O REALISMO; REFLEXÕES SOBRE MACHADO DE ASSIS

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MACHADO DE ASSIS, UM AUTOR À FRENTE DE SEU TEMPO
   A obra de Machado continua a impressionar, 100 anos depois de sua morte, por traçar um retrato crítico da sociedade brasileira de seu tempo e antecipar questões que parecem escritas para o leitor de hoje.
 O centenário da morte de Machado de Assis, em 2008, foi marcado por inúmeras homenagens a esse que é considerado o maior escritor brasileiro. Sua obra continua a impressionar o leitor de hoje porque, como dizem os críticos, parece ficar mais atual à medida que o tempo passa. Os textos de Machado abordam, com visão aguda e de forma elaborada, vários aspectos da vida humana.
   É fácil perceber, em seus livros, a fina ironia e o senso de humor que não são deixados de lado nem mesmo quando se trata de assuntos graves. Essas características, que formam parte importante do legado do escritor, estão presentes com grande força em suas obras mais importantes, entre as quais os romances Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro.
   Se atualmente a ficção de Machado é cada vez mais estudada e admirada, isso não significa que ele não tenha obtido também grande reconhecimento em vida. Seus contemporâneos admitiram o talento do autor, que foi dos mais respeitados na sociedade brasileira letrada do fim do século XIX e início do XX.
   Sua própria trajetória de vida surpreende. De origem humilde, escreveu uma obra sofisticada, na qual transparece grande conhecimento acerca da literatura clássica e de alguns dos mais importantes escritores de sua época. Tanto em sua biografia quanto em sua obra, Machado de Assis parece desafiar os clichês e as frases feitas.
PRIMEIROS PASSOS
   Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro, em 21 de junho de 1839, filho de Francisco José Machado de Assis, pintor de paredes carioca, descendente de escravos mulatos alforriados, e de sua mulher, Maria Leopoldina, lavadeira portuguesa da ilha de São Miguel.
Teve uma infância difícil no morro do Livramento, onde foi criado. Perdeu a mãe bem cedo e depois a irmã mais nova. Quase mais nada se sabe de sua infância e adolescência, exceto que teria sido coroinha, auxiliando o padre nas missas rezadas na igreja da Lampadosa. Sem ter recursos para freqüentar boas escolas, dedicou-se a estudar como pôde. Era autodidata.
   Ainda não havia completado 16 anos quando publicou o primeiro trabalho literário, na revista Marmota Fluminense. No número de 12 de janeiro de 1855, saiu seu poema Ela. Aprendeu os idiomas francês e inglês. Ingressou na Imprensa Nacional em 1856, como aprendiz de tipógrafo, e lá conheceu o escritor Manuel Antônio de Almeida. O autor de Memórias de um Sargento de Milícias se tornaria seu protetor. Depois, trabalhou como revisor e passou a escrever para vários órgãos de imprensa.
   Em 1862 começou a colaborar em O Futuro, órgão dirigido por Faustino Xavier de Novais, irmão de sua futura mulher. Publicou o volume Teatro, que se compõe das comédias O Protocolo e O Caminho da Porta, em 1863, e seu primeiro livro de poesias saiu um ano depois, com o nome de Crisálidas.
   Foi nomeado ajudante do diretor de publicação do Diário Oficial em 1867. Em agosto de 1869, o chefe e amigo Faustino Xavier de Novais morreu. Menos de três meses depois, em 12 de novembro de 1869, Machado de Assis se casou com a irmã dele, a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novais.
PUBLICAÇÃO EM JORNAIS E REVISTAS
   Incentivado pela mulher, lançou seu primeiro romance, Ressurreição, em 1872. Pouco depois, obteve a nomeação como primeiro oficial da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. A carreira no serviço público foi, até o fim da vida, seu principal meio de sobrevivência. Mas manteve sempre a atividade jornalística, como redator de notícias e também como ficcionista. Boa parte de seus romances e contos, antes de serem publicados em forma de livro, foi editada em jornais e em revistas literárias em que Machado era colaborador.
   Em 1881 saiu o livro que daria uma nova direção a sua carreira literária: Memórias Póstumas de Brás Cubas, que publicara em folhetins na Revista Brasileira, de 15 de março a 15 de dezembro de 1880, considerado o marco de início do realismo no Brasil.
   Do grupo de intelectuais que se reuniam na redação da Revista Brasileira, surgiu a idéia de criação da Academia Brasileira de Letras (ABL), que Machado de Assis apoiou desde o início. Ao ser fundada a instituição, em 28 de janeiro de 1897, foi eleito seu presidente. Dedicou-se à ABL até morrer.
   A obra de Machado de Assis impressiona por abranger praticamente todos os gêneros literários. Na poesia iniciou com o romantismo de Crisálidas (1864) e Falenas (1870), passando pelo indianismo em Americanas (1875) e pelo parnasianismo em Ocidentais (publicado pela primeira vez no volume Poesias Completas, em 1901).
    Ao mesmo tempo, lançou as coletâneas Contos Fluminenses (1870) e Histórias da Meia-Noite (1873), entre outras, e os romances Ressurreição (1872), A Mão e a Luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878), que foram considerados do seu período romântico.
    Suas obras-primas vieram em seguida: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908). Em 1904 morreu a fiel companheira e incentivadora Carolina Xavier de Novais, a quem ele dedicou um de seus melhores poemas, Carolina. Doente, solitário e abatido com a perda da mulher, Machado de Assis morreu em 29 de setembro de 1908, de câncer, em sua velha casa no bairro carioca do Cosme Velho.
ROMANTISMO X REALISMO?
   Machado de Assis ocupa lugar único na literatura brasileira. Em sua época, foi algumas vezes criticado porque se dizia que não abordava as grandes questões sociais e nacionais. Posteriormente, novos estudos fizeram uma reavaliação de sua obra, que é vista agora como extremamente crítica e expressiva de transformações profundas na sociedade brasileira a partir do fim do século XIX.
   É a sua genialidade que levou muitos especialistas a dizer que Machado talvez seja mais compreendido pelo leitor de hoje, 100 anos depois de sua morte, do que por seus contemporâneos.
   O lugar diferenciado deve-se também à impossibilidade de rotular Machado, de forma estrita, em uma corrente literária. Como foi dito, seus primeiros romances são em geral identificados com o romantismo. No entanto, essa classificação é problemática, porque passa uma visão estreita a respeito de uma obra bastante complexa.
   Lidos com atenção, há em seus romances iniciais várias indicações de que se trata de um escritor com grande consciência de um projeto literário mais amplo, que, já naquele momento, ultrapassava o horizonte dos autores do romantismo. As histórias ditas românticas esboçam várias das questões que Machado viria a desenvolver nas obras chamadas de realistas. É o caso dos temas da ascensão social, do ciúme e do papel subalterno que a sociedade patriarcal reservava à mulher.
   Félix, personagem principal de Ressurreição, primeiro romance do escritor, contém várias das características do homem conservador e inseguro que se verá, de forma mais acabada, em Bento Santiago, protagonista de Dom Casmurro. Ambos são figuras que expressam grande temor diante de situações novas às quais estão confrontados, como a emergência de mulheres independentes, que têm opinião própria e abalam seu velho mundo.
    No próprio prefácio de Ressurreição, Machado estabelece distância da narrativa romântica convencional ao escrever: “Não quis fazer romance de costumes; tentei o esboço de uma situação e o contraste de dois caracteres; com esses simples elementos busquei o interesse do livro”.
     De maneira sutil, mas firme, o escritor chama atenção aqui para o fato de que seu objetivo é aprofundar as características dos personagens e das situações por que passam, e não simplesmente entreter o leitor. De todo modo, as metas ambiciosas de Machado não o levaram a se distanciar do público, que recebeu bem a obra desde o lançamento. A crítica da época também fez elogios ao romance.
AMPLITUDE DE QUESTÕES
    Os livros de sua fase madura, a partir de Memórias Póstumas de Brás Cubas, antecipam procedimentos e temas que só viriam a se desenvolver plenamente no modernismo. Neles, revela-se um autor com pleno domínio de elementos narrativos, como o monólogo interior, além do desenvolvimento de temáticas, como a situação do agregado e dos tipos que compõem a classe dominante brasileira.
    Um dos pontos altos de sua obra, destacado por leitores comuns e críticos, é a análise que faz da alma humana. Pode-se dizer que o Rio de Janeiro de Machado era diferente do de hoje, mas aspectos da natureza do homem não mudaram: ele continua a ser egoísta, vaidoso, indeciso e repleto de complexos. Por isso tudo, a classificação de Machado de Assis como escritor realista tem uma função didática, porque o situa no período histórico em que viveu e escreveu, mas não dá conta da amplitude de questões abordadas em seus livros. Esse é, aliás, um bom exemplo de como não basta saber a que escola literária determinado autor está vinculado para conhecer de fato sua obra. Cada escritor tem sua especificidade e nada substitui a leitura direta de seus textos. Isso é ainda mais válido no caso de um grande autor.
   Machado de Assis é considerado um dos grandes autores da literatura de língua portuguesa. Sua obra, que serve de inspiração para muitos outros artistas, foi e continua sendo adaptada em trabalhos para a TV, o teatro e o cinema.



