A SEGUNDA GERAÇÃO DA POESIA ROMÂNTICA

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ÁLVARES DE AZEVEDO
Manuel Antônio Álvares de Azevedo (São Paulo, 12 de setembro de 1831 — Rio de Janeiro, 25 de abril de 1852) foi um escritor da segunda geração romântica (Ultra-Romântica, Byroniana ou Mal-do-século), contista, dramaturgo, poeta e ensaísta brasileiro, autor de Noite na Taverna.
Filho de Inácio Manuel Álvarez de Azevedo e Maria Luísa Mota Azevedo, passou a infância no Rio de Janeiro, onde iniciou seus estudos. Voltou a São Paulo (1847) para estudar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde desde logo ganhou fama por brilhantes e precoces produções literárias. Destacou-se pela facilidade de aprender línguas e pelo espírito jovial e sentimental.[4]
Durante o curso de Direito traduziu o quinto ato de Otelo, de Shakespeare; traduziu Parisina, de Lord Byron; fundou a revista da Sociedade Ensaio Filosófico Paulistano (1849); fez parte da Sociedade Epicureia; e iniciou o poema épico O Conde Lopo, do qual só restaram fragmentos.
Não concluiu o curso, pois foi acometido de uma tuberculose pulmonar nas férias de 1851-52, a qual foi agravada por um tumor na fossa ilíaca, ocasionado por uma queda de cavalo, falecendo aos 21 anos.[5] A sua obra compreende: Poesias diversas, Poema do Frade, o drama Macário, o romance O Livro de Fra Gondicário, Noite na Taverna, Cartas, vários Ensaios (Literatura e civilização em Portugal, Lucano, George Sand, Jacques Rolla), e a sua principal obra Lira dos vinte anos (inicialmente planejada para ser publicada num projeto - As Três Liras - em conjunto com Aureliano Lessa e Bernardo Guimarães).[6] É patrono da cadeira 2 da Academia Brasileira de Letras.
Machado de Assis publicou no jornal “Semana Literária”, em 26 de junho de 1866 uma análise de Lira dos vinte anos.
Atualmente tem suscitado alguns estudos acadêmicos, dos quais sublinham-se "O Belo e o Disforme", de Cilaine Alves Cunha (EDUSP, 2000), e "Entusiasmo indianista e ironia byroniana" (Tese de Doutorado, USP, 2000); "O poeta leitor. Um estudo das epígrafes hugoanas em Álvares de Azevedo", de Maria C. R. Alves (Dissertação de Mestrado, USP, 1999); "Álvares de Azevedo: A busca de uma literatura consciente", de Gilmar Tenorio Santini (Dissertação de Mestrado, UNESP, 2007).
Suas principais influências são: Lord Byron, Goethe, François-René de Chateaubriand, mas principalmente Alfred de Musset.
Um aspecto característico de sua obra e que tem estimulado mais discussão, diz respeito a sua poética, que ele mesmo definiu como uma "binomia", que consiste em aproximar extremos, numa atitude tipicamente romântica. É importante salientar o prefácio à segunda parte da Lira dos Vinte Anos, um dos pontos críticos de sua obra e na qual define toda a sua poética.
No segundo prefácio de Lira dos Vinte Anos, o seu autor nos revela a sua intencionalidade e o vincula de tal maneira ao texto poético, que a gratuidade e autonomia perde espaço e revela a intencionalidade do poeta, isto é, explicação de temas, motivos e outros elementos.
O autor de Lira dos Vinte Anos estabelece valores e critérios a sua obra. Revela-se assim, uma verdadeira teorização programada da obra, transformando-se numa verdadeira teoria do conhecimento dos textos poéticos apresentados.
É evidente a explicitação de Álvares de Azevedo nessa postura consciente do fazer poético, afinal em seus prefácios há um alto grau de conhecimento quanto à proposta ultra-romântica, a qual exibe um certo metarromantismo marcada pelo senso crítico.
É o primeiro a incorporar o cotidiano na poesia no Brasil, com o poemas Ideias íntimas, da segunda parte da Lira.
Segundo alguns pesquisadores, Álvares de Azevedo que teria escolhido o título "As Três Liras", pois havia uma garota - que até hoje ninguém sabe a identidade, muito bem escondida pelo Dr. Jaci Monteiro - que tocava esse instrumento.
Figura na antologia do cancioneiro nacional. E foi muito lido até as duas primeiras décadas do século XX, com constantes reedições de sua poesia e antologias. As últimas encenações de seu drama Macário foram em 1994 e 2001.

Trabalhos
 Devido a sua morte prematura, todos os trabalhos de Álvares de Azevedo foram publicados postumamente.
Lira dos Vinte Anos (1853, antologia poética);
Macário (1855, peça de teatro);
Noite na Taverna (1855, contos);
O Conde Lopo (1886, poema épico que resta apenas em fragmentos hoje);
Álvares de Azevedo também escreveu muitas cartas e ensaios e traduziu para o português o poema Parisina, de Lorde Byron, e o quinto ato de Otelo, de William Shakespeare.

Obra
1853 Poesias de Manuel Antônio Álvares de Azevedo, Lira dos Vinte Anos (única obra preparada para publicação pelo autor) e Poesias diversas;
1855 Obras de Manuel Antônio Álvares de Azevedo, primeira publicação da sua prosa (Noite na Taverna);
1862 Obras de Manuel Antônio Álvares de Azevedo, 2ª e 3ª edições, primeira aparição do Poema do Frade e 3ª parte da Lira.
1866 O Conde Lopo, poema inédito.
Merece um destaque especial a "Lira dos Vinte Anos", composta de diversos poemas. A Lira é dividida em três partes, sendo a primeira e a terceira da Face Ariel e a segunda da Face Caliban. A Face Ariel mostra um Álvares de Azevedo ingênuo, casto e inocente. Já a Face Caliban apresenta poemas irônicos e sarcásticos.

Álvares de Azevedo – Wikipédia, a enciclopédia livre
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LIRA DOS VINTE ANOS, de Álvares de Azevedo
Análise da obra
Álvares de Azevedo é um dos vultos exponenciais do Romantismo. Embora tenha morrido aos vinte anos, produziu uma obra poética de alto nível.
A obra é fruto dos dramas de um adolescente que se vê entre desejos e frustrações, vontades e decepções constantes, o que corporifica as tendências psíquicas de uma geração já que o Romantismo pode ser considerado um movimento de adolescência, isto é, marca-se pela ambigüidade de uma vida ao mesmo tempo frágil e poderosa.
Incompreendido na morbidez e na valorização de aspectos decadentes (melancolia, tédio, pessimismo, vício) Álvares de Azevedo se encontrou cansado precocemente da vida e sentia um desejo de fuga que concretizou através de sua poesia que, embora marcada pela introspecção e individualismo, relata as correntes obscuras de seus desencantos e receios.
Já na Epígrafe de Bocage percebe-se a intuição antecipada da sua decadência. Daí, talvez, ter se atirado aos livros como quem tem pouco tempo para entender o que é a vida e adquirir uma lucidez intelectual que o faz se referir a épocas, autores e obras distantes e estranhas à sua realidade.
Mergulhado no spleen byraniano e conscientemente baseado na contradição, descrente e derrotado, escreveu na Lira dos Vinte Anos os poemas mas significativos de sua obra poética. A metrificação sempre variada, mas imperfeitas, ritmos alucinantes comprovam que a liberdade criativa baseada na emoção, característica do Romantismo, haveria de ser respeitada.
A Lira dos Vinte Anos compõe-se do que há de melhor na produção de Álvares de Azevedo: Idéias Íntimas, Spleen e Charutos, Lembranças de Morrer, Se Eu Morresse Amanhã, É Ela! É Ela! É Ela! É Ela!, são alguns dos poemas mais expressivos do Romantismo gótico.
Estruturalmente divide-se em três partes; mas do ponto de vista temático, em apenas duas, pois a primeira e terceira partes têm temas assemelhados: a morte, a família, os temas da adolescência, o sonho, a religiosidade, a forma feminina como obsessão; a segunda parte, no entanto, traz o irônico, o "satânico", a mulher, ainda que em sonho, aproximada do erótico, carnal.
Primeira parte
 É composta por 33 poemas, inicia-se por um prefácio que tem epíteto sugestivo de Bocage: Cantando a vida, como o cisne a morte. Contém poemas cuja temática é intimista: dores do coração, medo da morte, a mulher que ora se mostra, ora se esconde, a família, o sonho e a fantasia que se misturam principalmente através do jogo metafórico na erotização da mulher. Há nessa parte o aparecimento de símbolos que deixam entrever a sexualidade reprimida. O adolescente ingênuo inspira-se nos seus familiares, nas amadas virgens sonhadas e nunca reveladas exatamente, fazendo-se parecer sentimental e infeliz, sendo sua dor acalmada pela lembrança da mãe e irmã. Álvares de Azevedo é um anjo que chama seus versos de primeiros cantos de um pobre poeta: São os primeiros cantos de um pobre poeta. Desculpai-os. As primeiras vozes do sabiá não têm a doçura dos seus cânticos de amor. É uma lira, mas sem cordas; uma primavera, mas sem flores; uma coroa de folhas, mas sem viço. Cantos espontâneos do coração, vibrações doridas da lira interna que agitava um sonho, notas que o vento levou, - como isso, dou a lume essas harmonias. São as páginas despedaçadas de um livro não lido... (...) que, logicamente vive num “mundo visionário e platônico”. Se a a face de Anel, personagem de Shakespeare, que representa o Bem, adolescente e casta.
Vejamos alguns poemas:
 No  mar
Em de noite — dormias,
Do sonho nas melodias,
Ao fresco da viração;
Em balada na falua,
Ao frio clarão da lua,
Aos ais do meu coração!
Ah! que véu de palidez
Da langue face na tez!
Como teus seios revoltos
Te palpitavam sonhando!
Como eu cismava beijando
Teus negros cabelos soltos!
Sonhavas? — eu não dormia;
A minh’alma se embebia
Em tua alma pensativa!
E tremias. bela amante.
A meus beijos, semelhante
As folhas da sensitiva!
E que noite! que luar!
E que ardentias no mar!
E que perfumes no vento!
Que vida que se bebia
Na noite que parecia
Suspirar de sentimento!
Minha rôla, ó minha flor,
Ó madressilva de amor!
Como eras saudosa então!
Como pálida sorrias
E no meu peito dormias
Aos ais do meu coração!
E que noite! que luar!
Como a brisa a soluçar
Se desmaiava de amor!
Como toda evaporava
Perfumes que respirava
Nas laranjeiras em flor!
Suspiravas? que suspiro!
Ai que ainda me deliro
Sonhando a imagem tua
Ao fresco da viração,
Aos ais do meu coração,
Embalada na falua!
Como virgem que desmaia,
Dormia a onda na praia!
Tua alma de sonhos cheia
Era tão pura, dormente,
Como a vaga transparente
Sobre seu leito de areia!
Era de noite dormias,
Do sonho nas melodias,
Ao fresco da viração;
Embalada na falua,
Ao frio clarão da lua,
Aos ais do meu coração!

