo, que se apresenta numa intensidade quase dominante na maior parte dos poemas. A alma do poeta parece repleta de uma mística que segue o ritual de suas imagens, quase sempre aéreas, voláteis. Mesmo o elemento mundano sofre profunda transformação, ganhando leveza e brilho. Uma misteriosa música parece dominar os sentidos, refletindo os acordes de um hino religioso. Por isso os poemas assemelham-se tanto, são compassos de uma mesma música que vai conduzindo o leitor pelo universo mais íntimo do artista. Mesmo o vocabulário, tantas vezes repetido denota que o acorde de um verso, de um poema, parece continuar em outro, tantas vezes repetido, como num ladainha que vai ganhando intensidade e novas cores. Esse processo reiterativo é enfim um recurso formal que possibilita o entendimento de Broquéis.
“Pelos raios fluídicos, diluentes
Dos Astros, pelos trêmulos velários,
Cantam Sonhos de místicos templários,
De ermitões e de ascetas reverentes...
Cânticos vagos, infinitos, aéreos
Fluir parecem dos Azuis etéreos.
Dentre os nevoeiros do luar tinindo...” (Música Misteriosa)

   Em diversos poemas, encontramos a presença da metalinguagem, ou seja, o discurso poético voltado ao seu próprio fazer. Tomamos como exemplo uma estrofe de Antífona que é uma espécie de profissão de fé do Simbolismo:
“Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastro
Sonoramente, luminosamente.”
    Toda essa inventividade lingüística gerou um certo espanto no público da época e ainda vem arrancando exclamações dos leitores incrédulos diante dessa polifonia simbolista. Mas, estejamos certos de que é do novo que brota a modernidade, é do espanto que nascem a genialidade e a criatividade e é de tudo isso que germina a poesia etérea e misteriosa de Cruz e Sousa.

Alguns textos comentados de Broquéis

Antífona
Ó Formas alvas, brancas. Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!...
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras...
Formas do Amor, constelarmente puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas...
Indefiníveis músicas supremas.
Harmonias da Cor e do Perfume
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas.
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...
Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...
Infinitos espíritos dispersos,
inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.
Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Versos, pelos versos cantem.
Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.
Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...
Cristais diluídos de clarões álacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos,
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...
Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...
Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte...

     O poema em versos decassílabos dispostos em quadras (ou quartetos) é uma espécie de "profissão de fé" da poesia simbolista, verdadeiro texto-programa das intenções de Cruz e Sousa. Nele encontramos os objetivos da poética decadentista, tais como o absolutamente vago, a musicalidade, o misticismo, a evasão e o pessimismo. O título significa um versículo recitado antes de um salmo, o que por si só já traduz o misticismo do autor. O poema, como um todo, segue a proposta de Verlaine de apenas sugerir e nunca nomear os objetos. Está também presente a metalinguagem, já que há uma verdadeira exaltação à forma e à função da palavra. Estão ainda presentes a sinestesia, as aliterações e as assonâncias. A predominância de frases nominais sugere a presença dos versos harmônicos, já que o primeiro verbo só aparecerá no final da terceira estrofe. O "poeta solar" já deixa também evidente sua predileção exagerada pelo branco, sugerido na primeira estrofe em todos os seus matizes.

Texto 2 - Siderações
Para as Estrelas de cristais gelados
As ânsias e os desejos vão subindo,
Galgando azuis e siderais noivados
De nuvens brancas a amplidão vestindo...
Num cortejo de cânticos alados
Os arcanjos. cítaras ferindo,
Passam, das vestes nos troféus prateados,
As asas de ouro finamente abrindo...
Dos etéreos turíbulos de neve
Claro incenso aromal. límpido e leve.
Ondas nevoentas de Visões levanta...
E as ânsias e os desejos infinitos
Vão com os arcanjos formulando ritos
Da eternidade que nos Astros canta...
Comentários: O soneto em versos decassílabos representa bem o caráter vago da poesia de Cruz e Sousa, que procura construir através do cruzamento de sensações (sinestesias) imagens sugestivas do céu. O caráter abstrato é obtido pelo emprego da visão (emprego de cores e luminosidades), audição (sons de instrumentos e cânticos) e olfato (aroma do incenso). É interessante notarmos que o ritmo do poema é lento, acompanhando uma espécie de bailado em forma ascendente até soltar-se completamente no último verso.


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