O NARRADOR DE MACHADO DE ASSIS E A DESCONSTRUÇÃO DO ROMANCE  ROMÂNTICO EM A MÃO E A LUVA
Alex Alves Fogal
RESUMO
   Os romances iniciais de Machado de Assis têm sido considerados por parte significativa da crítica como dotados de uma poética romântica, os quais se distinguem dos romances maduros, compostos a partir de uma poética realista. De acordo com essa visão, nesses últimos se encontraria maior refinamento na composição de eventos e personagens e, ao mesmo tempo, maior capacidade de reflexão sobre o método de composição. O intuito é apresentar uma interpretação dos romances dessa fase inicial a partir da análise do modo pelo qual o narrador do romance A mão e a luva (1874) o estrutura como forma, ou seja, busca-se demonstrar uma tensão: se por um lado se vê traços românticos na trama, no comportamento de alguns personagens e em certas referências literárias, por outro se nota que são inseridas reflexões que desarticulam tais características. A partir disso é possível observar um movimento ambíguo promovido pelo narrador: ele dá forma a um enredo tipicamente romântico, mas, ao mesmo tempo, desarticula essa forma por dentro, promovendo, assim, a desconstrução do dispositivo romântico. Isso ocorre
porque a forma do romance acolhe dois princípios (a rigor) distintos, a narração e a reflexão, e ambos são ativados pelo mesmo elemento: o narrador. Pretendo construir uma linha de interpretação que destaca os aspectos anti-românticos de um romance que foi canonizado como representativo daquela escola. Acredito ser possível visualizar nos romances iniciais a “coluna vertebral” dos romances finais do autor, mostrando que já se encontra neles um olhar que rejeita o“olhar virginal” sobre a linguagem e o mundo.
Palavras Chave:  Forma do romance, Machado de Assis, romances  iniciais, Romantismo,Realismo.
INTRODUÇÃO
   Grande parte da crítica literária brasileira que analisou a obra machadiana considera seus livros iniciais como obras calcadas pela estética dos romances românticos. Tal afirmativa sempre se fundamenta apenas na análise do enredo e no estilo de inguagem de tais produções literárias.
   A partir disso, se estabelece tradicionalmente uma divisão de sua obra em duas fases, sendo que esta primeira seria a chamada “fase romântica” do autor e a segunda é comumente conceituada como “fase realista” ou “fase madura”. De acordo com essa visão, nesses últimos se encontraria maior refinamento na composição dos elementos que estruturam a obra, como os eventos e os personagens e, ao mesmo tempo, maior capacidade de reflexão sobre o método de composição. Partindo desse ponto de vista, os romances da dita “fase madura” seriam estruturados por uma forma crítica e reflexiva, fundamentada pelos movimentos exegéticos do narrador, enquanto os primeiros seriam produções literárias construídas a partir de uma estética “água com açúcar”, semelhante ao que pode ser observado nos romances puramente folhetinescos.
   O intuito do presente trabalho é apresentar uma interpretação crítica dessa chamada fase inicial, a partir da análise do modo pelo qual o narrador do romance A mão e a luva (1874) o estruturacomo forma, ou seja, analisar algumas estratégias e elementos formais que dão fundamento ao movimento narrativo observado no texto. Tal trabalho analítico será importante para que se alcance o objetivo central do trabalho, que é demonstrar como é possível observar nessa obra uma tensão interior: se por um lado são observáveis traços românticos na trama, no tema, no comportamento de alguns personagens e em certas referências literárias, por outro se nota que é inserida uma série de reflexões que desarticulam tais características. Assim sendo, acredito que seja possível demonstrar um movimento ambíguo promovido pelo narrador: ele dá forma a um enredo tipicamente romântico, mas, ao mesmo tempo, desarticula essa forma por dentro, promovendo, assim, a desconstrução do dispositivo romântico. Isso ocorre porque a forma do romance acolhe dois princípios (a rigor) distintos, a narração e a reflexão, e ambos são ativados pelo mesmo elemento: o narrador. Dessa maneira, pretendo construir uma linha de interpretação diversa no caso em questão, destacando os aspectos anti-românticos de um romance que foi canonizado pela crítica como obra representativa daquela escola, uma vez que a análise cuidadosa do texto e o amparo de alguns teóricos selecionados para o desenvolvimento do trabalho proporcionam a fundamentação dessa perspectiva.
   Para o alcance de tal objetivo será necessário o desenvolvimento de uma outra questão, diretamente ligada ao ponto central do trabalho, que é a possibilidade de constatar nesses romances da chamada fase inicial de Machado de Assis, o “gérmen da forma” que, conforme muitos acreditam, só aparecerá na sua produção literária posterior. Tal ponto é importante para a discussão do tema, já que dessa maneira se solidifica a busca por uma perspectiva que privilegia a continuidade e não a ruptura no que tange a obra machadiana. É evidente que os romances posteriores do autor apresentam também consideráveis distinções no que diz respeito à forma literária utilizada no método de composição, porém, como já foi dito, o foco é a identificação de uma “coluna vertebral” na produção romanesca de Machado a partir da análise de elementos que possam ser agrupados dentro do que pode ser chamado de uma comum ao narrador machadiano. Parte-se do pressuposto segundo o qual é possível identificar no início de sua criação, um olhar contundente que rejeita o “olhar virginal” e os “óculos cor - de- rosa” do mundo e da linguagem.
1. A TEORIA DO ROMANCE MACHADIANA
   Nessa parte do trabalho será enfatizado o estudo de uma possível “coluna vertebral” na obra de Machado de Assis, já que a abordagem de tal ponto é um elemento importante para a estruturação do trabalho. Isso pode ser justificado pelo fato de que se entendermos que há mais semelhanças do que diferenças em A Mão e a Luva em relação ao todo da obra machadiana, a tradicional concepção de duas fases (uma romântica e outra realista) na produção romanesca do autor pode ser questionada.
   Para início de questão é necessário atentar para algo muito comum nos romances de Machado de Assis, que são seus prefácios ou advertências.  Muitas vezes eles servem não apenas para  saciar questões relacionadas à edição do livro, mas sim funcionam como verdadeiras chaves de compreensão para que se apreenda melhor o método de composição que estrutura a obra. Tais prefácios demonstram a tendência do autor em exibir uma configuração formal própria, uma vez que seus textos aparentam propor uma teoria do romance proveniente de sua própria gênese.
      O caso de A Mão e a Luva não é diferente em relação à totalidade da obra machadiana. Caso sejam observadas as duas advertências ao leitor que constam na obra, a de 1874 e ade 1907, notaremos que tal prática sempre foi uma constante nas produções literárias do escritor, e mais importante, será possível observar também como há um projeto estético na chamada fase inicial de Machado que se mostra em consonância com o que pode ser observado na sua produção romanesca posterior.
     Na advertência de 1874, o autor inicia seu texto fazendo algumas considerações sobre o romance e as condições do momento de sua escrita, uma vez que justifica a forma da obra a partir do fato desta estar sujeita às urgências da publicação diária, ou seja, foi publicada inicialmente a partir do já conhecido modelo folhetinesco. Machado afirma na advertência que a narração e o estilo da obra padeceram com o método de composição empregado, fora de seus hábitos. Diz ainda que se a tivesse escrito em outras condições, daria a esta um desenvolvimento maior, e algum colorido mais aos caracteres que são esboçados (ASSIS, 1997). Porém, logo a frente o autor se torna mais incisivo e faz apontamentos diretamente ligados à estética do romance:
     Convém dizer que o desenho de tais caracteres  – o de Guiomar, sobretudo, - foi o meu objeto principal, se não exclusivo, servindo-me a ação apenas de tela em que lancei os contornos dos perfis. Incompletos embora, terão eles saídos naturais e verdadeiros? (ASSIS, 1997).
    Nessas colocações do autor é possível notar duas características que podem ser observadas na estrutura narrativa de seus romances posteriores. Uma delas é a tendência de colocar as ações em segundo plano na construção do romance e privilegiar o caráter dos personagens ou sua psicologia. Nesse caso, é possível remeter ao projeto de literatura do autor exibido em seu texto Instinto de Nacionalidade (1997) no qual Machado defende a idéia de que um autor que pretende atingir uma forma literária afim do espírito nacional, deve deixar de se preocupar com questões meramente pictóricas para escrever como homem de sua terra e de seu tempo. Aqui, já se observa também uma idéia de forma estética bastante diversa daquela observável nos romances românticos.
     Outro ponto em comum é o modo de se construir os personagens, com seus perfis incompletos, contraditórios e complexos, o que os diferencia do simples personagem títere ou autômato. Além disso, tal particularidade pode ser enxergada como mais um elemento de divergência em relação ao que se entende como padrão romântico na literatura brasileira, uma  vez que tal tipo de criação literária focaliza o enredo e seus desenlaces ao invés de dar ênfase à constituição psicológica dos personagens. 
     Na advertência de 1907 essa idéia de continuidade aparece de modo ainda mais claro, já que pode ser constatada não apenas pelas considerações que o autor realiza sobre a construção do romance, mas sim, de modo mais direto, quando Machado de Assis afirma que:
      Os trinta e tantos anos decorridos do aparecimento desta novela à reimpressão que ora se faz parece que explicam as diferenças de composição e de maneira do autor. Se este não lhe daria agora a mesma feição, é certo que lha deu outrora, e, ao cabo, tudo pode servir a definir a mesma pessoa. (ASSIS, 1997)
     Nessas palavras do escritor é possível notar como há certa continuidade (apesar de Machado ter deixado claro, e isso já foi dito aqui, que também existem muitas diferenças) no projeto romanesco do autor, o que mais uma vez, torna inadequada a separação de sua obra em duas fases. Contudo, tais semelhanças na narrativa do romancista podem ser vistas não apenas nas advertências que fazem parte do romance, pois são também identificáveis nas técnicas narrativas utilizadas no decorrer do romance.