Observa-se a presença da mulher dormindo e o poeta contemplando-a, deixando que permaneça em sua tranqüilidade. A ligação entre o sonho e o amor é constante no poeta que se apresenta dependente do embalo amoroso que imagina. A contraposição do ambiente noturno, e a palidez da mulher marcando seus estados emotivos dão uma tonalidade afetiva e até nebulizadora da paisagem na qual se encontra.

Descrença / Crença: a dualidade de Álvares de Azevedo:
Oh! se eu pudesse amar!... — E impossível! —
Mas fatal escreveu na minha vida:
A dor me envelheceu
O desespero pálido, impassível
Azoinou minha aurora entristecida,
De meu astro descreu!
(...)
Que vale a glória, a saudação que enleva
Dos hinos triunfais na ardente nota,
E as turbas devaneia?
Tudo isso é vão, e cala-se na treva
— Tudo é vão, como em lábios de idiota
Cantiga sem idéia.
(...)
Não chorem! que essa lágrima profunda
Ao cadáver sem luz não dá conforto...
Não o acorda num momento!
Quando a treva medonha o peito inunda,
Derrama-se nas pálpebras do morto
Luar de esquecimento!
(...)
Aqui dormem sagradas esperanças,
Almas sublimes que o amor erguia
E gelaram tão cedo!
Meu pobre sonhador! aí descansas,
Coração que a existência consumia
E roeu em segredo!...
(...)
Entre nuvem ardente e trovejada
Minh’alma se erguem, fria, sangrenta,
Ao trono de meu Deus...
Perdoa, meu Senhor! O errante crente
Nos desesperos em que a mente abrasas
Não o arrojes p'lo crime!
Se eu fui um anjo que descreu demente
E no oceano do mal rompe as asas,
Perdão! arrependi-me!

Percebe-se o drama que se origina dentro do próprio poeta devido a sua tendência contraditória que evidencia um gênio incompreendido e infeliz. A descrença e o derrotismo oscilam entre Deus e o nada. A dúvida marca a composição dos versos que acabam com um penhor esperançoso mesclado em grandes desesperos.

O dormir para o poeta:
"As ondas são anjos que dormem no mar,
Que tremem, palpitam, banhadas de luz..."
"Era uma noite — eu dormia
E nos meus sonhos revia
As ilusões que sonhei!"
"E é tão doce dormir! é tão suave
Da modorra no colo embalsamado
Um momento tranqüilo deslizar-se"
"Em um castelo dourado
Dorme encantada donzela:
Nasceu — e vive dormindo
— Dorme tudo junto dela."

A presença do verbo "dormir" e suas variantes é constante nas poesias de Álvares de Azevedo. Em alguns textos pode-se ligá-lo à morte, uma obsessão por quase toda a obra e o tema de seus melhores versos. Em alguns momentos, os amantes efetivamente dormem, principalmente, a mulher, que é admirada pelo adolescente inconformado com sua condição. Observa-se também que a timidez sexual do jovem o coloca nessa condição receosa em relação ao amor, daí, no sonho, no sono, há uma realidade forte, o que torna e fantasia mais viva.

A sensualidade feminina através do poeta:
"Ah! que véu de palidez
Da langue face na tez! -
Como teus seios revoltos
Te palpitavam sonhando!"
"Que por um beijo perdido
Eu de gozo morreria
Em teus níveos seios nus?
Que no oceano dum gemido
Minh’alma se afogaria?
Ai Jesus!"

A presença de adjetivos e imagens que rodeiam a presença feminina partem de elementos comuns: seio palpitante, olhos, beijos perdidos, cabelos soltos. O sonho volta a ser a forma de prazer sem remorso para um poeta adolescente que tem medo diante do amor. O lirismo é visionário e decorrente da ‘fúria da solidão’ juvenil do poeta.

Autodestruição / crença / natureza: a existência
Amo a voz da tempestade.
Porque agita o coração,
E o espírito inflamado
AAbre as asas no trovão!
A minh’alma se devora
Na vida morta e tranqüila...
Quero sentir emoções
Ver o raio que vacila!
Enquanto as raças medrosas
Banham de prantos o chão
Eu quero erguer-me na treva,
Saudar glorioso o trovão!
Jeová! derrama em chuva
Os teus raios incendiados.
Tua voz na tempestade
Ressoa nos meus ouvidos!
E quando as nuvens ribombam
E a selva medonha está,
Que no relâmpago surge
A face de Jeová!
A tinta da tempestade
Rouqueja nos longos céus,
De joelhos na montanha
Espero agora meu Deus!

Lembrança de morrer
Quando em meu peito rebentar-se a fibra
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.
E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.
Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro
— Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;
Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia;
Só levo uma saudade — é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade — é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas
De ti, á minha mãe, pobre coitada
Que por minha tristeza te definhas!
De meu pai ... de meus únicos amigos,
Poucos — bem poucos — e que não zombavam
Quando, em noite de febre endoudecido.
Minhas pálidas crenças duvidavam.
Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda?
É pela virgem que sonhei... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!
Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores...
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.
Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho antigo...
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!
Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida.
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
— Foi poeta — sonhou — e amou a vida. —
Sombras do vale, noites de montanha
Que minh’alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe canto!
Mas quando preludia ave d’aurora
E quando à meia-noite o céu repousa.
Arvoredos do bosque, abri os ramos...
Deixai a lua prantear-me a lousa!

Segunda parte
 A segunda parte da Lira dos Vinte Anos é composta por 14 poemas e não se identifica tematicamente com a primeira e a terceira. Inicia-se também por um prefácio:
 Cuidado, leitor, ao voltar esta página!
Aqui dissipa-se o mundo visionário e platônico. Vamos entrar num mundo novo, terra fantástica, verdadeira ilha Baratária de D. Quixote, onde Sancho é rei; (...) Quase que depois de Ariel esbarramos em Caliban.
A pureza abre espaço para um porte demoníaco, macabro, irônico, amargo, sarcástico e cruel: a unidade do livro funda-se numa binomia. Duas almas que moram nas cavernas de um cérebro, verdadeira medalha de duas faces. Humor negro que valoriza a decadência e a morte e a fuga através da dispersão cultivando o SPLEEN. O poeta é um moço que envelheceu precocemente e entra em conflito com a realidade. E importante notar a proximidade com a prosa em algumas poesias dessa parte onde teríamos Caliban, personagem de Shakespeare, que representa o mal, o lado escuro dos seres, a desordem, o desequilíbrio, a face do próprio Álvares de Azevedo, segundo ele mesmo, tragado pelos vícios e amadurecido antes do tempo.
 Dito isso, está claro que o Álvares de Azevedo quer fazer ressaltar algo: na Parte II estão contidos os poemas irônicos, as paródias, um suposto "satanismo" somente encontrado em Noite na Taverna.

A pureza do poeta
"Morrer! e resvalar na sepultura,
Irias na fronte as ilusões no peito
Quebrado o coração!
Nem saudades levar da vida impura
Onde arquejou de fome... sem um leito!
Em treva e solidão!"
"Oh! ter vinte anos sem gozar de leve
A ventura de uma alma de donzela!
E sem na vida ter sentido nunca
Na suave atração de um róseo corpo
Meus olhos turvos se fechar de gozo!"