     Tal questão pode ser melhor fundamentada com base em Ronaldes de Melo  e Souza (2006), que nos mostra como é possível dizer que a composição dramática peculiar aos romances machadianos é um elemento que pode ser visto não apenas no modo de compor o personagem, mas também no método narrativo das obras. Para o crítico: A tese  da originalidade do romance machadiano se demonstra na  elucidação hermenêutica da estrutura conjuntiva e coesa da forma dramática e da mundividencia tragicômica. A concepção do romance como drama de caracteres não se comprova apenas na encenação do conflito do personagem consigo mesmo e com os outros, mas também no comportamento dramático do narrador. O ponto de vista fixo do narrador tradicional desaparece do universo ficcional de Machado de Assis. (SOUZA, 2006, p.9).
     A partir de tais considerações pode-se dizer que a concepção monádica do sujeito metafísico é rompida, já que esse não vai além da personalidade objetivada em determinado discurso. O narrador machadiano apresenta um complexo multiperspectivismo que nos dá a impressão de que este se reveste de várias máscaras, demonstrando uma grande variabilidade de modos de abordar o objeto. Assim sendo, podem ser vistas  em Machado três maneiras desse narrador se metamorfosear para alcançar um método narrativo que não se utiliza de um ponto de vista fixo e limitado, o que distingue a estética de seus romances em relação ao que se observava na literatura
do período: a maneira diegética, a mimética e a exegética.
     No caso da função diegética, pode-se dizer com base na definição platônica, que ocorre quando o narrador apenas se preocupa com o andamento direto do narrativo, ou seja, com seu desenvolvimento. Quando tal função é o que fundamenta a narrativa, o narrador não realiza movimentos de reflexão ou imitação, mas sim apenas exibe um tipo de narrativa simples,  não se metamorfoseia, não se torna outro. No caso da postura mimética, é possível dizer que esta ocorre quando o narrador realiza o movimento de outrar-se, aproximando seu estilo o máximo possível ao da pessoa que fala, ou seja, baseia seu desempenho narrativo em duas funções: a representação e a expressão. Tal concepção de mimese é distinta daquela tradicionalmente concebida, para a qual o termo mais próximo seria imitatio. Já a função exegética pode ser identificada ao momento no qual o narrador realiza reflexões acerca da narrativa simultaneamente ao ato de narrar, estabelecendo um tipo de auto-reflexão.
      Todos esses três tipos de comportamento narrativo podem ser observados no romance A Mão e a Luva, o que também se estende aos demais romances do autor. O primeiro deles pode ser notado logo no início da obra, numa cena na qual a “diegese pura” do narrador é lançada para demonstrar o contraste entre os caracteres dos personagens Estevão e Luís Alves. Ao invés desse narrador dramatizar as falas dos dois amigos num tipo de mimese ou se utilizar de um movimento de reflexão sobre a composição para estabelecer a contraposição entre os dois, pode ser constatada a opção pela narrativa simples:
     “O chá subiu daí a pouco. Estevão, a muito rogo do hóspede, bebeu dousgoles; acendeu um cigarro e entrou a passear ao longo do aposento, enquanto Luís Alves, preferindo um charuto e um sofá, acendeu o primeiro e estirou-se no segundo, cruzando beatificamente as mãos sobre ventre e contemplando o bico das chinelas, com aquela placidez  de um homem a quem não se gorou nenhum namoro. (ASSIS, 1997, p.2)
      Nesse trecho pode ser observado o modo pelo qual o narrador, sem mimetizar ou desnudar a estrutura da narrativa revela a distinção dos perfis dos dois personagens, vide a postura inquieta e pueril de um e a tranqüilidade e frieza de outro. Nessa cena, o primeiro, romântico inveterado, passa por um momento de agonia por não ter seu amor correspondido pela personagem Guiomar, enquanto o segundo faz pouca conta do comportamento destemperado do primeiro. Nesse caso o narrador toma as rédeas da narração e decide focalizar o andamento do que conta.
    Já no caso da função mimética do narrador, pode-se notar na obra uma passagem na qual o narrador  lança mão de tal técnica de maneira bem interessante, quando  se utiliza da  perspectiva e da fala de uma personagem para elucidar o caráter de outra, como ocorre no seguinte trecho envolvendo a governanta Mrs, Oswald e Guiomar:
- Enfim, concluiu a inglesa, custa-me a crer que ela ame a alguém neste mundo. Por enquanto estou que não gosta de ninguém, e a nossa vantagem não é outra senão essa. Sua afilhada tem uma alma singular; passa facilmente do entusiasmo à frieza, e da confiança ao retraimento. Há de vir a amar, mas não creio que tenha grandes paixões, ao menos duradouras. (ASSIS, 1997, p.22.)
     Nota-se nessa cena que envolve as duas personagens, uma técnica narrativa parecida com aquilo que Erich Auerbach chama de “dupla reflexão” na qual, segundo o crítico, a modelagem do ato de narrar se passa totalmente na subjetividade da personagem (AUERBACH, 2009, p.23-25).  No caso de A mão e a Luva, isso ocorre quando Mrs. Oswald nos apresenta uma visão sobre a personalidade de Guiomar que não pode ser constituída como realidade objetiva: é como se a primeira lançasse um holofote sobre o caráter da segunda, assumindo uma função parecida com a do narrador, que, ao invés de colocar seu discurso diretamente no texto, opta por mimetizar a fala e o estilo de um personagem que analisa a situação a partir da perspectiva que esse ocupa na economia do texto.      Observa-se que o narrador assume a visão de um “outro”.
      Distinta das duas anteriores, a função exegética do narrador, pode ser reconhecida como o traço mais peculiar à obra de Machado, o que, logicamente, está presente em A Mão e a Luva. Em determinadas passagens do romance, o narrador realiza algumas reflexões sobre seu método de composição, chamando inclusive, a atenção do leitor para que se junte a ele no pensamento crítico em relação ao texto que compõe. No trecho abaixo, o narrador pede para que o leitor fique atento ao comportamento de Estevão e seus hábitos emoldurados pelos clichês românticos:
      Um leitor perspicaz, como eu suponho que há de ser o leitor desse livro, dispensa que eu lhe conte os muitos planos que ele teceu, diversos e contraditórios, como é de razão em análogas situações. Apenas direi por alto que ele pensou três vezes em morrer, duas vezes em fugir à cidade, quatro em ir afogar a sua dor mortal naquele ainda mais mortal pântano de corrupção em que apodrece e morre tantas vezes a flor da mocidade. (ASSIS, 1997, p.60.)
       A partir de um movimento de auto-reflexão o narrador expõe a estrutura da obra para ironizar a postura do bacharel, que é moldada por esses tipos de arroubos. Nota-se que o narrador busca ressaltar firmemente o tom de senso comum do comportamento de Estevão ao dizer que um leitor dotado de sagacidade “dispensa” que lhe seja dito o que se passou na cabeça do personagem.
      Esse tipo de narrador que privilegia a reflexão sobre a estrutura que compõe a narrativa, será de grande relevância para que seja dada a ênfase no desenho de caracteres, que é algo proposto pelo autor na advertência do romance. Para que se constate isso, basta observar o seguinte trecho da narrativa:
       Sentou-se o bacharel em um banco que ali achou, recebeu a xícara de café, que o escravo lhe trouxe daí a pouco, acendeu um charuto e abriu o livro. O livro era uma  Prática Forense. Demos-lhe razão ao despeito com que o fechou e atirou ao chão, contentando-se com o canto dos pássaros e o cheiro das flores, e a sua imaginação também, que valia as flores e os pássaros. (ASSIS, 1997, p. 12.)
     Aqui a função exegética nos auxilia a enxergar a importância que o narrador relega a um esboço dos caracteres de seus personagens que exiba consistência dentro do contexto ficcional. Como já se sabe, Estevão aparece como um rapaz romântico e dado a frivolidades desde o início do romance o que será uma constante durante toda a trama.
     Portanto, nada mais lógico que um personagem como esse se sentisse enfastiado ao folhear um livro acadêmico ao invés de ouvir o canto dos pássaros ou observar as flores que o rodeiam. Nesse ponto, o narrador dá razão ao rapaz pelo seu comportamento e quase chega a agradecê-lo por se portar dessa maneira, o que facilita o alcance de sua proposta na estética do romance.
     Além disso, tal passagem realiza uma crítica muito clara ao paradigma romântico observável na literatura brasileira no que tange a esse apelo pelo pictórico, pela descrição da natureza como fator fundamental para a formação de uma literatura nacional. Desse ponto de vista, é possível enxergar aqui dois pontos importantes para o desenvolvimento e fundamentação deste trabalho. Um deles é a visualização desse projeto estético do romance que perpassa a obra de Machado de Assis, já que se remetermos novamente a seus textos críticos, veremos que o escritor sempre teve como base a premissa de que não é se servindo unicamente da natureza americana e do manancial que a paisagem da terra oferece, que se fará literatura brasileira, ou seja, não basta uma descrição objetiva do Brasil e seus aspectos físicos, mas sim escrever como homem de seu tempo e de seu
país (ASSIS, 1997, p.801- 805). O outro ponto é a desconstrução do dispositivo romântico no interior da narrativa, o que, de início, já nos leva para uma via diferente da crítica que classifica A Mão e a Luva como romance romântico.