O jovem adolescente sente-se amedrontado diante do sentimento amoroso que se lhe apresenta. A pureza e a castidade dele são notáveis nos versos acima já que nega qualquer tipo de envolvimento com a mulher, mas não recusa a atração física que sente por ela.

O humor
 Solidão
Nas nuvens cor de cinza do horizonte
A lua amarelada a face embuça;
Parece que tem frio, e no seu leito
Deitou, para dormir, a carapuça.
Ergueu-se, vem da noite a vagabunda
Sem chale, sem camisa e sem mantilha,
Vem nua e bela procurar amantes;
É dorida por amor da noite a filha.
As nuvens são uns frades de joelhos,
Rezam adormecendo no oratório:
Todos têm o capuz e bons narizes.
E parecem sonhar o refeitório.
As árvores prateiam-se na praia.
Qual de uma fada os mágicos retiros -
Ó lua, as doces brisas que sussurram
Coam dos lábios teus como suspiros!
Falando ao coração que nota aérea
Deste céu, destas águas se desata?
Canta a mim algum gênio adormecido
Das ondas monas no lençol de prata?
Minh’alma tenebrosa se entristece.
É muda como sala mortuária
Deito-me só e triste, e sem ter tome
Vejo na mesa a ceia solitária.
Ó lua, ó lua bela dos amores,
Se tu és moça e tens um peito amigo,
Não me deixes assim dormir solteiro,

À meia-noite vem cear comigo!

A presença do humor está em Solidão juntamente com o toque gracioso da necessidade sexual. A mulher não tem, a principio, os escrúpulos das virgens idealizadas de outros textos, dai não haver o mistério, o vulto feminino e sim uma mulher pálida, bela, um anjo ao avesso que ele pode possuir ou suspirar como o sussurro da brisa. Devido à subjetividade exagerada da 2ª Geração, o poeta degradado pelas imposições do mundo, vê na mulher um anjo, ser superior.

Morrer e dormir
"Morreu um trovador — morreu de fome.
Acharam-no deitado no caminho:
Tão doce era o semblante! Sobre os lábios
Flutuava-lhe um riso esperançoso
E o morto parecia adormecido"

Nota-se aqui a idéia que dá ao verbo "dormir" mais que o significado apenas de descansar temporariamente, e sim, a morte, o dormir para sempre que, para o poeta traz a esperança e a doçura do novo caminho que se abre.

A Presença do Solfier
"—  Ó minha Elfrida,
Voltemos desse lado: outro caminho
Se dirige ao castelo. É mau agouro
Por um mono passar em noites destas".

Solfier é nome de personagem da Noite na Taverna. Ele e seus amigos narram as histórias de orgias, assassinatos e passados amorosos discutíveis frente a uma vida que para esses jovens parecia vazia.

O Poeta o os Vícios
"Oh! não proíbam pois ao meu retiro
Do pensamento ao merencório luto
A fumaça gentil por que suspiro.
Numa fumaça o canto d’alma escuto...
Um aroma balsâmico respiro,
Oh! deixa-me fumar o meu charuto!”
“Além um Espanhol eu vi sorrindo
Saboreando um cigarro feiticeiro,
Enchia de fumaça o quarto inteiro,
Parecia de gosto se esvaindo!”

Os jovens românticos que viviam na cidade de São Paulo levavam uma vida boêmia, repleta de orgias, atmosferas eróticas, adornadas por muita bebida alcoólica e rituais ligados à morte. A autodestruição e o desejo de fugir de uma realidade incômoda, o escapismo, configuram o estado SPLEEN do poeta, a mesma moléstia de Byron e que leva à inevitável destruição do ser espiritual e físico.

O Grotesco:
“Poetas! amanhã ao meu cadáver
Minha tripa cortai mais sonorosa!...
Façam dela uma corda, e cantem nela

Os amores da vida esperançosa
 (...)
Coração, por que tremes? Vejo a morte,
Ali vem lazarenta e desdentada...
Oue noiva! ... E devo então dormir com ela?...
Se ela ao menos dormisse mascarada!”

Enfatizando-se o pessimismo de um poeta que se sentia precocemente velho, os versos acima comprovam seu inconformismo e rebeldia diante de um destino que lhe foi imposto. Num delírio febril arremete-se ao sarcasmo de Heine com força violenta, com traços de perversidade para amenizar seus dramas adolescentes, aspirações e desejos irrealizáveis.

O Poeta o o Dinheiro
 Dinheiro
Sem ele não há cova — quem enterra
Assim grátis, a Deo? O batizado
Também custa dinheiro. Quem namora
Sem pagar as pratinhas ao Mercúrio?
Demais, as Danai também o adoram.
Quem imprime seus versos, quem passeia,
Quem sobe a Deputado, até Ministro,
Quem é mesmo Eleitor, embora sábio,
Embora gênio, talentosa fronte,
Alma romana, se não tem dinheiro?
Fora a canalha de vazios bolsos!
O mundo é para todos... Certamente,
Assim o disse Deus — mas esse texto
Explica-se melhor e doutro modo.
Houve um erro de imprensa no Evangelho:
O mundo é um festim — concordo nisso,
Mas não entra ninguém sem ter as louras.

Em quase toda a obra podemos notar a presença de elementos constantes como a morte, o sonho, a donzela, a angústia. a sexualidade mal resolvida. A critica não é uma marca da Lira dos Vinte Anos, logo, em Dinheiro há um inconformismo do poeta com a situação que o incomoda pessoalmente, embora Álvares de Azevedo tenha tido uma vida de regalias, e não uma preocupação social, levando-se em conta o individualismo que marca suas poesias.

Proximidade Poesia/Prosa:
"Ia caindo o sol. Bem reclinado
No vagaroso coche madornado,
Depois de bem jantar fazendo a sesta,
Roncava um nédio, um barrigudo frade:
Bochechas e nariz, em cima uns óculos,
Vermelho solidéu... enfim um bispo,
E um bispo, senhor Deus! da idade média,
Em que os bispos — como hoje e mais ainda —
Sob o peso da cruz bem rubicundos,

Dormindo bem, e a regalar bebendo,
Sabiam engordar na sineura;
Papudos santarrões, depois da Missa
Lançando ao povo a benção — por dinheiro!”
(...)
E acorda o fradalhão...
"O que sucede"?
— Pergunta bocejando: — é algum bêbado?
Em que bicho pisaram?"
(...)

Nota-se na poesia a ausência de rima e ritmo e a preocupação métrica. Além disso, há um trajeto narrativo envolvendo personagens e conflitos que dão feição de prosa ao texto.

A Família
"Aqui sobre esta mesa junto ao leito
Em caixa negra dous retratos guardo.
Não os profanem indiscretas vistas.
Eu beijo-os cada noite, neste exílio
Venero-os juntos e os prefiro unidos
— Meu pai e minha mãe."

A Morte do Poeta
"De tanta inspiração e tanta vida
Que os nervos convulsivos inflamava
E ardia sem conforto...
O que resta? uma sombra esvaecida,
Um triste que sem mãe agonizava...
Resta um poeta morto!”

A morte do irmão, dos colegas de faculdade, a presença da mãe e da irmã que acalmam as dores do poeta e por vezes conduzem-no a uma idealização, são freqüentes na Lira dos Vinte Anos.

Terceira parte
A terceira parte do livro, contém trinta poemas formado, ao todo, de 77 composições poéticas. Ressurge o casto e sentimental poeta que leva às últimas conseqüências seu anti-romantismo, constituindo-se da sua própria superação da idealização feminina e do amor platônico. Constata-se, portanto, que Álvares de Azevedo era um poeta em constante ebulição que, embora não tivesse sido adequadamente reconhecido em vida pelo que escrevia, conseguiu dar um tom forte aos preceitos da época, somando nele um senso crítico que não usava sempre, porém, ocupando com Lira dos Vinte Anos não apenas um lugar de destaque na literatura brasileira, mas a transposição para as palavras de seu consciente e inconsciente, de seu ponto de interrogação constante que ao leitor transforma-se em ponto de exclamação.
Não há nenhum prefácio, nenhuma indicação de abertura; mas sabemos que, tematicamente, encontraremos a mesma intenção da primeira parte: devaneios adolescentes, amor inacessível, erotização metaforizada, família, os temas da morte e do sofrimento, o poeta tão jovem... e o mesmo intimismo, o tom inquieto e confessional.

O Adolescente regressa
MEU DESEJO
Meu desejo? era ser a luva branca
Que essa tua gentil mãozinha aperta!
A camélia que murcha no teu seio,
O anjo que por te ver do céu deserta...
Meu desejo? em ser o sapatinho
Que teu mimoso pé no baile encerra...
A esperança que sonhas no futuro,
As saudades que tens aqui na terra...
Meu desejo? era ser o cortinado
Que não conta os mistérios do teu leito;
Era de teu colar de negra seda
Ser a cruz com que dormes sobre o peito
Meu desejo? era ser o teu espelho
Que mais bela te vê quando deslaças
Do baile as roupas de escomilha e flores
E mira-te amoroso as nuas graças!
Meu desejo? em ser desse teu leito
De cambraia o lençol, o travesseiro
Com que velas o seio, onde repousas,
Solto o cabelo, o rosto feiticeiro...
Meu desejo? era ser a voz da terra
Que da estrela do céu ouvisse amor!
Ser o amante que sonhas, que desejas
Nas cismas encantadas de languor!

Observa-se aqui a volta do adolescente casto que sonda seu eu interior retomando o tema lírico do amor não correspondido, das virgens sonhadas e não encontradas, corporificando as tendências da geração ultra-romântica.

O Poeta e o sonho
"A noite sonhei contigo.
E o sonho cruel maldigo
Que me deu tanta ventura.
Uma estrelinha que vaga
Em céu de inverno e se apaga
Faz a noite mais escura!"
Eu sonhava que sentia
Tua voz que estremecia
Nos meus beijos se afogar!
Que teu rosto descorava.
E teu seio palpitava,
E eu te vira desmaiar!
Que eu te beijava tremendo,
Que teu rosto enfebrecendo
Desmaiava a palidez!
Tanto amor tua alma enchia
E tanto fogo morria
Dos olhos na languidez!
(...)
O sós do harmonioso
Falava em noite de gozo
Como nunca eu a senti.
Tinha músicas suaves
Como no canto das aves
De manhã eu nunca ouvi!
(...)
Eu dei-te um beijo, sorrindo
Tremeste os lábios abrindo,
Repousaste ao peito meu...
E senti nuvens cheirosas,
Ouvi liras suspirarem,
Rompeu-se a névoa... era o céu!...
Caía chuva de flores
E luminosos vapores
Davam azulada luz...
E eu acordei ... que delírio!
Eu sonho findo o martírio
E acordo pregado à cruz!”
"Sou o sonho de tua esperança.
Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há de matar!..."
“Oh! voltai uma vez! eu sofro tanto!
Meu sonhos, consolai-me! distraí-me"

O drama adolescente, as frustrações, os desejos, mas, principalmente, a falta de segurança levam-no ao sonho, pois só através dele a realização sexual poderia se concretizar em um jovem tímido e palpitante.

 O Poeta, a vida, a mulher e a poesia:
 Trindade
A vida é uma planta misteriosa
cheia d’espinhos, negra de amarguras,
Onde só abrem duas flores puras,
— Poesia e amor...
E a mulher... é a nota suspirosa
Que treme d’alma a corda estremecida,
—É fada que nos leva além da vida
Pálidas de languor!
A poesia da luz da mocidade —
O amor é o poema dos sentidos,
A febre dos momentos não dormidos
E o sonhar da ventura
Voltai, sonhos de amor e de saudade!
Quero ainda sentir arder-me o sangue,
Os olhos turvos, o meu peito languei
E morrer de ternura!

Reunindo aqui os elementos constantes em sua poesia, Álvares de Azevedo resume que o amor seria um sentimento que o levaria ao sonho e à fantasia de uma vida que só seria possível na poesia que ele construiria a partir de suas próprias reflexões, desejos e insatisfações.

  A Donzela do poeta:
 "Donzela, feliz do amante
Que teu seio palpitante
Seio d’esposa fizer!
Que dessa forma tão pura
Fizer com mais formosura
Seio de bela mulher!
Feliz de mim... porém não!
Repouse teu coração
Da pureza no rosal!
Tenho eu no peito um aroma
Que valha a rosa que assoma
No teu seio virginal?..."
 "Oh! virgem dos meus amores,
Dá-me essa folha singela!
Quero sentir teu perfume
Nos doces aromas dela...
E nessa malva-maçã
Sonhar teu seio, donzela!"

A mulher tem uma força surpreendentemente obsessiva no adolescente. Seus estados emotivos transparecem através de névoas e de uma palidez que chega a se chocar com a escuridão da noite novamente. O receio de amar traz a mulher entre veludos, aromas. devaneios que ele não ousa dispersar, pois assim ela sena sempre uma virgem idealizada e distante.

  A Minha morte
 "Morrerei, ó morena, em segredo!
Um perdido na terra sou eu!
Ai! teu sonho não morra tão cedo
Como a vida em meu perto morreu!"
  "Oh! Morte! a que mistério me destinas?
Esse átomo de luz que inda me alenta,
Quando o corpo morrer —
Voltará amanhã — aziagas sinas
Da terra sobre a face macilenta
Esperar e sofrer?"

A inspiração do momento fez com que Álvares de Azevedo transformasse suas poesias sempre em ponto de interrogação. A dúvida da vida e a certeza da morte punham-no numa situação de estranheza diante de si mesmo. A inquietação, influenciada por Shelley, o prazer no sofrimento, o pressentimento da morte, o amargor irônico de Byron, a melancolia de Shelley fizeram com que ele valorizasse a única coisa que certamente era dele: a morte.

  O Poeta e a confirmação
Meu pobre coração que estremecia,
Suspira a desmaiar no peito meu;
Para enchê-lo de amor, tu bem sabia.
Bastava um beijo teu!
Como o vale nas brisas se acalenta,
O triste coração no amor dormia:
Na saudade, na lua macilenta
Sequioso as bebia!
Se nos sonhos da noite se embalava
Sem um gemido. sem um si sequer,
E que o leite da vida ele sonhava
Num seio de mulher!
Se abriu temendo os últimos refolhos,
Se junto de teu seio ele tremia,
É que lia ventura nos teus olhos,
E que dele vivia!
Via o futuro em mágicos espelhos,
Tua bela visão o enfeitiçava.
Sonhava adormecer nos teus joelhos ...
Tanto enlevo sonhava!
Via nos sonhos dele a tua imagem
Que de beijos de amor o recendia:
E de noite nos hábitos da aragem
Teu alento sentia!
Ó pálida mulher! se negra sina
Meu berço abandonado me embalou,
Não te rias da sede peregrina
Dessa alma que te amou.
Que sonhava em teus lábios de ternura
Das noites do passado se esquece;
Ter um leito suave de ventura...
E amor... onde morrer!

Lira dos vinte anos, de Álvares de Azevedo
Análise da obra
www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/

NOITE NA TAVERNA
Fernando Soares
A obra clássica, "Noite na Taverna", publicada em 1855, é composta por sete contos, o primeiro tem caráter introdutivo narrado em terceira pessoa apresenta os personagens e as suas respectivas caracteristicas por meio de suas conversas e o palco destes contos, a taverna, todos os contos seguintes são narrados em primeira pessoa, pelos diferentes personagens , tais contos são dotados de fantasias, amores,mortes, de antropofagia presente no conto de Bertran, traições como no conto de Gennaro,paixão de morte presente no conto de Hermann, de mulheres, aventuras,necrofilismo presente no conto de Solfieri, incesto presente no conto de Johann,fantasmas e demônios. A obra possui em cada conto quatro características principais: o amor, a morte, a bebida, e um poema introducional, que foram escritos por autores considerados ídolos de Álvares de Azevedo, como Shakespeare, Bryon, e Alexandre Dumas, e que expressam um pensamento que fundamenta o conto.
Um fato interessante a ser ressaltado, é que a obra não apresenta um tempo em si, como por exemplo, uma década ou século, transmitindo a ideia de algo vago, que acontece em "algum lugar, em alguma taverna, e em algum tempo", sugerindo que a história pode se repetir sempre, num bar/taverna qualquer. Porém, apesar de não possuir um tempo determinado, a obra possui uma história cronológica, mas com diversos "flashbacks", que retomam ao passado, e geram um tempo psicológico. Ao longo dos contos, há uma mudança de tempos dinâmica, visto que os personagens interrompem em diversos momentos suas narrativas no tempo psicológico, para, por exemplo, pedir mais vinho a taverneira.
Os protagonistas da obra são: Solfieri, Bertram, Gennaro, Claudius Hermman, Johann, Arthur/Arnold, e Geórgia.
Por ser escrito no século XIX, o livro possui uma linguagem mais culta o que pode dificultar a leitura em alguns momentos utilizando palavras e expressões que cairam em desuso. A obra trás traços do romantismo, que estava em destaque na época, e do romance gótico,caracterizando o estilo conhecido como "mal-do-século", por escolha do autor, que faz com que nos contos apareçam raptos, fugas e aventuras envolvendo morte de diveras maneiras geralmente desencadeadas por amores.
Apesar de tratar deste tema de amor e morte que englobam o egocentrismo, humor negro, pessimismo entre outros e são ainda hoje polêmicos o autor os coloca de uma forma que não tem por objetivo assustar ou amedrontar o leitor apenas os relata de uma modo que prende a atenção do leitor que busca o desfecho dos contos e se interessa pelas próximas histórias esperando encontrar outras fantasias que apresentem emoções como as anteriores.