2- A FORMA MINADA POR DENTRO
     Torna-se importante agora, entender de que modo esse elemento romântico que de algum modo confundiu uma parte da crítica aparece em A Mão e a Luva, uma vez que sua presença é inegável no romance, mas é importante saber que lhe é dado um tratamento peculiar e nada ingênuo.
     Logo no início da obra podem ser observados dois exemplos importantes para visualizar isso mais claramente. Os dois exemplos, como não poderia deixar de ser, estão relacionados ao então estudante de direito Estevão, que como se sabe, incorpora em seu comportamento os principais traços do romantismo piegas. No primeiro trecho, Estevão acaba de ter mais uma desilusão amorosa com Guiomar e estava a pedir os conselhos do racional e frio Luís Alves, seu amigo e companheiro de faculdade. Após muitas lamentações e pedidos de morte, o narrador ironicamente aborda os momentos de “convalescença psicológica” de Estevão:
    A natureza tem suas leis imperiosas; e o homem, ser complexo, vive não só do que ama, mas também (força é dizê-lo) do que come. Sirva isto de escusa ao nosso estudante, que almoçou nesse dia, como nos anteriores, bastando dizer em seu abono, que, se o não fez com lágrimas, também o não fez alegre. (ASSIS, 1997, p.6)
       Após observar tal ponto da narrativa fica claro como o narrador enxerga esse sentimentalismo forçado da postura do personagem, pois segundo se observa no texto, tal atitude não reflete aquilo que se entende como essência do ser humano, que mesmo depois da maior desilusão, é capaz de almoçar tranquilamente no dia seguinte. Além disso, nota-se claramente a teoria de construção do personagem recorrente em Machado, que consiste em representar os indivíduos como um plexo de pulsões.
     Em outro trecho, o narrador realiza um movimento narrativo parecido, no entanto, o que se observa é uma reflexão sobre o método de composição da obra , que conforme se notará, foge aos padrões dos romances românticos:
     Duas vezes viu ele a formosa Guiomar, antes de seguir para São Paulo. Da primeira sentiu-se ainda abalado, porque a ferida não cicatrizara de todo; da segunda, pôde encará-la sem perturbação. Era melhor,  - mais romântico pelo menos, que eu o pusesse a caminho da academia, com o desespero no coração, lavado em lágrimas, ou a bebê-las em silêncio, como lhe pedia a sua dignidade de homem. Mas o que lhe hei de eu fazer? Ele foi daqui com os olhos enxutos, distraindo-se dos tédios da viagem com alguma pilhéria de rapaz,  - rapaz outra vez, como dantes. (ASSIS, 1997, p.7)
      Aqui fica bem claro que o narrador se interessa por narrar as coisas como elas aparentam ser e não como poderiam ser vistas como mais românticas ou mais belas, realizando um tipo de ironia formal. Notamos que a construção da narrativa não pretende instaurar uma iluminação cor-de-rosa sobre o que se narra, uma vez que é nítida uma contraposição entre a visão de mundo do narrador e do personagem Estevão. Um exemplo que ilustra bem essa distinção de perspectiva é quando o narrador constrói a imagem de Guiomar vista pelos olhos do personagem, para logo depois, abster-se da descrição:
    Ele via-a ao pé de si, cingia-lhe o braço em volta da cintura, enchia-lhe de beijos os cabelos, tudo isto em meio de uma paisagem única na Terra, porque a abundância da natureza cresceria ao contato daquele sentimento puro, casto e eterno. Não falo eu leitor, transcrevo apenas e fielmente as imaginações do namorado; fixo nesta folha  de papel os vôos que ele abria por esse espaço fora, única ventura que lhes era permitida. (ASSIS, 1997, p.88.)
     É possível dizer que a linguagem utilizada em vários trechos da obra possui certo tom romântico, no entanto, isso é feito pelo narrador de forma irônica, ou seja, o narrador não acredita no próprio estilo que emprega, já que faz isso apenas por questões de estrutura formal. Por exemplo, quando pesa a mão na pieguice ao narrar passagens que envolvem o jovem estudante apaixonado:          
    “Estevão, apanhado em flagrante delito de admiração, não da flor, mas da mão que a sustinha,- uma deliciosa mão, que devia ser por força a que se perdeu da Vênus de Milo”. (ASSIS, 1997, p.17.)    
      Nessas duas passagens, observa-se que o narrador pretende apenas manter a consistência da psicologia e do discurso de seus personagens.
      Contudo, o que é mais importante analisar a partir de exemplos como esses é de que modo  o narrador importa elementos do figurino romântico para que a forma seja minada a partir de seu interior, ou seja,  como tais elementos são incorporados na narrativa para que esses possam ser desconstruídos de maneira mais consistente e sutil (GUIMARÃES, 2004, p. 131).Conforme podemos ver no estudo de Hélio de Seixas Guimarães (2004), “diante desse novo universo, a postura do narrador aparece bastante alterada. Ele não se coloca mais em constante oposição ao seu interlocutor, mas passa a narrativa buscando sua cumplicidade e tentando entabular acordos.” (GUIMARÃES, 2004, p.139.) Com base nisso, se pode dizer que, na verdade, A Mão e a Luva estaria mais para uma construção romanesca anti-romântica, pois os elementos provenientes de tal forma
literária apenas aparecem para serem distorcidos ironicamente, tanto num tipo de ironia verbal quanto formal.
      Segundo o crítico, o narrador entretece o leitor com afagos e elogios para aumentar sua confiabilidade e afrouxar a capacidade crítica do leitor. Mas qual razão teria nisso? Para Hélio de Seixas “no empenho de aproximar-se e estabelecer cumplicidade com o leitor, o narrador a todo momento o induz a identificar-se com as personagens, positiva e negativamente.” (GUIMARÃES, 2004, p.142.) Nota-se que a tendência dos leitores menos atentos é se identificar com Estevão, o que segundo o crítico, seria um modo de corrigir esse leitor romântico, corrigindo-o pelo riso, pelo constante deboche que o narrador trata o personagem. Segundo essa idéia, o narrador estaria realizando uma aproximação do leitor com os temas românticos para atingi-los (tanto os temas quanto os leitores afeitos a esses tipos de leituras) de modo mais efetivo, para rir melhor desse interlocutor ingênuo. Na seguinte passagem pode-se notar isso de modo mais concreto:
      Na noite do casamento, quem olhasse para o lado do mar, veria pouco distante dos grupos de curiosos, atraídos pela festa de uma casa grande e rica, um vulto de homem sentado sobre uma lájea que acaso topara ali. Quem está afeito a ler romances, e leu esta narrativa desde o começo, supõe logo que esse homem podia ser Estevão. Era ele. (ASSIS, 1997, p.105.)
Nesse trecho, temos a noite do casamento de Luís Alves, o antigo companheiro de
       Estevão e Guiomar, objeto das paixões do romântico bacharel. Nota-se que o narrador, ao já esperar que o leitor saiba que o vulto que se encontra desolado na cena é Estevão, faz inferênciasao tipo de romances que esse seu interlocutor tem o hábito de ler. Dessa maneira, o narrador do romance, ao invés de exibir uma postura franca e aberta em relação a esse leitor de romances românticos, opta por realizar isso a partir do interior, da forma da obra. No caso de A Mão e a Luva, o narrador empresta ao leitor os óculos cor-derosa de Estevão para apontar as distorções do romantismo, que aparece como sinônimo de afetação e  frivolidade (GUIMARÃES, 2004, p.144). Desse ponto de vista, é possível dizer que em seu segundo romance, Machado de Assis adota uma forma um pouco diferente daquela que se observa em seu primeiro romance, já que não busca mais interferir com tanta força e desenvoltura no texto, deixando que o leitor de algum modo se sinta mais à vontade para vestir a carapuça que o narrador arma. 
CONCLUSÃO
       A partir desses rápidos apontamentos sobre o narrador de  A Mão e a Luva  e a análise do modo pelo qual o dispositivo romântico é configurado na forma do romance, é possível dizer que o romance apresenta um método de composição que apresenta mais pontos em comuns do que diferenças em relação ao projeto estético romanesco de Machado. Além disso, é pertinente dizer também que o elemento romântico ou os temas do romantismo aparecem na obra apenas para que sejam deformados dentro do plano ficcional.
     Esses dois pontos aos quais foi possível chegar demonstram que a divisão da obra do autor em uma fase romântica e uma fase realista ou madura é um modo não muito eficiente para entender a  produção romanesca de Machado de Assis, uma vez que o gérmen da forma que será desenvolvida ao longo de sua criação (e que evidentemente escapa dos moldes dos romances românticos) já está em seus primeiros romances. Além disso, foi possível notar que o dispositivo romântico é utilizado nesses chamados romances iniciais apenas como ferramenta para desconfigurar uma estética romanesca reconhecida como anacrônica na literatura e na sociedade brasileira.


ENTRE A GRAVIDADE E O RISO: ROMANTISMO E IRONIA NA CRÍTICA LITERÁRIA DE MACHADO DE ASSIS
Edilson dos Santos*
Resumo
O  Romantismo  ocupa  um  lugar  importante  na  crítica  literária  de  Machado  de  Assis.  Esse Romantismo é tratado sob um duplo enfoque: ora com seriedade, ora com ironia. Neste artigo, faremos um breve estudo da crítica literária de Machado de Assis e da presença do Romantismo
no interior dessa crítica. Tomamos por base excertos dos romances Memórias Póstumas de Brás
Cubas  e  Dom Casmurro, excertos do poema “Pálida Elvira” e excertos do conto “A mulher
pálida”. Baseamo-nos nas teorias de Bakhtin e Lélia Parreira Duarte sobre a ironia. Orientam-nos
os seguintes objetivos: elencar e analisar razões para as críticas de Machado ao Romantismo,
apontar e discutir as razões que levam Machado a mover a sua crítica para o plano da ficção.
Palavras-chave: Machado de Assis, Crítica, Romantismo, Poesia Romântica, Ironia.
 1 INTRODUÇÃO
     Na obra de Machado de Assis, a presença de uma crítica literária individualizada e de uma crítica
literária indireta, exercida por meio da ironia, de algum modo nos permite afirmar que a crítica
literária machadiana se apresenta sob dupla face. Tal fenômeno, por um lado, coloca em xeque a
afirmação de Mário de Alencar (apud Assis, 1959, p. 9), para quem Machado abandonou a crítica
literária, e, por outro, corrobora a afirmação de Tristão de Ataíde (apud Assis, 1962, p. 784), segundo o qual Machado conduziu a crítica para o plano do romance. Nos dois momentos dessa crítica, o Romantismo se fez presente. Isso está bem exemplificado no conto “A mulher pálida”, no poema “Pálida Elvira”, nos romances Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas e nas várias análises que Machado de Assis fez de livros de poetas românticos.  Tais  críticas  ao  Romantismo, conquanto  não  sejam  recorrentes, são  significativas  para  o entendimento da obra crítica de Machado de Assis: primeiro, porque leva o pesquisador a analisar a leitura que Machado fazia do Romantismo e como essa leitura serviu para orientar o seu processo de criação; segundo, porque conduz o leitor a uma leitura do contexto social em que se move essa crítica. Neste estudo, fazemos uma leitura da crítica literária de Machado de Assis centrada no Romantismo. Partindo de uma divisão dessa crítica literária em dois momentos – a crítica séria e a oblíqua –, intentamos mostrar algumas das artimanhas de Machado de Assis para levar adiante seu trabalho de crítico literário. Assim, procuramos discorrer sobre três questões: a) as razões das
críticas de Machado ao Romantismo; b) as razões que teriam levado o escritor a conduzir para o
plano da ficção as críticas ao Romantismo; e c) a condução da crítica indireta (irônica) nos
excertos das obras em questão.
2 CRÍTICA MACHADIANA E AS RAZÕES
    O Machado de Assis crítico de poeta romântico pode ser visto em dois momentos de sua obra.
No primeiro momento, ele analisa os versos de poetas como Álvares de Azevedo, Fagundes Varela,
Junqueira Freire e Castro Alves. Aí, estão estudos como “O ideal do crítico” (1865), “A nova geração” (1879) e “Notícia da atual literatura brasileira – instinto de nacionalidade” (1873), nos quais pode ser vista uma preocupação constante de Machado de Assis: a construção de uma identidade literária. No que aqui entendemos como segundo momento dessa crítica, o poeta romântico ainda merece a atenção de Machado de Assis. No entanto, o crítico aí passa também a valorizar o leitor. É o que se verifica nos romances Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas, no conto “A mulher pálida” e no poema “Pálida Elvira”.
     Do primeiro momento da crítica machadiana para o segundo, percebemos uma mudança na postura do crítico: se no começo ele exercia uma crítica, em que era visível a seriedade com que se dirige ao  Romantismo, num segundo momento o temos, ainda, atento  aos problemas  do Romantismo, mas valendo-se do recurso da ironia para enfocá-los. Tristão de Ataíde (1962), em seu artigo “Machado de Assis, o crítico”, que integra o volume 3 da Obra Completa de Machado de Assis, organizada por Afrânio Coutinho, afirma que Machado de Assis, depois de um longo exercício da crítica literária, exercida de modo individualizado, transferiu-a para o romance. A leitura atenta da crítica literária machadiana comprova isso, mas revela, por outro lado, uma questão instigante: a presença do Romantismo nos dois momentos dessa crítica. Diante disso, um primeiro problema se impõe: apontar razões para as críticas de Machado ao Romantismo.
     Um modo de se iniciar essa escalada pelas razões das críticas de Machado ao Romantismo é lembrando que, durante o Romantismo e posteriormente, esteve em voga no Brasil, no campo Literário, o projeto de criação de uma identidade nacional, que ganhou força, sobretudo com a independência do Brasil. Duas perguntas orientavam, de certo modo, as discussões literárias da época: o que é ser nacional?  Como ser nacional? Nesse contexto, ganham força as discussões em torno da imitação e da originalidade, já que se discute a formação de uma literatura que pudesse ser, de fato, brasileira. Uma primeira constatação de alguns intelectuais é que o brasileiro é um imitador do estrangeiro. Ferdinand Denis (1978) já o notara. E também Machado de Assis e Silvio Romero; Romero que, em nome da valorização da cor local, questionará o estatuto de escritor de Machado de Assis, acusando-o de imitador da literatura inglesa. Parte dessa crítica pode ser lida no trecho:... uma pequena elite intelectual separou-se notavelmente do grosso da população, e, ao passo que esta permanece quase inteiramente inculta, aquela, sendo em especial dotada da faculdade de aprender e imitar, atirou-se a copiar na política e nas letras quanta coisa foi encontrada no Velho Mundo, e chegamos hoje ao ponto de termos uma literatura e uma política exóticas, que vivem e procriam em uma estufa, sem relações com o ambiente e a
temperatura exterior” (Romero, 1897, p. 121).
    Antes, porém, de  elencarmos  possíveis  razões  para  as  críticas  de  Machado  de  Assis  ao Romantismo, deixemos claro que o escritor, ao longo de sua obra, não critica o Romantismo como um todo, mas aqueles clichês da escola, os quais, infelizmente, não podiam formar uma identidade literária.
    Isso posto, parece plausível afirmar que uma primeira razão das críticas de Machado de Assis ao Romantismo está na onda de imitação servil que essa “escola”, feitas sempre as exceções, deu curso no Brasil, num tempo em que se buscava uma literatura que, de fato, pudesse se traduzir numa identidade brasileira. A simples imitação das obras literárias produzidas na Europa traía o projeto de construção de uma identidade nacional. E isso Machado de Assis, logo no começo de sua atividade de crítico, compreendeu e combateu. Na crônica intitulada “Folhetinista”, de 1859, ataca ferinamente o afrancesamento do Brasil e exalta a necessidade de valorizar a cor local:
  Em geral o folhetinista aqui é todo parisiense; torce-se a um estilo estranho, e esquece-se,nas suas divagações sobre o boulevard e café Tortoni, de que está sobre um mac-adam lamacento e com uma grossa tenda lírica no meio de um deserto, problema que seria resolvido se tal folhetim tomasse mais cor local, mais feição americana. Faria assim menos
mal à independência nacional do espírito nacional, tão preso a essas limitações, a esses
arremedos, a esse suicídio de originalidade e iniciativa (Assis, 1962, p. 960).
A mesma visão de Machado de Assis sobre a imitação se verifica em outra passagem em que ele critica  a  imitação  que  certos  literatos  brasileiros  faziam  do  poeta  inglês  Lord  Byron. Ofir Bergemann de Aguiar (1999) afirma que Byron era um poeta muito lido no Brasil, tendo sido traduzido por Álvares de Azevedo, Fagundes Varela e pelo próprio Machado de Assis. No entanto, poucas vezes a influência de Byron se converte em criação original. Machado de Assis, no estudo que faz do livro Cantos e Fantasias, do poeta romântico Fagundes Varela, se refere ao problema:
... adoeceram, não da moléstia do cantor de Don Juan, mas de outra diversa, que não
procedia, nem das disposições morais, nem das circunstâncias da vida. A consequência era natural; esse desespero do poeta inglês (...) não existia realmente nos seus imitadores; assim, enquanto ele operava o milagre de fazer do cepticismo um elemento poético, os seus imitadores apenas vazavam em formas elegantes um tema invariável. Tomaram-se de uns ares, que  nem  eram  melancólicos, nem  alegres, mas  que  exprimiam  certo  estado  de imaginação, nocivos aos interesses da própria originalidade (Assis, 1962, p. 858).
   Se, por um lado, há os que fazem simples imitação, por outro, temos os que, na tentativa de
fazerem literatura nacional, caem no “nacionalismo de vocabulário”, já que as suas obras não têm aquela “invenção” defendida por Machado. Tal visão, equivocada, sobre o nacionalismo é criticada no artigo “Notícia atual da literatura brasileira – instinto de nacionalidade”:
     Há também uma parte da poesia que, justamente preocupada com a cor local, cai muitas
vezes numa funesta ilusão. Um poeta não é nacional só porque insere nos seus versos
muitos nomes de flores ou aves do país, o que pode dar uma nacionalidade de vocabulário e
nada mais. (...) Aprecia-se a cor local, mas é preciso que a imaginação lhe dê os seus toques, e que esses sejam naturais, não de acarreto (Assis, 1962, p. 807).