Mais sobre informações sobre a obra, você pode encontrar nos sites abaixo:
http://www.algosobre.com.br/resumos-literarios/noite-na-taverna.html
http://educarparacrescer.abril.com.br/leitura/noite-na-taverna-402916.shtml
http://literatura-edir.blogspot.com/2008/06/resumo-e-anlise-de-noite-na-taverna.html

A história completa, pode ser encontrada em:
http://fredb.sites.uol.com.br/taverna.html

Resenha- "Noite na Taverna- Álvares de Azevedo" - Wiki Wiquimica
pt-br.203quimica.wikia.com/wiki/Resenha-_"Noite_na_Tave - 72k

COMENTÁRIOS SOBRE A OBRA
As histórias macabras de Noite na taverna mergulham o leitor num ambiente soturno, propí-cio aos delírios. Os nomes dos personagens esua aparência física são inspirados em heróis eheroínas que apareciam nas obras dos escritores românticos europeus, avidamente lidos porÁlvares de Azevedo. Usando esses nomes, oautor dá à narrativa um toque europeu, aproximando-a de seus modelos.  Essa obra representa a realização em prosa do ultra-romantismo do século XIX. Os personagens expressamum pessimismo doentio, são jovens desesperançados, que descrêem dos valores sociais,morais e religiosos. O amor sensual e o gozofísico constituem o móvel das ações, que terminam sempre em morte ou loucura. O ambientecriado é de tal modo fantástico que prende aatenção do leitor, como diz o crítico AntonioCandido: “É como se o autor tivesse conseguidoelaborar, em atmosfera fechada, um mundo artificial e coerente, um jogo estranho mas
fascinador, cujas regras aceitamos.”.
No caso desse livro, mais do que nunca, devemos ter em mente que não se pode confundiro narrador dos contos com a pessoa do autor.
O fato de seus textos falarem de noites emtavernas, bordéis ou orgias não significa queÁlvares de Azevedo tenha vivido pessoalmente essas experiências. Ao contrário. Segundo otestemunho dos contemporâneos, o poeta eraum rapaz muito estudioso e suas noites erampassadas em meio aos livros do curso de Direito. O que o fazia sofrer, de fato, era a saudadeda família e do Rio de Janeiro, pois vivia sozinho na provinciana e desinteressante cidadede São Paulo da metade do século XIX.
Os poemas selecionados de Lira dos vinte anos,que reúne o melhor da produção lírica de Álvares de Azevedo, exemplificam as várias linhastemáticas de sua obra poética. A primeira e aterceira partes desse livro apresentam poemasem que predominam o sentimentalismo, aidealização amorosa. Nesses textos,  a mulher
ora é descrita como uma figura angelical, envolvida por um clima de sonho e fantasia, ora édescrita como uma figura sensual e provocante, que tenta e atormenta o poeta. Nos doiscasos, porém, ela é sempre inacessível, distante, tornando impossível a realização amorosa.
Na segunda parte do livro, no entanto, Álvaresde Azevedo muda de tom e surpreende o leitor, pois, ao lado do poeta melancólico e sofredor, surge o poeta irônico e zombeteiro, que rida própria poesia romântica e do sentimentalismo exagerado da época. E é ele mesmo quemexplica esse duplo aspecto de sua poesia: “A
razão é simples. É que a unidade deste livrofunda-se numa binomia. Duas almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro, verdadeira medalha de duas faces.”.

ÁLVARES DE AZEVEDO: ENTRE A PRECOCIDADE E A GENIALIDADE
 Manuel Bandeira disse num comentário, a respeito  da obra precoce e ao mesmo tempo brilhante de Álvares de Azevedo, que havia algo de artificial na atitude satânica dele e “ que ao mesmo tempo dirigia à mãe versos e cartas de uma ternura quase infantil”. Bandeira reconhece a força verbal e o poder de imaginação que o destinaria a uma carreira literária genial, não fosse a sua morte prematura, ainda adolescente. (Rocha, p.12).                  Adolescente, adolescência  do romantismo no Brasil são as duas características, na visão de Antonio Cândido, acerca do jovem que tão bem representou esse período na literatura brasileira.(Rocha,1982 p. 14) :
  Há nele, sobretudo, como no escorço da vida que é a adolescência, aquele misto de frescor juvenil e fatigada senilidade, presente nos moços do Romantismo. O adolescente é muitas vezes um ser dividido, não raro ambíguo, ameaçado de dilaceramento, como ele, em cuja personalidade literária se misturam a ternura casimiriana e nítidos traços de perversidade. Desejo de afirmar e submisso temor de menino amedrontado; rebeldia dos sentidos que levam duma parte à extrema idealização da mulher, de outra, a lubricidade que a degrada. 
Baseados nestas duas visões sobre Álvares de Azevedo, pode-se entender a importância da sua obra, na segunda geração do Romantismo no Brasil. Sua  obra foi muito marcada pelo estilo europeu, especialmente  influenciado por Lord Byron e  Alfred de Musset.
 Em a lira dos vinte anos, há uma dualidade bem marcada, inclusive pelos prefácios bem distintos. O segundo prefácio abre uma produção poética mais realista, menos imaginativa e repetitiva dos modelos de referência  que ele segue. A visão onírica da mulher se desfaz, contrapondo-se uma abordagem mais irônica e mesmo grotesca, embora a figura continue  inalcansável, e o encontro amoroso sempre frustrado.
Para ilustrar essa dualidade, na visão da figura feminina, pode-se destacar,  os versos do poema “Cismar”, em suas duas últimas estrofes:

“Donzela sombria, na brisa não sentes
A dor que um suspiro em meus lábios tremeu?
E a noite, que inspira no seio dos entes
Os sonhos ardentes,
Não diz-te que a voz
Que fala-te a sós
Sou eu?

Acorda! Não durmas da cisma no véu!
Amemos, vivamos, que amor é sonhar!
Um beijo, donzela!  Não ouves? No céu
A brisa gemeu...
As vagas murmuram...
As folhas sussuram:
Amar!     (“Cismar”, IN: Poesias Completas, 2010).

  Depois, no poema “É ela! É ela! É ela! É ela”, a versão mais grotesca  da figura feminina, numa versão que pode ser compreendida mesmo como a dessacralização da mulher, da musa:

“É ela! é ela! — murmurei tremendo,
E o eco ao longe murmurou — é ela!...
Eu a vi... minha fada aérea e pura,
A minha lavadeira na janela!
Dessas águas-furtadas onde eu moro
Eu a vejo estendendo no telhado
Os vestidos de chita, as saias brancas...
Eu a vejo e suspiro enamorado!
Esta noite eu ousei mais atrevido
Nas telhas que estalavam nos meus passos
Ir espiar seu venturoso sono,
Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!
Como dormia! que profundo sono!...
Tinha na mão o ferro do engomado...
Como roncava maviosa e pura!
Quase caí na rua desmaiado!
Afastei a janela, entrei medroso:
Palpitava-lhe o seio adormecido...
Fui beijá-la... roubei do seio dela
Um bilhete que estava ali metido...
Oh! De certo ... (pensei) é doce página
Onde a alma derramou gentis amores!...
São versos dela... que amanhã decerto
Ela me enviará cheios de flores...
Trem de febre! Venturosa folha!
Quem pousasse contigo neste seio!
Como Otelo beijando a sua esposa,
Eu beijei-a a tremer de devaneio...
É ela! é ela! — repeti tremendo,
Mas cantou nesse instante uma coruja...
Abri cioso a página secreta...
Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!
Mas se Werther morreu por ver Carlota
Dando pão com manteiga às criancinhas,
Se achou-a assim mais bela... eu mais te adoro
Sonhando-te a lavar as camisinhas!
É ela! é ela! meu amor, minh’alma,
A Laura, a Beatriz que o céu revela...
É ela! é ela! — murmurei tremendo,
E o eco ao longe suspirou — é ela!
     (“É ela! É ela! É ela! É ela”, In: Poesias Completas, 2010).


  Pode-se dizer, inclusive, que no tom irônico de muitos poemas da segunda parte da Lira dos vinte anos reside uma crítica ao próprio estilo, e ao exagero teatral do Romantismo, em  sua referência  ao modelo     inicia esse texto, a respeito da sua potencial capacidade literária e sua precocidade.
O volume da obra de Álvares de Azevedo, escrita em tão pouco tempo, aliada aos inúmeros depoimentos sobre a importância dela, após a sua morte, consolida a sua marca indelével no Romantismo brasileiro.
     “No enterro de um amigo suicida, no cemitério iluminado por archotes (era noite), disse o poeta no discurso fúnebre: “Todos os anos a morte escolhe, sorrindo, os melhores dentre nós.” A sorridente, que andava ali por perto, anotou no caderninho o nome do orador: Álvares de Azevedo. Profissão? Poeta. Diagnóstico? Tumor na fossa ilíaca – coisa rara na escola-de-morrer-cedo”.   Lígia Fagundes Teles escreveu ao final do seu ensaio sobre o poeta, em seu livro A disciplina do amor.
                                              Sandra Fonseca.
Ler mais: 
http://www.luso-poemas.net/modules/newbb/viewtopic.php?topic_id=3359#ixzz20o4YgvJv

ÁLVARES DE AZEVEDO: ENTRE A PRECOCIDADE E A GENIALIDADE /Fórum ...
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MACÁRIO: A OBRA MACABRA DE ÁLVARES DE AZEVEDO
                                    Mariana do Nascimento Ramos
Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1831-1852) recebeu algumas tantas alcunhas da crítica literária brasileira, dentre elas a de anjo e demônio do nosso romantismo. Não é à toa, porém, que sua obra é de difícil classificação, uma vez que a tentativa de pragmatizá-la acaba por retirar a densidade ambígua e contraditória – propositadamente, é claro – que está difundida em suas linhas e entrelinhas. A vertente ultrarromântica foi capaz de introjetar nas veias dos poetas as hipérboles proferidas com aquele exagero típico que os românticos mais poeticamente emocionados costumavam ter. Por outro lado, não é tarefa árdua reconhecer na obra do estudante paulista uma faceta irônica e mordaz, que se reveste de uma autocrítica sarcástica e atravessada por versos metalinguísticos capazes de negar sua própria imagem de poeta romântico. Esse é, sem dúvida, um dos aspectos mais interessantes de sua obra poética.É nesse âmbito de classificações confusas e insuficientes que iremos encontrar o drama Macário (1855), talvez a obra mais ininteligível de Azevedo do ponto de vista pragmático. O próprio autor se esquivou de classificá-la em qualquer gênero literário para reconhecer nesse drama “apenas uma inspi- ração confusa, rápida, que realizei à pressa como um pintor febril e trêmulo”. Por conta disso, Macário muitas vezes nem é citada como objeto de estudo de sua poética, sendo deixada de lado, certamente por não fazer parte de um conjunto literário coerente e homogêneo. No entanto, a peça de Álvares de Azevedo é extremamente representativa da articulação consciente de um projeto literário baseado na contradição. Como ele próprio observou a respeito de sua poética, residem em um mesmo cérebro “mais ou menos de poeta” as facetas de Ariel e Caliban. As supostas contradições e incoerências dessa obra do poeta paulistano só reafirmam uma ideia do próprio Álvares de Azevedo acerca do romantismo brasileiro. Propomos, assim, uma breve análise do alcance da ambiguidade que a leitura do drama Ma- cário provoca, fato que se estende por quase toda a obra do autor. Vertente ingênua ou vertente irônica, angelical ou satânica, a peça de Álvares de Azevedo suscita um estudo mais detalhado e questionador a respeito das várias facetas que apresenta o próprio romantismo brasileiro.
 O poeta e a vida boêmia de sua época
O Brasil do século XIX conviveu com um número representativo de agremiações estudantis, cuja importância para a vida literária das capitais brasileiras e suas principais províncias tornou-se indiscutível. Criadas a partir dos interesses acadêmicos, sociais e políticos dos estudantes das faculdades bra- sileiras – nessa época, o ambiente ideal de germinações intelectuais e ideológicas das gerações que por elas passavam –, essas sociedades definiram, de forma às vezes bastante conturbada, o panorama literá- rio nacional do século XIX.
O Rio de Janeiro esboçava um roteiro cultural determinado pelas grandes figuras que compunham os ambientes mais propícios ao desenvolvimento intelectual do país. Florescia, assim, um meio favo- rável à integração cada vez mais intensa entre políticos, escritores e intelectuais da época. O desenvolvimento econômico do Brasil pós-independência contribuiu decisivamente para o surgimento de um ritmo de vida citadino experimentado pelos habitantes da capital do Império. Além da Faculdade de Medicina, as livrarias começavam a ser frequentadas pela parcela da população que se preocupava em discutir os rumos que o país poderia tomar.
Contudo, não só a capital do Império possuía vida literária e produções intelectuais de grande por- te; as atividades políticas e culturais não paravam de crescer e de se multiplicar no bojo de uma socieda- de em plena constituição. O desenvolvimento e o comércio chegavam até outras capitais do país, como São Paulo, Recife e Salvador. Na capital paulista, a Sociedade Filomática, surgida em 1832, lançava os números de sua Revista da Sociedade Filomática, que buscava analisar o quadro sociopolítico do Brasil numa ótica nacionalista. No Rio de Janeiro, as associações literárias faziam parte da vida social dos jovens acadêmicos que se interessavam pelo futuro do país.
Mas a época romântica conheceu também outro tipo de sociedade que se tornou muito difundida entre os estudantes brasileiros: eram as chamadas sociedades secretas, que consistiam, na maioria das vezes, em associações juvenis promovedoras de práticas excêntricas e controversas. A incidência desse tipo de associação está diretamente relacionada à vida acadêmica dos estudantes das faculdades do Brasil, já que era para as Academias de Direito e Medicina que costumavam ir os jovens de famílias burguesas das classes média e alta, afastando-se de seus familiares, que até então os haviam conservado bons e respeitosos rapazes de família. Entretanto, aquelas repúblicas abastadas de jovens estudantes não poderiam deixar de ser o lugar mais adequado à formação estética desses grupos de adoradores de Byron que apre- ciavam a noite, a poesia e a literatura gótica. Estimulados pelos companheiros mais experientes, os rapa- zes recém-chegados de casa deparavam-se com um ambiente livre do conservadorismo católico-familiar, e logo eram apresentados à bebida, ao charuto e aos jogos. Uma espécie de “personalidade byroniana” pairava sobre as cabeças daqueles rapazes que começavam a dar os primeiros passos como formadores de uma importante fase da história nacional. Embora fossem ainda muito jovens e inexperientes, esses estudantes de atitudes provocadoras possuíam plena consciência da importância daquele movimento para a sociedade brasileira.
Assim, em 1845, sob a influência da lenda de Lord Byron, os estudantes da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco criaram a famosa Sociedade Epicureia. Dela participaram alguns dos poe- tas mais renomados do romantismo brasileiro, tais como Bernardo Guimarães (1825-1884), Aureliano Lessa (1828-1861) e Fagundes Varela (1841-1875). Muitos autores não admitem, porém, a presença de Álvares de Azevedo nessa sociedade, pois de fato não há documentos que comprovem que o poeta participava dos encontros noturnos do grupo de São Paulo, embora muitos estudiosos prefiram acreditar em um provável contato do poeta com a Sociedade, já que muitos de seus amigos e companheiros de faculdade eram membros do grupo. Os estudantes viviam (ou queriam viver) uma verdadeira vida boêmia e suas práticas muitas vezes tinham a ver com o que liam sobre a geração romântica de Paris. Álvares de Azevedo escreveu o poema “Spleen e charutos”, combinação byroniana por excelência. Há ainda uma passagem de Macário que ilustra bem a importância que o poeta dava ao tabaco:

O DESCONHECIDO
Bebei mais um copo de Madeira. (Beberam.) Levais decerto alguma preciosidade na mala? (Sorri-se.) MACÁRIO
Sim…
O DESCONHECIDO
Dinheiro?
MACÁRIO
Não, mas…
O DESCONHECIDO
A coleção completa de vossas cartas de namoro, algum poema em borrão, alguma carta de recomendação? MACÁRIO
Nem isso, nem aquilo… Levo…
O DESCONHECIDO
A mala não pareceu-me muito cheia. Senti alguma coisa sacolejar dentro. Alguma garrafa de vinho? MACÁRIO
Não! não! mil vezes não! Não concebeis, uma perda imensa, irreparável… era o meu cachimbo

As sociedades secretas, como a Sociedade Epicureia, proclamavam os valores românticos relacionados com a literatura de Lord Byron, quais fossem a morbidez, o sarcasmo e o fascínio em relação à morte. A matéria poética que alimentava a geração ultrarromântica vinha das fantasias literárias daqueles rapazes sonhadores que procuravam, de alguma maneira, aproximar-se da figura de Don Juan.
Mais do que simples brincadeiras de rapaz que quer esbanjar todo o seu vigor juvenil e intelectual de forma exagerada, os encontros daquelas associações marginais engendravam um ideário pleno de valores importantes e decisivos para a literatura brasileira. Formava-se, em torno dos excessos e das fanfarronadas acadêmicas dos estudantes, um verdadeiro universo cuja perspectiva poderia assumir caráter muito sério, uma vez que consciente da configuração literária brasileira.

O Prefácio da segunda parte de Lira dos vinte anos
Quando se estuda e analisa a obra literária de Álvares de Azevedo, muitas vezes deixa-se de lado um dos textos mais significativos e importantes para uma compreensão aprofundada de sua lírica: o “Prefácio da Segunda Parte” de seu livro Lira dos vinte anos (1853), no qual o poeta faz uma análise inusitada – para um poeta romântico – de sua própria poética e do romantismo de maneira geral. Esse texto condensa, em poucas páginas, uma breve autorreferência da complexa binomia que reside na lírica do escritor, revelando que seu fazer poético organiza-se a partir de um universo ambíguo e ilustrativo daquilo que ele revelou como um de seus maiores desejos literários: a provocação, por parte da poesia, de senti- mentos antagônicos porém inseparáveis que encerram no homem sua natureza mais surpreendente.