O mesmo equívoco cometiam outros que não valorizavam o passado literário de uma literatura. No artigo “O ideal do crítico”, percebemos que Machado não estende sua crítica a todo o Romantismo, mas a certos maneirismos românticos, que limitavam a criação de uma literatura nacional. Atento a seu projeto de crítica literária, que deveria ser um farol para os verdadeiros talentos, Machado olha com reserva a “ruptura” pregada pelos novos e os ensina a valorizar o que há de elevado na produção literária de qualquer época:
... se as preferências do crítico são pela escola romântica, não cumpre condenar, só por isso, as obras-primas que a tradição clássica nos legou, nem as obras meditadas que a musa moderna inspira; do mesmo modo devem os clássicos fazer justiça às boas obras dos românticos e dos realistas, tão  inteira justiça, como estes devem  fazer  às boas obras
daqueles. Pode haver um homem de bem no corpo de um maometano, pode haver uma verdade na obra de um realista. A minha admiração pelo Cid não fez obscurecer as belezas
de Ruy Blas (Assis, 1962, p. 800).
Uma literatura é o constante diálogo com outras literaturas. Mas também o diálogo com a tradição dessa própria literatura para se chegar a um pecúlio comum. Visto por aí, entenderemos que uma das razões para a crítica de Machado de Assis ao Romantismo, pregado por alguns no Brasil, se deve justamente ao fato de nele não se valorizar a Língua Portuguesa como o patrimônio de uma identidade literária. A criação de uma identidade literária não se faz sem a valorização do idioma.
Atento a isso, Machado de Assis empreendeu uma crítica ao afrancesamento da Língua Portuguesa. Do mesmo modo, sem cair nos extremos do “isso é correto”, “isso é errado”, chamou a atenção em sua crítica para a necessidade de conhecer a Língua Portuguesa. No capítulo “A língua”, do artigo “Notícia atual da literatura brasileira – instinto de nacionalidade”, critica mais uma vez oexcesso de liberdade no uso do idioma, ao mesmo tempo em que exalta a necessidade de conhecer o passado e o presente de uma língua, a mesma observação que faz sobre a importância da tradição como elemento estruturante do moderno:
Cada  tempo  tem  seu  estilo. Mas  estudar-lhes  as  formas  mais  apuradas  de  linguagem, desentranhar deles mil riquezas, que, à força de velhas se fazem novas – não me parece que se deva desprezar. Nem tudo tinham os antigos, nem tudo tem os modernos; com os haveres de uns e de outros é que se enriquece o pecúlio comum (Assis, 1962, p. 809).
“Cada tempo tem seu estilo”, observa Machado de Assis, referindo-se à língua. Mas o artista da palavra também deve valorizar o tempo. Assim, sem perder de vista que a forma, a exemplo da Língua  Portuguesa, tem  um  lugar  especial  na  crítica  machadiana, preferimos  destacar, em consonância com o seu ideal de arte, que o tempo para ele é o grande aliado do artista. Ao tratar do  Cantos e Fantasias de Fagundes Varela, já aqui citado, elogia os belos versos do poeta, mas critica-lhe a pressa, a desatenção ao tempo. E essa crítica age justamente contra a onda de improvisação, de inspiração, que alguns poetas românticos desavisados, entre os quais o próprio Varela, levaram ao extremo. Nas críticas ao poeta romântico, está, sem dúvida, um dos pilares da criação literária machadiana: o tempo, o aliado daquele que busca construir obra duradoura. Machado recomenda ao poeta a necessidade de revisar e emendar alguns versos (Assis, 1962, p.
860). A pressa, o improviso e o cultivo da inspiração não contribuem para a formação de uma obra
que possa ser, no futuro, a identidade do país. Essa mesma valorização do tempo, interpretada
como mero exercício parnasiano por alguns, continuará orientando, mais tarde, o trabalho de
Machado de Assis no que se refere ao leitor – e aqui está outro enfoque da crítica machadiana –, que também não deve ter pressa, deve ser ruminante, para que vá buscando nas entrelinhas o que não aparece no plano superficial.
3 UM  CRÍTICO  OCULTO
   Falar de um crítico oculto equivale a repetir que Machado de Assis, impedido de exercer uma crítica direta, buscará uma estratégia para manter essa crítica em sua obra: conduzi-la para o plano da ficção, espaço em que, sob o capote da ironia, e em companhia do leitor, manterá as restrições a uma produção literária orientada por um Romantismo marcado pela falta de invenção e de sinceridade. Isso posto, deve-se retomar um problema inicial: o que teria motivado essa inflexão na crítica literária machadiana? Uma possível razão para a mudança no modo de conduzir a críticatalvez se explique pelo fato de o Romantismo continuar existindo no interior de escolas como o Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo, conforme assinala Machado de Assis no seu artigo “Nova geração” e no livro Memórias Póstumas de Brás Cubas.
   No entanto, além dessa crítica, em que Machado coloca em questão não apenas o Romantismo, mas  também  as  escolas  que  o  combatiam, é  preciso  considerar  também  a  recepção  pouco favorável de sua crítica literária séria. Assim, parece plausível afirmar que a presença de uma crítica literária no plano da produção ficcional também se dá em função da recepção que a sua crítica literária, exercida de modo individualizado, vinha tendo. Reflexo dessa recepção pode ser lido em carta, de 1868, de Machado de Assis a José de Alencar. Nela, é flagrante a sensação de fracasso de Machado, que vê caindo por terra o seu projeto de crítico, pelo qual esperava contribuir para a formação de uma identidade literária brasileira:
     Confesso francamente, que, encetando os meus ensaios de crítica, fui movido pela ideia de contribuir  com  alguma  coisa  para  a  reforma  do  gosto  que  ia  se  perdendo, e  agora
definitivamente se perde. Meus limitadíssimos esforços não podiam impedir o tremendo
desastre. Como impedi-lo, se, por influência irresistível, o mal vinha de fora, e se impunha no espírito literário do país, ainda mal formado e quase sem consciência de si? Era difícil plantar as leis do gosto, onde se havia estabelecido uma sombra de literatura, sem alento nem ideal, falseada e frívola, mal imitada e mal copiada (Assis, 1962, p. 895).
    Mário de Alencar (1959), organizador da Crítica literária, de Machado de Assis, na sua “Advertência da edição de 1910”, argumenta que Machado de Assis, por não ter vocação para a polêmica, abandona a crítica individualizada e passa a exercer uma crítica geral dos homens. Essa parece ser mais uma razão que explica o trânsito, do sério para o riso, que se opera na crítica literária machadiana. E concordar com Mário de Alencar equivale a aludirmos aqui às polêmicas literárias em voga no século XIX. Na época, ficaram conhecidas as querelas literárias envolvendo José de  Alencar e Gonçalves de Magalhães, Camilo Castelo Branco e Carlos de Laet; o próprio Machado esteve envolvido em discussões literárias com Eça de Queirós e Sílvio Romero. Sem vocação para polêmicas, é possível que tenha preferido conduzir para o plano ficcional a sua crítica literária.
   Entretanto, se se admite que Machado de Assis evita polêmicas literárias e, ainda, se tal projeto crítico, de algum modo se vê minado, há que se considerar que o escritor buscará outra estratégia, tal como aqui estamos defendendo, para manter em curso a sua crítica literária. Pensando-se nessa perspectiva, é possível afirmar que Machado, impossibilitado de exercer a crítica de modo direto,buscou outra via, baseada na ironia, no interior da qual o leitor se revela como o grande aliado do escritor. Por meio da ironia, sobretudo a romântica, Machado de Assis aponta e questiona aqueles problemas fomentados pelo Romantismo: o sentimentalismo, a valorização da morte, a inspiração.
    No próprio corpo obra literária, o escritor desenvolve a sua crítica numa constante reflexão,
valendo-se da ironia romântica que, segundo Ferraz (1987), ... abarca dois planos da manifestação literária oitocentista. Um envolvia a reformulação do fazer literário e o questionar desse fazer (...) o outro pressupõe a reformulação do conceito de “inspiração” tal como ele tinha atravessado o século (...) (Ferraz, 1987, p. 39).
    Sem se dissociar da ironia, outro recurso utilizado por Machado de Assis, na sua crítica indireta, irônica, são os personagens leitores, os quais Machado costuma dividir em dois grupos: os frívolos (os românticos) e os perspicazes (os não-românticos). Não obstante se refira a esses dois nichos de leitores, parece ser possível afirmar que a maioria dos leitores estava longe de ter aquela perspicácia esperada por Machado de Assis, já pelo ensino de má qualidade ministrado nas escolas, já pelo alto índice de analfabetismo presente na época. Mostrando o reflexo da educação na capacidade crítica dos leitores, Luiza Lobo (1987, p. 16), no estudo que faz das aquisições da Biblioteca Nacional do Rio no século XIX, afirma que os romances mais lidos eram justamente os “mais melosos”. Ainda segundo a autora, é possível traçar-se o perfil do intelectual daquele século XIX, muito mais dado a fazer citação de trechos do que ler a obra integralmente: “Não é de se estranhar, pois, ao ver o passado da cultura brasileira, que o intelectual aqui, especialmente nas universidades, viva mais de citações que de leituras” (p. 17). Antonio Candido (2000) também aborda o problema. Num tempo em que o baixo número de leitores e as pequenas elites são limitados por um quadro de analfabetismo e “pobreza cultural”, não só o refinamento do gosto sofre limitações, mas também a produção de uma literatura que, pelo seu alto nível de invenção, salvo exceções, seria capaz de traduzir uma identidade brasileira (p. 77).