É na primeira parte de Lira dos vinte anos que encontraremos um eu lírico carregado de sentimentalismo e emoções exageradas, as quais perpassam por versos que podem revelar desde um amor ingênuo e inocente por sua mãe:

À MINHA MÃE
 Se a terra é adorada, a mãe não é mais digna de veneração.
Como as flores de uma árvore silvestre Se esfolham sobre a leiva que deu vida A seus ramos sem fruto,
Ó minha doce mãe, sobre teu seio Deixa que dessa pálida coroa
Das minhas fantasias
Eu desfolhe também, frias, sem cheiro, Flores da minha vida, murchas flores Que só orvalha o pranto
até um erotismo confluente de fantasias e realidade mórbida:

SONHANDO
Na praia deserta que a lua branqueia, Que mimo! que rosa! que filha de Deus! Tão pálida… ao vê-la meu ser devaneia, Sufoco nos lábios os hálitos meus!
Não corras na areia,
Não corras assim!
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!
[...]
A brisa teus negros cabelos soltou,
O orvalho da face te esfria o suor, Teus seios palpitam – a brisa os roçou, Beijou-os, suspira, desmaia de amor! Teu pé tropeçou…
Não corras assim…
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!
[...]
Aqui no meu peito vem antes sonhar
Nos longos suspiros do meu coração:
Eu quero em meus lábios teu seio aquentar, Teu colo, essas faces, e a gélida mão…
Não durmas no mar!
Não durmas assim.
Estátua sem vida,
Tem pena de mim!
[...]
E a imagem da virgem nas águas do mar Brilhava tão branca no límpido véu…
Nem mais transparente luzia o luar
No ambiente sem nuvens da noite do céu! Nas águas do mar
Não durmas assim…
Não morras, donzela,
Espera por mim!

 É nessa primeira parte da Lira dos vinte anos que vamos encontrar o Álvares de Azevedo Ariel, ou angelical, como bem acentuou Antonio Candido em seu estudo “Álvares de Azevedo, ou Ariel e Caliban”. Há, nesse âmbito específico de sua lírica, um eu poético que extravasa um certo sentimenta- lismo adolescente, quase ingênuo, cuja personalidade literária se percebe por vezes em imagens poéticas ternas e infantis. Seja uma virgem do mar idealizada, seja a mãe cujo amor é casto e sincero, o que podemos notar nessa primeira parte de Lira dos vinte anos é justamente esse enveredamento poético em direção ao que existia de mais previsível em um poeta romântico de sua época. É nessa parte da obra que vamos encontrar versos como os do poema “Itália”, pátria que aparece em Macário como o ambiente de sonhos de Penseroso, personagem apaixonado e sonhador:

Ver a Itália e morrer!… Entre meus sonhos Eu vejo-a de volúpia adormecida…
Nas tardes vaporentas se perfuma
E dorme, à noite, na ilusão da vida!

 E, se eu devo expirar nos meus amores, Nuns olhos de mulher amor bebendo, Seja aos pés da morena Italiana, Ouvindo-a suspirar, inda morrendo.
Segundo Antonio Candido, as múltiplas facetas que o romantismo parece apresentar sob a ótica poética de Álvares de Azevedo justificam-se, de alguma maneira, ao reconhecermos no movimento romântico traços de uma certa adolescência literária, reforçada pelo fato de que quase todos os poetas da geração de Álvares de Azevedo eram ainda muito jovens:
Se o Romantismo, como disse alguém, foi um movimento de adolescência, ninguém a representou mais tipicamente no Brasil. O adolescente é muitas vezes um ser dividido, não raro ambíguo, ameaçado de dila- ceramento, como ele, em cuja personalidade literária se misturam a ternura casimiriana e nítidos traços de perversidade; desejo de afirmar e submisso temor de menino amedrontado; rebeldia dos sentidos, que leva duma parte à extrema idealização da mulher e, de outra, à lubricidade que a degrada.
O texto de abertura da segunda parte da obra indica que tipo de aproximação se fará necessário para que o leitor não se assuste ao ler o primeiro poema dessa parte inspirada por seu lado Caliban; tudo isso, porém, não passa de ironia metalinguística, uma vez que o leitor estranha esse novo universo macabro de qualquer jeito:
Cuidado, leitor, ao voltar esta página!
Aqui dissipa-se o mundo visionário e platônico. Vamos entrar num mundo novo, terra fantástica, verdadeira ilha Baratária de D. Quixote, onde Sancho é rei e vivem Panúrgio, sir John Falstaff, Bardolph, Fígaro e o Sganarello de D. João Tenório: — a pátria dos sonhos de Cervantes e Shakespeare.

    Quase que depois de Ariel esbarramos em Caliban. A razão é simples. É que a unidade deste livro funda-se numa binomia: — duas almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro, verdadeira medalha de duas faces.
Essa ideia de binomia é ratificada em Macário, com a presença de Penseroso e Macário e as contradições discursivas do próprio Macário. Nesse universo obscuro da segunda parte de seu prefácio, en- contramos um lado sarcástico e irônico na obra de Álvares de Azevedo, capaz de transformar a típica imagem romântica da virgem na janela em uma caricatura irônica e zombeteira:

É ELA! É ELA!
É ela! é ela! — murmurei tremendo,
E o eco ao longe murmurou — é ela!… Eu a vi… minha fada aérea e pura,
A minha lavadeira na janela!
Dessas águas-furtadas onde eu moro Eu a vejo estendendo no telhado
Os vestidos de chita, as saias brancas… Eu a vejo e suspiro enamorado!
Esta noite eu ousei mais atrevido
Nas telhas que estalavam nos meus passos Ir espiar seu venturoso sono,
Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!
Como dormia! que profundo sono!… Tinha na mão o ferro do engomado… Como roncava maviosa e pura! Quase caí na rua desmaiado!
Afastei a janela, entrei medroso: Palpitava-lhe o seio adormecido… Fui beijá-la… roubei do seio dela Um bilhete que estava ali metido…
Oh! De certo … (pensei) é doce página Onde a alma derramou gentis amores!… São versos dela… que amanhã decerto Ela me enviará cheios de flores…
Trem de febre! Venturosa folha! Quem pousasse contigo neste seio! Como Otelo beijando a sua esposa, Eu beijei-a a tremer de devaneio…
É ela! é ela! — repeti tremendo,
Mas cantou nesse instante uma coruja… Abri cioso a página secreta…
Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!
Mas se Werther morreu por ver Carlota Dando pão com manteiga às criancinhas,
Se achou-a assim mais bela… eu mais te adoro Sonhando-te a lavar as camisinhas!
É ela! é ela! meu amor, minh’alma, A Laura, a Beatriz que o céu revela… É ela! é ela! — murmurei tremendo, E o eco ao longe suspirou — é ela!

    Nesse poema, a “virgem” romântica é, na verdade, uma lavadeira que está na janela simplesmente porque aí está pendurando as roupas molhadas que acabou de lavar. Ironicamente, é essa cena pouco romancesca e poética que inspirará o poeta em seus versos de amor, transformando a lavadeira da janela em uma fada “aérea e pura”. O adjetivo “aérea”, que em outra situação poderia definir o sentido de san- tidade associado à mulher romântica – quase sempre referida como ser etéreo e diáfano –, é, no poema de Álvares de Azevedo, nada mais do que uma referência tópica ao fato de sua amada estar “pendurada” em uma janela, já que era uma lavadeira estirando roupas. A aventura quixotesca do poeta faz clara referência às musas românticas que inspirariam os escritores de sua geração, e ele próprio; entretanto, o exagero piegas do romantismo é, aqui, satirizado pelo próprio eu poético que dá voz ao poema. Álvares de Azevedo, assim, satiriza não só a sua geração de escritores, como a si próprio, visto que o poeta ad- mite que há também o lado Ariel em sua escritura, cristalizado na primeira parte da Lira dos vinte anos. Antonio Candido vê na dialética que provoca a autoironia do poeta a “execução de um programa cons- cientemente traçado”, uma vez que as tendências literárias na poética de Álvares de Azevedo – por ele próprio chamadas de Ariel e Caliban – são complementares e indissociáveis, dando à sua obra o caráter de uma binomia que, fundamentada em uma contradição, acabou por gerar o que seria, para o poeta, sua marca diferencial dentro do romantismo brasileiro.