Pela leitura dos personagens leitores, presentes em alguns livros de Machado de Assis, podemos fazer uma leitura dos leitores presentes na sociedade da época, bem como uma leitura de um problema do mercado editorial: a pouca produção de livros. Em Dom Casmurro, temos Bentinho sendo influenciado pela leitura de obra romântica francesa, que entrou em sua casa, assinala John Gledson (1991), “sob a forma dos romances de Walter Scott” (p. 154). Em Iaiá Garcia, Machado parece sugerir como o empréstimo de livro poderia suprir as carências de um mercado editorial, ao mesmo tempo em que destaca o “leitor de boa casta”, Luís Garcia, homem de escassa cultura,mas que tinha o dom da reflexão. A frivolidade do leitor romântico é destacada no livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, em que o narrador critica a linearidade da narrativa romântica, que se opõe à narrativa ébria de Machado de Assis.
Tudo na verdade se trata de uma reeducação por meio do riso, necessária num tempo em que o leitor vivia numa sociedade em que o ensino estava longe de contribuir para a formação daquele leitor perspicaz de Machado de Assis.
Nesse breve olhar sobre a ironia e o leitor, presentes no novo enfoque da crítica machadiana,
pudemos mostrar que Machado de Assis, impedido de exercer a crítica direta, transfere a sua
crítica para o plano da ficção, no qual a explora sob o capote da ironia. Resta, ainda, mostrar com o narrador machadiano, em conversa com o leitor ou não, coloca sob suspeita os clichês do Romantismo e os de outras escolas ao mesmo tempo em que faz uma reflexão, em alguns casos, sobre a própria criação literária.
3.1 A Desconstrução do Romantismo
Já dissemos que Machado de Assis, de algum modo impossibilitado de exercer a crítica de forma direta, transferiu-a principalmente para o campo dos contos e dos romances. Dissemos também que o leitor passa a ser uma peça fundamental na construção do texto. Aqui, apresentamos excertos em que Machado de Assis critica ironicamente alguns clichês românticos, como a morte e a palidez, e excertos em que o autor, ainda sob o capote do riso, revela o drama do poeta para compor a obra. No primeiro caso, trabalhamos com o poema “Pálida Elvira” e com o conto “A mulher pálida”; no segundo, com os romances  Dom Casmurro e  Memórias Póstumas de Brás Cubas.
No poema “Pálida Elvira”, do livro Falenas, está uma resposta em verso ao mal do Romantismo que dominava o país. À medida que constrói o poema narrativo, Machado, por intermédio de um Narrador, vai chamando a atenção do leitor para os clichês românticos. É flagrante a ironia à musa romântica neste trecho em que o narrador apresenta ao leitor o poeta Heitor:
Um poeta! e de noite! e de capote!/ Que é isso, amigo autor? Leitor amigo,/ Imaginas que
estás num camarote/ Vendo passar em cena um drama antigo./ Sem lança não conheço DomQuixote,/ Sem espada é apócrifo um Rodrigo;/ Herói que às regras clássicas escapa,/ Pode não ser herói, mas tem a capa (Assis, 1962, p. 74).
O cenário não podia ser melhor para o poeta romântico. Ele aparece à noite e usa uma capa. Não tem nada de clássico, mas encarna a imagem do riso, que é a de Dom Quixote. É importante notar como  o  narrador  chama  o  leitor  para  o  desenvolvimento  do  texto, apresentando-o  como desconfiado: “Que é isso, amigo autor?”, escada para o narrador encaixar sua zombaria: “Herói que às regras clássicas escapa”, “Pode não ser herói, mas tem a capa”, o que dá um desfecho inesperado e risível: o mais importante não é o poeta, mas a capa que ele carrega.
Por meio do riso, é possível corrigir. É isso que Machado de Assis, dando à sua crítica uma camada de ironia, faz ao voltar-se para o poeta personagem. Bakhtin (1997) afirma que na Idade Média, na “forma do riso, resolvia-se muito daquilo que era inacessível na forma do sério” (p. 127). O mesmo se pode falar de Machado de Assis em relação ao modismo romântico: pela ironia, ele atacava dois pontos de uma só vez – o leitor e o autor –, peças decisivas na formação de uma consciência literária. Aqui, é importante notar que essa ironia de Machado de Assis é a romântica. Na ironia romântica, explica Lélia Parreira Duarte (2006), o narrador revela ao leitor a “tessitura do texto literário” que é, acima de tudo, “arte, construção, linguagem”, arte que “(...) não se satisfaz com o sério absoluto, pois não quer ser igual à realidade, por isso toma o dito e o decompõe, fragmenta, desestrutura, discute, consciente  da  necessidade  de  distanciamento  do  real”  (p. 212). Ainda segundo a autora, “Um dos grandes recursos da literatura é a ironia. O seu princípio básico é, aliás, o mesmo da literatura: ambas se baseiam na antífrase e/ou na ambiguidade ou na flutuação de sentidos” (p. 153).
     No conto “A mulher pálida”, de Machado de Assis, extraído do livro  Contos selecionados, não datado, o personagem poeta Máximo é visto como uma mistura de poeta, estudante, louco e imitador:
... Ele era poeta; supunha-se grande poeta; em todo caso recitava bem, com certas inflexões langorosas, umas quedas da voz e uns olhos cheios de morte e de vida. Abotoou o paletó com  uma  intenção  chateaubriânica, mas  o  paletó  recusou  a  intenções  estrangeiras  e Literárias. Era um paletó nacional, da rua do Hospício, n... (Assis, s.d., p. 210).
   Logo de saída, o narrador induz o leitor à desconfiança e, portanto, à desconstrução do conto. Máximo quer ser poeta, mas o que dele se aproveita, e parcialmente, é o recital, já que tem na vozas “inflexões langorosas”. A ironia nos leva ao contexto da época. Antonio Candido (2000) afirma que, na literatura do século XIX e início do XX, predominou a tradição do auditório; os poemas, bons ou ruins, alcançavam o público por meio dos recitativos e da musicalização, já que os livros eram poucos  e elevado  o  número de iletrados (p. 76). Prosseguindo, o  narrador revela  um problema do personagem Máximo: a imitação da França. Ele era um imitador de Chateaubriand, uma das predileções dos leitores brasileiros, acostumado aos “folhetins melosos” (Lobo, 1987, p. 16). O desajustamento entre o nacional e o estrangeiro é evidente e é uma crítica direta à mania de cópia que dominava a sociedade brasileira. Instaura-se uma tensão gerada pela loucura do personagem artista presente no nome da rua – Hospício, piscadela de olho que o narrador dá para o leitor, chamando a atenção para a demência do poeta Máximo. O passo seguinte também é sugestivo, pois o narrador continua desconstruindo o personagem poeta à medida que constrói o conto:
    Depois do Suspiro ao luar, veio o Devaneio, obra nebulosa e deliciosa ao mesmo tempo, e ainda o Colo de neve, até que Máximo anunciou uns versos inéditos, compostos de fresco, poucos minutos antes de sair de casa. Imaginem! Todos os ouvidos afiaram-se para tão gulosa especiaria literária. E quando se anunciou que a poesia se intitulava Uma cabana e teu amor – houve um geral murmúrio de admiração (Assis, s.d., p. 210).
   O narrador sabe que se trata de versos langorosos, trivialidades de Romantismo postiço. A lua, satélite dos namorados, tábua de salvação dos poetas românticos, e o “suspiro”, o “devaneio”, a “neve”, tudo isso cria aquela aura romântica, que ainda arrancava aplausos das plateias. O narrador ri-se dos versos e ri da recepção das obras ao mesmo tempo em que desconstrói também a personagem Eulália, a mulher pálida. Afirma que essa palidez foi sendo acentuada, artificialmente, depois que Eulália tomou conhecimento da fortuna de Máximo. A palidez romântica é aqui uma construção que traz no centro um interesse financeiro, o que revela, outra vez, uma mistura risível: dinheiro, criação literária, romantismo vazio. O narrador intervém, lembrando uma tara de Máximo, a sua predileção por mulher pálida numa explícita alusão ao ultrarromantismo de Máximo, vivido na teoria e na prática. O personagem era um “(...) romântico acabado, do grupo clorótico, amava as mulheres pela falta de sangue e de carnes” (Assis, s.d., p. 214). A sua loucura se acentua no fim do conto, pois Máximo quer a mulher mais pálida do mundo. Rejeita todas, inclusive Eulália, e termina louco, exclamando “Pálida, pálida”, refrão que se ajusta perfeitamente a um dos modismos do Romantismo, bem exemplificado numa quadra do “Soneto” do poeta Álvares de Azevedo: “Pálida à luz da lâmpada sombria, / Sobre o leito de flores reclinada, / Como a lua por noite embalsamada, /Entre as nuvens do amor ela dormia!” (Azevedo, 1999, p. 72).
     Em  Dom Casmurro, aparece um refinamento dessa ironia ao poeta. Machado de Assis faz uma reflexão sobre a criação literária, mostrando a trajetória do artista (suas lutas e seus fracassos) na busca dessa arte. Se no começo de sua crítica ele se voltava para o produto final, acabado, em Dom Casmurro, e em outros contos, como “O Erradio” e “Cantiga dos esponsais”, veem-se as idas e vindas do criador na construção de sua obra. Nesse romance, o personagem poeta aparece logo no primeiro capítulo. Pede que Bentinho lhe ouça uns versos. Mais adiante, é o Bentinho que se arrisca na senda da criação. Machado de Assis explorará, aqui, o poeta na construção do poema. O título do capítulo é já por si sugestivo: “Soneto”. Bentinho, logo no começo, alerta que é um soneto que não foi concluído. O primeiro verso veio fácil, relata o personagem: “Oh! Flor do céu! Oh! flor cândida e pura”. A escolha da forma deu-se depois de alguma demora: Não escolhi logo, logo o soneto; a princípio cuidei de outra forma, e tanto de rima quanto de verso solto, mas afinal ative-me ao soneto. Era um poema breve e prestadio. Quanto à idéia, o primeiro verso não era uma ideia, era uma exclamação; a ideia viria depois. Assim na cama, envolvido no lençol, tratei de poetar (Assis, 1999, p. 61).
     O aprendiz de poeta faz projetos, sonha ser um grande poeta. Espera o verso, mas ele não vem. O conhecimento técnico da forma se mostra. Ele se lembra de que os sonetos mais procurados são os que têm a chave de ouro. Uma tensão se dá na cabeça do aluno de poesia e só depois de muito suar, e o verbo suar aqui tem uma conotação de luta, de desespero do artista, surge o verso chave de ouro: “Perde-se a vida, ganha-se a batalha”. Julgando os dois versos, Bentinho antevia um soneto perfeito. Provoca a inspiração, recordando-se de alguns sonetos, conclui que todos se mostravam simples, mas o fracasso do artista já se percebe:
     Então tornava ao meu soneto, e novamente repetia o primeiro verso e esperava o segundo; o segundo não vinha; o segundo não vinha, nem o terceiro, nem quarto; não vinha nenhum. Tive ímpetos de raiva, e mais de uma vez pensei em sair da cama e ir ver tinta e papel; pode ser que escrevendo os versos acudissem, mas... (Assis, 1999, p. 62).
     O aprendiz de poeta inverte o verso já escrito, na esperança de encontrar os outros: “Ganha-se a vida, perde-se a batalha”, uma piscadela de olho do narrador para o fracasso poético de Bentinho, já que ele não conseguirá escrever o soneto:
      Trabalhei em vão, busquei, catei, esperei, não vieram os versos (...) Pois, senhores, nada me consola daquele soneto que não fiz. Mas, como creio que os sonetos existem feitos, como as odes e os dramas e as demais obras de arte, por uma razão de ordem metafísica, dou esses versos ao primeiro desocupado que os quiser. Ao domingo, ou se estiver chovendo, ou na roça, em qualquer ocasião de lazer, pode tentar ver se o soneto sai. Tudo é dar-lhe uma ideia e encher o centro que falta (Assis, 1999, p. 62).
    Revela-se o fracasso de um artista na construção de sua obra. O trabalho árduo é em vão, porque o esforço mental não premia o artista, antes o cansa, o entedia. Emparedado, o pequeno poeta não vai além dos dois versos, que deixa à disposição de quem possa “encher o centro que falta”. É interessante perceber como o crítico literário, ao longo dos anos, refina o seu modo de ver a arte.
Se no começo volta-se para o artista, fazendo uma reflexão sobre a obra por ele produzida, aqui esse crítico se volta para o artista na construção dessa obra.
    O fracasso de Bentinho na escrita do soneto junta-se ao de vários personagens artistas de Machado de Assis. Pestana, personagem da “Cantiga dos esponsais”, não conseguiu compor nada além das polcas, embora tentasse escrever uma peça clássica. Elisiário, personagem do conto “O erradio”, era um poeta talentoso, mas improvisador, errante, sem querer dedicar-se à escrita de uma obra séria.
     Em  Memórias Póstumas de Brás Cubas, o narrador machadiano, sob o capote da ironia, ataca novamente o poeta romântico. Mas é interessante notar que aí o Romantismo e o Realismo são negados conjuntamente, o que caracteriza um Machado de Assis contrário aos modismos das escolas literárias. É o que podemos ver no trecho a seguir, em que o personagem Brás Cubas se mostra como um arlequim, fantasiado de romântico, e negando a postura realista do realismo:
      Ao cabo, era um lindo garção, lindo e audaz, que entrava na vida de botas e esporas, chicote na mão e sangue nas veias, cavalgando um corcel nervoso, rijo, veloz, como o corcel das antigas baladas, que o romantismo foi buscar ao castelo medieval, para dar com ele nas ruas do nosso século. O pior é que o estafaram a tal ponto, que foi preciso deitá-lo à margem, onde o realismo o veio achar, comido de lazeira e verme e, por compaixão, o transportou para seus livros (Assis, 1997, p. 47).
     Com a mesma força, o narrador coloca em xeque o leitor romântico. No capítulo 71, “O senão do livro”, Machado de Assis (1997, p. 134) afirma que a culpa da obra é o leitor que tem “pressa de envelhecer” e ama a narrativa “direita e nutrida”, ao passo que a narrativa machadiana se orienta pela falta de direção, pois que o estilo é “ébrio”. Essas críticas, sem dúvida, questionam o leitor romântico, que não se ajusta às complexidades narrativas. A pressa do público corresponde à precipitação do poeta. Este quer concluir logo a obra, sem preocupação com uma arte, no dizer de Machado de Assis, duradoura; aquele quer concluir logo a leitura, para sorrir ou chorar. Nesta ironia se encontram ecos da crítica séria de Machado de Assis, presente no seu artigo “Notícia atual da literatura brasileira – instinto de nacionalidade”. Lá, ele afirma que um dos grandes problemas dos poetas novos é a pressa, que faz com que eles alcancem os aplausos, mas não uma obra duradoura, cuja elaboração exige maior tempo (Assis, 1962, p. 809).
     A preocupação de Machado de Assis com essa atividade poética apressada está presente também no capítulo “A quarta edição” do referido  Memórias Póstumas de Brás Cubas: “Pois sabei que, naquele tempo, estava eu na quarta edição, revista e emendada, mas ainda inçada de descuidos e barbarismos; defeito  que, aliás, achava  alguma  compensação  no  tipo, que  era  elegante, e  na encadernação, que era luxuosa” (Assis, 1997, p. 88).
   O escritor invoca uma imagem da criação literária para explicar os desconcertos do homem. Ele mesmo chama a isso “Teoria das edições humanas”. Nessa teoria, como se vê, apesar das emendas e correções, o homem prossegue aparentando uma coisa e, por dentro, trazendo outra. Não estaria Machado afirmando ironicamente que, se uma obra, apesar das correções, não consegue atingir um  status de arte, deveria ir ignorada? Considerada, assim, como um organismo, a obra literária pode ser sadia ou não; pode ser um corpo que, independente das intervenções do criador, pode continuar problemática, sem as condições que lhe possam assegurar um status de obra de arte.
4 CONCLUSÃO
    Neste breve estudo, procuramos as razões que levaram Machado de Assis a criticar o poeta romântico. Para isso, partimos do fato de que a crítica machadiana apresenta dois momentos. No primeiro, está o crítico sério que analisa as obras dos poetas a partir de orientações baseadas na forma, na correção gramatical, na clareza das ideias, no bom gosto e no aproveitamento criativo das influências estrangeiras, evitando-se a simples cópia. No segundo, está um Machado de Assis que, pela ironia, ora se ri do poeta, ora se volta para a luta a que ele se entrega para produzir uma obra.
     Percebemos que as críticas aos poetas românticos se deram pelo fato de Machado de Assis defender a construção de uma identidade literária, baseada no cuidado formal, na valorização da língua portuguesa e no aproveitamento criativo das fontes estrangeiras. Essas críticas não foram bem aceitas por alguns críticos e poetas, acostumados a uma crítica baseada em elogios infundados.Foram também limitadas pela própria realidade brasileira em que o leitor e o escritor tinham, com raras exceções, uma educação mais crítica, a ponto de ser tornarem aqueles leitores sagazes e, por extensão, aqueles escritores sagazes, que pudessem ir além dos modelos importados da França.
      Temendo ferir suscetibilidades, e, principalmente, por causa da atitude de respeito e generosidade não desprovida de rigor que exigia do crítico, Machado de Assis sentia-se mais livre para dar vazão à sua ironia nas obras de ficção. Aí, continua a tratar do poeta, mas reserva um espaço destacado para o leitor, a quem apresenta o artificialismo dos modelos franceses cultivados no Brasil.
      As críticas de Machado de Assis aos poetas românticos se dão também pelo fato de que o Romantismo no Brasil, depois de atingir uma produção literária de qualidade com Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo e Castro Alves, só para citar alguns exemplos, caminhou para um declínio, resultando uma produção muito grande de versos de qualidade duvidosa, a ponto de Machado de Assis afirmar que o trabalho mais proveitoso da crítica literária seria no estudo da poesia.
     Passando a explorar a crítica por meio da ironia, Machado de Assis desloca o seu olhar. Se no princípio a sua crítica se voltava para aquele que produz a obra, o autor, anos depois, passa a explorá-la numa dimensão em que o leitor será peça fundamental. Num trabalho de construção e desconstrução, o novo crítico não somente trata da poesia, mas também de uma sociedade carnavalizada, em que poetas, poetastros, glosadores de motes, pintores e outros tipos desfilam numa aparente serenidade. A sua crítica aos poetas continua; no entanto, renova-se, porque ele passa a ver também os acertos e desacertos do artista na construção de sua obra, o que pode ser visto em vários momentos deste estudo, por intermédio dos personagens poetas.

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