Macário: teatro macabro
Uma conversa regada a bebida, sarcasmo e delírio entre Satã e um jovem estudante de Direito que maldiz a própria sorte. Esse pode ser o núcleo central de Macário, a peça de Álvares de Azevedo considerada, muitas vezes, indecifrável, seja por sua matéria narrada incomum e fantasiosa, seja por causa de sua perspectiva de narração que não se enquadra em nenhum outro gênero literário conhecido até então. Segundo Antonio Candido, a obra pode ser lida como uma “mistura de teatro, narração dialogada e diário íntimo: no conjunto, e como estrutura, sem pé nem cabeça, mas desprendendo, sobretudo na primeira parte, irresistível fascínio”.
Macário pode ser lida, então, como um drama dividido em dois episódios. No primeiro, o jovem estudante Macário chega a uma taverna para passar a noite e começa a conversar com um estranho. O estranho revela ser Satã e leva-o para um passeio a cavalo por uma cidade inóspita e monótona, povoada por prostitutas e estudantes. Não se sabe ao certo em que cidade estão, mas entende-se que os personagens estão falando de São Paulo, cidade onde o próprio Álvares de Azevedo também cursava a Faculdade de Direito, no Largo de São Francisco. Depois de peregrinar pelas ruas com o estranho, Macário tem uma alucinação e acorda palpitante, na pensão; a atendente reclama que ele dormiu comendo. Ele acha que foi tudo um sonho, mas os dois veem pegadas de cabra queimadas no chão e se entreolham, assustados. No segundo episódio, passado na Itália, Macário e outros estudantes aparecem em cena, confusos, deprimidos e em busca do amor puro e virginal. Seu amigo Penseroso acaba matando-se por amor enquanto Macário está bêbado. A peça acaba com Macário sendo levado pelo braço por Satã para uma orgia em um bar.
Não há sequência lógica na intriga capaz de sedimentar os episódios em outro lugar que não sejam os delírios e as vertigens da imaginação do protagonista da obra. Macário é um jovem estudante que estabelece uma espécie de companheirismo macabro e autodestrutivo com Satã, personagem sóbrio, sarcástico e, para espanto dos leitores ou expectadores, bastante amigável na maioria das vezes.
O pano de fundo é a tediosa – para aquela época – noite paulistana, durante a qual Macário e Satã conversam sobre o que poderia haver de mais importante para um poeta romântico daquela época: a pátria, as mulheres, o amor e a morte. O ambiente parece sempre hesitar entre o comprometimento com a realidade e um movimento incompreensível das personagens que evoca o delírio. A vertigem de Macário, porém, revela seus pensamentos e seus desejos mais profundos, o que somente Satã parece compreender; mais do que isso, às vezes, tem-se a impressão de que o próprio Satã seria o causador desse des- compasso vertiginoso na mente do estudante. O encontro entre Satã e Macário se dá de maneira muito natural, como se o estudante já parecesse, de alguma forma, evocar e sentir a presença do diabo:

MACÁRIO
Ainda uma vez, antes de dormir, o teu nome?
O DESCONHECIDO
Insistes nisso?
MACÁRIO
De todo o meu coração. Sou filho de mulher.
O DESCONHECIDO
Aperta minha mão. Quero ver se tremes nesse aperto ouvindo meu nome.
MACÁRIO
Juro-te que não, ainda que fosses.
O DESCONHECIDO
Aperta minha mão. Até sempre: na vida e na morte!
MACÁRIO
Até sempre, na vida e na morte!
O DESCONHECIDO
E o teu nome?
MACÁRIO
Macário. Se não fosse enjeitado, dir-te-ia o nome de meu pai e o de minha mãe. Era de certo alguma liber- tina. Meu pai, pelo que penso, era padre ou fidalgo.
O DESCONHECIDO
Eu sou o diabo. Boa-noite, Macário.
MACÁRIO
Boa-noite, Satan. (Deita-se. O desconhecido sai.) O diabo! Uma boa fortuna! Há dez anos que eu ando para encontrar esse patife! Desta vez agarrei-o pela cauda! A maior desgraça deste mundo é ser Fausto sem Me- fistófeles. Olá, Satan!

 Mas, assim como não existe um compromisso convencional com a verossimilhança, o leitor – ou o público, já que se trata de uma peça de teatro – não hesita em desvendar os caminhos (quase) incompreensíveis da imaginação do protagonista, que, na companhia duvidosa de Satã, empreende uma viagem estranha pelas ruas de São Paulo, cidade ideal para a peregrinação macabra dos dois companheiros de spleen:

MACÁRIO
Por acaso também há mulheres ali?
SATAN
Mulheres, padres, soldados e estudantes. As mulheres são mulheres, os padres são soldados, os soldados são padres, e os estudantes são estudantes: para falar mais claro: as mulheres são lascivas, os padres dissolutos, os soldados ébrios, os estudantes vadios. Isto salvo honrosas exceções, por exemplo, de amanhã em diante, tu. MACÁRIO
Esta cidade deveria ter o teu nome.
SATAN
Tem o de um santo: é quase o mesmo. Não é o hábito que faz o monge. Demais, essa terra é devassa como uma cidade, insípida como uma vila e pobre como uma aldeia. Se não estás reduzido a dar-te ao pagode, a suicidar-te de spleen, ou a alumiar-te a rolo, não entres lá. É a monotonia do tédio. [...]

 Satanás, no entanto, não está interessado em fazer aflorar o lado perverso do jovem estudante para depois chantageá-lo; pelo contrário, Macário estabelece um diálogo sólido e consciente com seu inter- locutor, sem parecer dar muita importância ao fato de ele ser Satã. Este, aliás, parece se espantar – ou apenas finge se espantar – com o ceticismo de Macário: “Falas como um descrido, como um saciado! E contudo ainda tens os beiços de criança!” Satã, aqui, pode estar revelando todo o seu espanto ou o seu cinismo, sendo esta última opção difinitivamente a mais provável. A ambiguidade da poética de Álvares de Azevedo se faz presente de forma bastante nítida e reveladora nesta passagem, em que Macário dá respostas antagônicas para a mesma pergunta:

O DESCONHECIDO
E amaste muito?
MACÁRIO
Sim e não. Sempre e nunca.

Se fizermos uma leitura desses versos à luz do Prefácio da Segunda Parte de Lira dos vinte anos, encontraremos uma lírica revestida de binomia – termo por ele mesmo utilizado – que funde dois univer- sos diferentes em um mesmo fazer poético. De um lado, vislumbramos um eu lírico preocupado com a paixão, a natureza e a manutenção de uma certa inocência que tanto uma quanto a outra são capazes de oferecer; essa ingenuidade, entretanto, não é o único viés da lírica do poeta, uma vez que o byronismo macabro de que tanto gostava não deixaria de atravessar muitos de seus versos mais inspirados.
Antonio Candido observa como, na peça, Macário e Penseroso correspondem às duas facetas opostas e complementares da poética de Álvares de Azevedo:
Macário é o Álvares de Azevedo byroniano, ateu, desregrado, irreverente, universal; Penseroso, o Álvares de Azevedo sentimental, crente, estudioso e nacionalista. Aquele, por contraste, situado em São Paulo; este na Itália: a pátria da sua realidade e a pátria da sua fantasia.
 Penseroso e Macário articulam duas instâncias imbuídas de signos poéticos específicos, transcri- tas na forma de uma lírica que procura aproximar ou afastar – confundir, algumas vezes – esses dois universos. Assim, em um personagem como Macário, por exemplo, as vozes ilustrativas de Ariel e Caliban se fazem presentes ao mesmo tempo. Pois se Macário é capaz de proferir sentenças imbuídas de sarcasmo e ironia: “O diabo! Uma fortuna! Há dez anos que eu ando para encontrar esse patife! Desta vez agarrei-o pela cauda!”, também carrega no peito as ilusões amorosas com que sonhavam os poetas ultrarromânticos: “Oh! a mantilha acetina! os olhares de andaluza! e a tez fresca como uma rosa! [...] Apertá-las ao seio com seus ais, seus suspiros, sua orações entrecortadas de soluços, beijar-lhes os seios palpitantes [...]”
A viagem de Satã e Macário, no primeiro episódio, é um passeio fantasmagórico por uma cidade nebulosa e inóspita. O estudante de Direito de São Paulo, na companhia do Diabo, inicia também uma viagem imaginária, repleta de devaneios e considerações extravagantes e pessimistas acerca do universo e da natureza humana. No segundo episódio, ainda mais complexo e confuso, novos personagens aparecem, inclusive Penseroso, que elabora todo um discurso contra-argumentativo em relação ao ceticismo do amigo Macário. Este, ao lado de Satanás, torna-se cada vez mais indiferente e pessimista. Penseroso, ao contrário, pertence ao universo linguístico que projetou os signos poéticos presentes na primeira fase da Lira dos vinte anos; por ser tão inocente e cheio de fé – que o faz esperar uma vida de sonhos que nunca chega –, sucumbe à debilidade de seu ser e morre cheio de dúvidas. Macário, na cena final, dá o braço a Satanás, em uma atitude um pouco ambígua, e pede silêncio ao companheiro para poder escu- tar o discurso de um grupo de rapazes que bebem em uma taverna. Seriam os personagens de Noite na taverna, como Penseroso, indivíduos românticos e audazes na juventude, mas que ao longo do tempo se assumiriam como figuras cínicas e covardes?
A morte de Penseroso, na segunda parte da peça, não necessariamente representa o triunfo de Macário e sua aliança com Satã. Mais do que dividir categoricamente a sua binomia literária particular, trazendo falsas respostas que seriam antes de tudo uma negação do caráter complementar de suas duas facetas antagônicas, a obra Macário confirma a impossível dissociação de duas estéticas que se questionam e se validam ao mesmo tempo, em um complexo processo de continuidade literária que o poeta colocava em jogo em sua poética.
Torna-se, portanto, tarefa difícil dividir a obra de Álvares de Azevedo na chamada binomia da natureza humana, revelada no Prefácio da Segunda Parte de Lira dos vinte anos. Ariel e Caliban, como ele mesmo nomeou ambas as partes dessa dicotomia complexa e por vezes confusa, encontram-se em um mesmo verso, um mesmo signo poético capaz de revelar as facetas mais obscuras de uma poética atravessada por sentimentos antagônicos e complementares.

Macário: A obra macabra de Álvares de Azevedo | literatura em foco
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